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domingo, 27 de julho de 2014

Até onde vão suas pegadas? Crônica sobre a morte e o viver.


O que João Ubaldo, Rubem Alves e Ariano Suassuna deixam para nós? A morte leva o ser, mas a palavra o imortaliza. O corpo se vai, mas nossas pegadas ficam. E você? Já pensou até onde irão suas pegadas?



A morte do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, bem como do escritor João Ubaldo e do grande educador e escritor Rubem Alves nos fazem refletir sobre algo comum a todos nós: A morte. Todos, em suas obras, retrataram a morte e o morrer a partir de uma sensibilidade presente em poucos.



Rubem Alves, que sempre discorreu inúmeras vezes sobre o tema, destacou em seu livro "Desfiz 75 anos" que: "Sua morte lhe dirá: 'Ainda não o toquei.' A morte nunca fala sobre si mesma. Ela só fala sobre a vida. Basta pensar nela para que a gente ouça a sua voz silenciosa nos perguntando: 'E a sua vida como vai? O que você está fazendo com o tempo que lhe resta?'"



O psiquiatra Kübler-Ross destacou em sua obra "Sobre a morte e o morrer" (1992) que a morte é o acontecimento mais desesperador ao ser humano. Segundo o autor, a religião tem influência significativa na vida das pessoas e podem auxiliar no processo de aceitação da morte, pois há sobre ela a esperança de uma vida eterna, seja ela num paraíso ou através de outras vidas. No entanto, nem sempre a religião pode dar conta da angústia do ser finito. E, nestas situaçãoes, podemos pensar na vida pós morte a partir de uma outra perspectiva. Perspectiva esta, trazida por nossos grandes e queridos imortais.



E aí, entre a angústia, a saudade e o medo que a morte carrega, vem a possibilidade de reflexão sobre a maneira como levamos a nossa vida, as marcas que deixamos enquanto vivos e a escrita desesperada de quem deseja ser infinito.



Sua respiração se torna cada vez mais lenta. Ofegante. Difícil.

Há um último suspiro. Seus olhos se fecham. Seu coração para. O cérebro não funciona mais.

Pode ter sido por estrangulamento, falência múltipla de órgãos, câncer, afogamento, envenenamento, acidente.

Morte matada ou morte morrida.

Isso vai depender se você é mais uma Severina ou mais um Amarildo da vida.

Você morreu.

Mas, calma!

Ainda há vida.

Nos momentos seguintes, as pessoas se recusarão a acreditar no que aconteceu.

Vão dizer: "Impossível! Ontem mesmo no falamos", "Ainda pouco estava aqui", "Eu acabei de falar com ela!"

Vai demorar um tempo até que todos se convençam de que a morte, antiga conhecida, passou tão perto desta vez.

Isso é natural.

Na maioria das vezes ela aparece na televisão. Nas favelas e rocinhas da vida. Com gente que não se cuidou. Com gente que se envolveu com coisa errada. Com gente que estava pedindo. Com gente que merecia.

A morte assim, tão perto de gente que nem a gente, é coisa que não se aceita fácil. É coisa injusta. Inaceitável. Dolorida.

Vai ter gente vestindo camiseta com sua cara estampada. Uma enxurrada de declarações de amor nas redes sociais. Dependendo da situação, irão até as ruas gritar por justiça. No Datena ou, quem sabe, até Brasília.

Tudo que até então era defeito, vai virar virtude. Vão dizer: "Ela tinha uma personalidade forte!"

Mas, o tempo vai passar.

Logo, as lágrimas cessarão e, no lugar do choro incontido, momentos de alegria com os amigos serão relembrados.

Vão dizer: Que saudade! Mas agora, com menos dor.

Logo, a vida será retomada. Você foi, mas o mundo não parou! Em breve, todos retomarão o ritmo normal de suas vidas.

Vídeos. Fotografias. Livros. Perfumes. Roupas. Músicas.

Você se foi. O mundo não parou. As pessoas continuaram. Mas, ainda existe um pouco de você entre os vivos.

Pode ser numa roda de conversa entre amigos, numa reunião familiar, numa matéria de jornal, numa retrospectiva de fim de ano. Em algum momento vão lembrar de você. Vão falar o seu nome.

Vão pensar em você quando tocar sua música preferida.

Você ainda vive!

A madeira começou a apodrecer. Suas roupas foram doadas. Seu parceiro encontrou um novo amor.

Só a sua mãe ainda chora baixinho antes de dormir. Só ela ainda ousa questionar Deus e suas vontades. Mas você, apesar de morta, ainda está viva!

Você plantou sementes. Deixou pegadas. Lembranças. Saudades.

O tempo passa e, tudo que parecia eterno, uma hora chega ao fim. Os amigos próximos ficaram velhos. Seus pais não existem mais. Seus filhos tiveram filhos que tiveram filhos que tiveram outros filhos.



Ninguém mais diz o seu nome. Ninguém mais se lembra de você. Agora sim, Você morreu.



Descanse em paz.


REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. Desfiz 75 anos. Editora Papirus: São Paulo, 2009. KÜBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo, Martins Fontes, 1992.



© obvious

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