Foto: Divulgação
"A Negra", de Tarsila do AmaralSegundo o discurso ensinado na escola, o modernismo brasileiro foi um movimento marcado pela Semana de Arte Moderna, que ocorreu em São Paulo, em 1922. Propunha a abolição da tradição e a criação de uma arte original, visceralmente brasileira. Fazia parte dessa filosofia voltar às origens, valorizando o indígena e a linguagem falada pelo povo. Os artistas ditos modernos chamavam para si a responsabilidade de construir uma identidade nacional.Não se pode dizer que a definição esteja errada, mas o fato é que ela mais estereotipa do que representa todas as riquezas e contradições inerentes ao modernismo brasileiro. Para apresentar facetas pouco exploradas do movimento e questionar mitos a respeito dele, o Museu de Arte Contemporânea apresenta a mostra "Modernismos no Brasil". São 150 obras do acervo que propõem um olhar mais amplo e integral. Há contraponto também com obras internacionais de nomes como Pablo Picasso (1881-1973) e Paul Klee (1879-1940), mostrando influências e paralelos formais com os quais o modernismo flertou.Em primeiro lugar, não se pode restringir o movimento a São Paulo, como prega a visão tradicional do livro "De Anita ao Museu" (1974), de Paulo Mendes de Almeida, que ainda é referência no assunto. Na exposição, há obras de Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), artista recifense ligado a temas da religiosidade, e de Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), carioca, que retratou paisagens e festividades brasileiras. Ambos, vale frisar, participaram e semearam, em suas terras, as concepções e a filosofia do modernismo.
Filosofia, aliás, que nem sempre foi radical na prática. "O modernismo se propunha a romper fronteiras, mas o fato é que 99% dos artistas ainda se atinham aos suportes tradicionais como a pintura, o desenho e a escultura", diz Tadeu Chiarelli, curador da mostra. O que Chiarelli quer dizer é que os padrões das belas-artes, com poucas exceções, foram respeitados. Inclusive, pode-se ver nas produções modernistas as tradicionais alegorias, retratos, paisagens e naturezas-mortas.
Foto: Divulgação
"A Boba", de Anita Malfatti
Outra questão levantada é a diversidade das obras. A série de nove desenhos "Minha Mãe Morrendo" (1947), de Flávio de Carvalho (1899-1973), por exemplo, exibe um caráter performático ao escancarar o processo do ato de desenhar. É uma proposição diametralmente oposta à arte de Tarsila do Amaral, que tanto em "A Negra" (1923) como em outras obras, apresenta a criação, sem vislumbres do processo de produção. Apesar de serem suportes diferentes, o que teoricamente tornaria complicada uma comparação, o fato é que os dois artistas põem em jogo questões diversas, independentemente de participarem do mesmo movimento.
Da mesma forma, a exposição mostra a diversidade do trabalho de Di Cavalcanti (1897-1976), exibindo desenhos que passam longe do estereótipo de pintor de trabalhadores e minorias. Traços eróticos e surrealistas, movidos a impulsos motores, trazem uma perspectiva mais livre e experimental de seus desenhos. Essa liberdade formal também pode ser vista nas obras de Geraldo de Barros (1923-1998). Ao lado delas, na mostra, estão os trabalhos de Paul Klee, de quem Barros buscou referências de desenho infantil.
Apesar de se concentrar na questão da diversidade e dos mitos do movimento, "Modernismos no Brasil" traz um pouco da produção que, de fato, rompeu as fronteiras na arte. A obra "Plano em Superfícies Moduladas nº 2" (1956), de Lygia Clark, por exemplo, questiona os limites da tela ao extrapolar a própria moldura. É, aliás, uma das primeiras obras com a qual o visitante se depara ao entrar na exposição. O rompimento está ali. No resto da mostra, no entanto, ela vai ceder espaço para propostas muito mais conservadoras.
Modernismos no Brasil - Museu de Arte Contemporânea (Parque do Ibirapuera, Pavilhão Ciccillo Matarazzo, 3º piso). De terça a domingo, das 10h às 18h. Grátis. Classificação livre. Até 29/01
Fonte:IG
Nenhum comentário:
Postar um comentário