Na primavera de 1967, em Palo Alto, Califórnia (EUA), o professor Ron Jones recriou em uma sala de aula do ensino médio o ambiente nazi fascista da Alemanha pouco antes da II Guerra Mundial. O que era para ser apenas uma aula de história sobre o totalitarismo na Alemanha nazista, acabou se tornando um experimento que deixou lições inesquecíveis para todos, até os dias de hoje.
Die Welle (2008).
O professor de história Ron Jones tinha apenas 25 anos quando tudo aconteceu. Era jovem, bonito, carismático, surfista, inovador. Em suma, um líder nato. Aquele, era o seu primeiro ano completo como professor. Tudo aconteceu muito rápido, como é típico na vida dos jovens. Para se ter ideia; os acontecimentos da Terceira Onda deram-se apenas entre 5 ou 8 dias escolares. Pouco mais de uma semana entre o fim de março e o começo de abril de 1967. O cenário era a Elwood P. Cubberly Senior High School, em Palo Alto, Califórnia, EUA. A escola foi fechada em 1979. A classe do professor Jones era chamada "Contemporary world" (Mundo contemporâneo), era o curso de história como parte do Departamento de Estudos Sociais. A famosa Terceira Onda ocorreu durante os estudos das condições do mundo da época, e dos eventos que levariam à II Guerra Mundial.
Jones era uma figura enérgica. Queria que seus alunos enxergassem as diferentes perspectivas de um mesmo assunto e aprendessem a pensar por si próprios. Seus alunos, por sua vez, também eram muito jovens. Todos adolescentes em torno dos 15 anos de idade. Ao contrário do que foi propagado como verdade por décadas, a Terceira Onda não começou com uma única classe de 30 estudantes. Na verdade, o movimento foi bem maior; houve - literalmente - 'três terceiras ondas', porque o professor Jones dava aulas em três turmas ao mesmo tempo. Sendo assim, o movimento inicialmente contava com cerca de 90 estudantes que, no desenrolar da trama, quase triplicaram. Ao final, havia aproximadamente 200 alunos, ou mais, envolvidos na Terceira Onda.
De fato, no começo, ninguém poderia imaginar a proporção que aquilo tomaria no futuro. No início, a Terceira Onda foi encarada como uma brincadeira, mas as notas dos alunos dependiam da participação na atividade. O professor Jones era o líder ideal para aquele tipo de atividade - incentivador e carismático, era o professor mais popular da escola. Os alunos confiavam nele, não era a primeira vez que participavam de um experimento. A metodologia de Cubberly incentivava os alunos àquela espécie de atividade. Lá, a experimentação e criatividade eram muito valorizadas. Cubberly era cotada como uma das melhores escolas secundárias do país. O movimento hippie e a contracultura ainda eram uma novidade bem distante; então, os alunos eram em sua maioria bem comportados e estudiosos.
Cartaz do filme Die Welle (2008), de Dennis Gansel
Na segunda-feira, primeiro dia do experimento, o professor Jones falou ao seus alunos sobre a disciplina, uma das características que marcaram o período da Alemanha nazista. Falou sobre a beleza da disciplina, e como pode ser benéfica para a comunidade. Para pôr a teoria em prática, ensinou uma nova postura para os estudantes. Trabalhou intensamente a ideia da disciplina com eles, apontava cada erro em seu andar, em sua postura. Também fez um exercício em que a fala era mostrada como um desserviço, estimulando o silêncio e a obediência. Em pouco tempo, Jones percebeu o quão manipuláveis os seus alunos eram, e o quanto estavam seduzidos pelas ideias discutidas e executadas até ali. Pareciam desejosos da uniformidade que a disciplina podia oferecer. Em uma das ações, Jones decidiu que a partir dali todos deveriam chamá-lo de 'senhor Jones', para responder ou fazer qualquer pergunta. Ao mesmo tempo, os alunos treinavam as técnicas apresentadas exaustivamente, até atingir um modelo polido de pontualidade e respeito.
Jones não demorou a notar que em pouco tempo o ambiente da classe havia se transformado totalmente. Agora, os alunos perguntavam - e respondiam - muito mais. Eram mais participativos e interessados. As aulas rendiam mais, porque a qualidade das discussões aumentara consideravelmente. Sendo assim, pelo nível das perguntas e respostas; a grande maioria passou a se sentir reconhecida, as relações entre os colegas de classe melhoraram. Alguns que antes nunca falavam, agora estavam falando. Portanto, estava ocorrendo um processo misterioso na sala naquele momento. O professor estava confuso e perplexo. Como que agora, sob um ambiente autoritário e de rígida disciplina, os alunos podiam dar o melhor de si mesmos? A aprendizagem parecia ter melhorado anos-luz. Será que era disso que eles sempre tinham precisado? Parecia que o ineditismo da experiência ainda não dava abertura às respostas.
"Die Welle" (2008), de Dennis Gansel
Tudo acontecia muito rapidamente, e Jones notou que os alunos se adaptavam muito bem e pareciam gostar das novas regras. Estavam definitivamente empolgados com o experimento. Na terça-feira, segundo dia do exercício, o professor Jones palestrou sobre a comunidade e a força que podiam ter através dela. Os alunos passaram a se sentir pertencentes à mesma raiz. Nascia assim um estranhíssimo sentimento de nacionalismo, como se todos pertencessem à mesma pátria. A força da comunidade ensinava que juntos eles eram mais fortes, que podiam ter um propósito em comum. Jones estava embasbacado com a forma como os alunos reagiam como cordeirinhos, obedecendo às ordens do pastor - que era ele. Se perguntava porque raios eles reagiam daquela forma tão submissa. Estava em dúvida entre parar ou continuar o experimento. Não sabia até onde aquilo ia chegar. O professor Jones criou uma saudação para os alunos da classe, que chamou de 'terceira onda' - porque a mão parecia uma onda para cima de novo. A ideia de 'terceira' veio da tradição da praia, em que as ondas viajam nas correntes, e a terceira onda, além de ser a última, é a maior de cada série. Logo, ele observou que todos faziam a saudação; passeava pelos corredores da escola e via os alunos fazendo a saudação; na biblioteca, na academia. Todos ao mesmo tempo.
Não demorou para que a experiência chamasse atenção dos outros. Vários alunos foram perguntar ao professor se podiam participar. Na quarta-feira, o professor decidiu emitir cartões de adesão a todos que queriam continuar no experimento. Vários alunos haviam trocado de classe para poder participar da Terceira Onda. Em um certo momento, Jones escolheu alguns alunos para vigiar os restantes e fazer um relatório sobre todos aqueles que não obedeciam às regras, numa clara referência a Gestapo da época de Hitler. Jones agora falava sobre a força através da ação, e como a disciplina e a comunidade seriam inúteis sem ação. Da crença na família e no coletivo. Da lealdade e da valorização do trabalho. Agora, os alunos lhe diziam como estavam se sentindo felizes, completos, verdadeiramente realizados. Para seu espanto, percebeu que o rendimento dos alunos só aumentava, e que os deveres de casa estavam completos, bem realizados. Se aproveitando da situação, Jones incumbiu cada aluno de uma tarefa diferente, em prol da Terceira Onda. A essa altura do campeonato, o dito 'experimento' já estava totalmente fora de controle, passara a contagiar a escola inteira e de forma positiva. Jones notou que para alguns alunos, nomeadamente os mais frágeis e volúveis, a Terceira Onda se tornara a sua razão de viver. Se dedicavam completamente àquilo, de corpo e alma. Os que eram mais solitários e introspectivos passaram justamente a ser os mais devotados e apaixonados. Não à toa, o professor Jones ganhou até um guarda-costas, que o seguia todos os dias, para todos os lugares. Pode parecer esquisito, e era. Mas era mais uma forma de tornar a experiência o mais parecida possível com o ambiente da Alemanha nazista, e o professor Jones era o seu führer.
"Die Welle" (2008), de Dennis Gansel
Na quinta-feira, Jones já estava vivendo num caos. Se sentia mal por ter manipulado os alunos daquela forma, e não entendia como eles haviam se deixado influenciar tanto. Estava vivendo a linha tênue entre a fantasia e a realidade; odiava ter de representar o seu papel de ditador, mas flertava com a aparente sensação de poder; tentava resgatar os seus princípios racionais. Jones estava preocupado com o destino do experimento, sabia que estava fora de controle, mas tinha medo de interrompê-lo bruscamente. Mas preferiu se arriscar e ir até o fim. Não podia expor os alunos, que praticamente dependiam daquilo para viver. Seria devastador e humilhante para o 'diretório' da Terceira Onda que ela acabasse de uma forma banal e cômica. Sendo assim, Jones passou a planejar um fim para a farsa, armava um grande circo, para servir como pano de fundo do ato final.
Na sexta-feira, último dia do experimento, o auditório estava abarrotado de estudantes ansiosos por uma suposta conferência para o fictício 'Programa de Juventude Nacional da Terceira Onda'. Em um dado momento, o professor Jones descortinou a farsa da Terceira Onda, contou aos garotos que foram usados, manipulados. Ninguém ousava falar nada, nenhum barulho sequer era escutado. Então, Jones ligou um projetor de tela que mostrava os grandiosos desfiles do Terceiro Reich em Nuremberga, o reino da arrogância, da superioridade, do terror. A monstruosidade dos campos de concentração. Era demais para eles, estavam chocados, perplexos com tudo aquilo. De repente, o filme terminou num frame com o seguinte dizer: "Todo mundo tem que aceitar a culpa, ninguém pode alegar que não participou de alguma forma." Jones se sentiu muito mal, os alunos estavam sem nenhuma reação. Então, ele começou a explicação, a passar a lição de todo aquele horror.
"Die Welle" (2008), de Dennis Gansel
"[...] Esta é a lição final a ser experimentada. Esta última lição é talvez a de maior importância. Esta lição foi a pergunta que começou nosso mergulho no estudo da vida do nazismo. Lembram-se da pergunta? Ela causa uma confusão no povo alemão que reivindica ignorantemente o não envolvimento no movimento nazista. Se eu me lembro, a pergunta foi algo como, 'Como o cobrador de impostos, o soldado alemão, o professor, o motorista da estrada de ferro, a enfermeira... o cidadão médio, puderam dizer que ao fim do Terceiro Reich não sabiam nada do que estava acontecendo?'; Como pode um povo ser parte de algo e depois reclamar no final que eles não estavam realmente envolvidos?'; 'O que leva as pessoas a sair em branco de sua própria história?'; Nos próximos minutos, e talvez anos, você terá a oportunidade de responder a essa pergunta."
"Die Welle" (2008), Dennis Gansel
Ninguém falou nada, ninguém respondeu nada, ninguém ousou questionar nada. Saíram quietos - muitos choravam, pareciam traumatizados. E a profecia do professor Jones se cumpriu: nos anos que se seguiram, nenhum estudante assumiu ter participado da Terceira Onda. Aquilo fazia parte do seu currículo escolar, era a sua matéria em questão, que seria debatida normalmente depois. Mas, no fundo, os alunos se sentiram envergonhados dos seus atos. O acontecido morreria ali, para anos depois se tornar uma famosíssima lenda urbana. Alguns estudantes - aqueles mais devotados à Terceira Onda - tiveram dificuldade em retornar às suas atividades normais, mas a grande maioria continuou sua rotina normalmente. O silêncio dos alunos fomentou a curiosidade geral e os mitos em torno do assunto, durante anos, o que só fez aumentar a lenda da Terceira Onda. Para se ter um exemplo, ao contrário do que muitos podem pensar os alunos jamais portaram armas de fogo na Terceira Onda. Também não houve anti-semitismo e racismo entre os alunos e a comunidade.
A história foi contada 'oficialmente', pela primeira vez, pelo próprio professor Ron Jones, com a publicação do conto chamado A Terceira Onda (The Third Wave), em 1976. Em 1981, o diretor Norman Lear dirigiu um filme para a televisão chamado A Onda (The Wave), baseado no conto escrito pelo professor Jones. Naquele mesmo ano, foi publicado o best-seller mundial A Onda (The Wave), do escritor juvenil Todd Strasser, inspirado no filme homônimo de Norman Lear. O livro de Strasser foi traduzido para diversas línguas, milhões de cópias foram produzidas desde a sua publicação, e chegou a ser adotado em muitas escolas. Em 2008, o diretor alemão Dennis Gansel estreou o seu excelente filme A Onda (Die Welle); baseado no livro de Strasser e premiado em inúmeros festivais. O filme, que transporta a história da Terceira Onda para uma escola secundária alemã nos dias atuais, fez um retumbante sucesso na Europa, atualizando a história original com elementos contemporâneos.
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