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quarta-feira, 30 de março de 2011

"A gente não morre. Fica encantado." Guimarães Rosa

Noite estrelada- Van Gogh

Em 1963, João Guimarães Rosa era eleito para a Academia Brasileira de Letras. Contudo, recusou-se a tomar posse, pois pressentia que, se o fizesse, iria morrer. Premonição? Acaso? Nunca saberemos. Pelo menos nesta vida. Em 16 de novembro de 1967 aceitou, finalmente, assumir a sua cadeira na Academia. Em seu discurso de posse disse: “A gente não morre. Fica encantado.” Três dias depois, em 19 de novembro de 1967, teve um enfarto fulminante, vindo a falecer. O médico, o embaixador, o escritor que revolucionou a literatura brasileira, se encantou.

Seu livro mais conhecido, e com certeza o mais importante, faz 50 anos: “Grande Sertão: Veredas”.

Nele encontramos inúmeras passagens onde a transcendência, que aflorava na alma do homem Guimarães Rosa é frequentemente exaltada.

O diabo, figuração do mal, recebe quase uma centena de nomes, na contagem feita pelo nosso confrade, Marco Aurélio Baggio, e confirmada pelo outro confrade, José de Souza Andrade Filho, no livro do primeiro, com prefácio do segundo: “Um abreviado do Grande Sertão: Veredas”.

Mas a relação vida e morte está presente em todo o texto de Guimarães Rosa. “Viver é muito perigoso!” afirma pela boca de Riobaldo em algumas dezenas de vezes que não cheguei a contar. Viver é realmente muito perigoso. Talvez porque, como ele também afirmava, “A morte de cada um já está em edital”. Não diz se é com hora e data marcadas, mas com a certeza de que acontecerá. Não há vida sem morte. Nem mesmo com a decantada imortalidade acadêmica…

Contudo, a morte tem hora marcada. Não na cronologia dos calendários, mas na realidade dessa relação inseparável: vida e morte. Morto não morre. A vida é indispensável para o morrer. Ora, vivo já não estou ontem. Para o ontem, já morri. E o amanhã, ainda não veio, portanto, nele ainda não vivo. Só agora, no tempo presente, vivo realmente. Portanto, agora é a única hora em que posso morrer, pois é a única hora em que vivo estou. Por isso mesmo, “viver é muito perigoso!” Cada instante em que vivo, pode ser o instante da minha morte. Daí a imperiosa necessidade de valorizá-lo plenamente.


Baggio destaca o necessário para se viver, no pensamento de Riobaldo – Guimarães Rosa – o necessário para atravessar o rio da vida, como ele diz: “a coragem, a alegria, o amor, a reza, o fazer, o contar, enfim o viver”. Para viver, é preciso viver. É preciso coragem para levantar em cada amanhecer. É preciso alegria para descobrir o sol, mesmo que as nuvens o estejam ocultando. É preciso o amor, caminho de duas vias onde só se ama quando se é amado. E só se ama quando se entrega confiante nas mãos do amado, da amada. A reza é necessária, pois é o ato de humildade que nos aproxima de Deus. E sem a humildade só existe a soberba, com a soberba não existe vida em plenitude. É preciso fazer, pois quem faz escreve a sua história e não deixa para os outros essa tarefa que é somente sua. É preciso contar, pois contando compartilhamos a vida e a vida só existe se compartilhada. O homem não foi feito para ser só e a solidão somente acaba quando podemos compartilhar o que fazemos e o que sentimos. Para viver, repetimos, é realmente necessário viver. Na plenitude do que isso significa. Afinal, há os que estão vivos – mortos. Vegetam. Passam pela vida sem a ter vivido, e por isso estão permanentemente mortos. Para esses, a morte é banal. São os jagunços de ontem, os pistoleiros de hoje. Dizia Riobaldo em sua iniciação: “Eu tinha de obedecer a ele, fazer o que mandasse. Mandava matar. Meu querer não correspondia ali, por conta nenhuma. Eu nem conhecia aqueles inimigos, tinha raiva nenhuma deles”. Mas matava, pois a vida era nada.

O tempo passa, algumas coisas vão pela maturação. Na intemporalidade do Grande Sertão, símbolo da existência, existem veredas. Veredas, que são caminho estreito, locais férteis para plantar e colher, onde os buritis crescem e se tornam marcos de vida. Veredas, oásis que preservam a vida, que ensinam para a vida.

Pelas veredas em que Riobaldo passa, sementes vão sendo plantadas, uma vida vai sendo construída. Entre balas e sangue, entre silêncio e prosa, entre lutas e repouso. Os olhos verdes de Diadorim iluminam o seu caminho, mesmo na ambiguidade conflitante de seus sentimentos. Diadorim homem, Diadorim mulher, revelação e libertação, que só a morte, no final lhe traz.


E Riobaldo descobre a impermanência: “Tempo é a vida da morte: imperfeição” A morte necessita do tempo para acontecer. Sem o tempo, a morte morre. A eternidade é o não tempo e nela a morte não existe. É a vida eterna. Aqui é o espaço, é o tempo. É a imperfeição. Onde existe o espaço e o tempo, nada é perfeito. Tudo começa, tudo acaba. É a impermanência permeando tudo. Só após a morte, tudo permanece. É a perfeição.

E Riobaldo descobre Deus: “Como não ter Deus? Com Deus existindo, tudo dá esperança: sempre um milagre é possível o mundo se resolve. Mas, se não tem Deus, há-de a gente perdidos no vai-vem, e a vida é burra. É o aberto perigo das grandes e pequenas horas, não se podendo facilitar – é todos contra os acasos. Tendo Deus, é menos grave se descuidar um pouquinho, pois, no fim dá certo. Mas, se não tem Deus, então a gente não tem licença de coisa nenhuma!”

E mais à frente, afirma: “Mas eu hoje em dia acho que Deus é alegria e coragem – que Ele é bondade adiante, quero dizer.”

Descobrindo Deus, descobre o perdão, essencial a uma vida de paz interior: E o faz pelo ensinamento de Zé Bebelo: “Que a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que se autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente; o que isso era falta de soberania, e farta bobice, e fato é”.

Aprende que não se deve deixar que os outros escrevam a sua história. Somente a ele cabe fazê-lo.

Pelo Grande Sertão, que é a existência, Guimarães Rosa, por seus personagens vai trilhando a Vereda, também caminho estreito – afinal, estreita é a porta anunciada para o Paraíso – faz dela a orientação de sua vida e, poucos dias antes de se encantar, revela aquilo em que cria:

“A gente não morre. Fica encantado”.

Evaldo A. D´Assumpção

(*) – Texto apresentado no Encontro Médico Literário Nacional com Guimarães Rosa, em Cordisburgo, MG, de 13 a 16 de julho de 2006. Promovido pela SOBRAMES – Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, regional MG com o apoio da Academia Mineira de Medicina.

16 comentários:

Eduardo disse...

Aline, post com Guimarães Rosa eu não consigo deixar de comentar. O blog esta cada dia melhor. Esta Semana Roseana que acontece todos os anos em Cordisburgo é algo singelo e maravilhoso, como o nosso querido João que nasceu nesta cidade do coração!
Um abraço!

Aline Carla Rodrigues disse...

Muito obrigada Eduardo, o nosso encantado continua a encantar milhares e nós a apreciarmos sua literatura. Valeu! Grande abraço.

Guilherme Romer,8ºano,801 disse...

Aline, lembra da matéria sobre fontes D`agua que eu te prometi? bom eu já estou com ela!=Dbom,vou disponibilisar a matéria neste link: http://www.4shared.com/document/FNYy7dK2/Fontes_De_gua_No_escarte_.html ,espero que goste! =]
ass:Gui Romer,8ºano,801.
obs:.eu postei a matéria em um site chamado 4shared,e postei no word.

Aline Carla Rodrigues disse...

Muito obrigada pela matéria Guilherme e um grande abraço.

Igor-901 disse...

Oi Aline!
O texto é ótimo!
Nos faz refletir sobre nossas vidas,
que não devemos deixar que a pessoas vivam por nós,que nós devemos trilhar nosso próprio caminho.
(A vida é um sertão mas somos nós que trilhamos as nossas veredas, mas seguindo sempre o caminho de Deus),afinal junto Dele viveremos a eternidade.

Um abraço Aline!
Fica com Deus e até terça.

Aline Carla Rodrigues disse...

Valeu Igor!!! Que o nosso sertão seja apenas a escola da vida. Bjs.

Anônimo disse...

É um texto que nos faz pensar se ralmente estamos vivendo ou passando pela vida.Temos que aproveitar cada momento, afinal, para morrer basta estar vivo. E não devemos nos arrepender de nada e seguir nosso caminho ao invéz de deixar que outros nos impessam.

Beijos, Yasmin

Aline Carla Rodrigues disse...

Obrigada Yasmin por seu comentário!!!
A vida é como um sopro, resta a nós termos sabedoria para vivê-la, pois como dizia nosso amigo Guimarães Rosa, viver é muito difícil!!!
Bjs.

Unknown disse...

Aline gostei,achei maneiro...
O texto ensina muitas coisas para vc aprender na vida...

Aline Carla Rodrigues disse...

Eu gostei imensamente da sua participação Edu. Grande abraço.

Layanne Kare disse...

nossa, gostei demais desse texto Aline!

Realmente ele nos faz refletir sobre a vida, de que forma nós devemos vivê-la.

Parabéns pelo seu blog, que Deus continue te abençoando e te dando cada dia mais força!
Abração, Layanne ♥

Aline Carla Rodrigues disse...

Este texto é realmente filosófico!!!
Obrigada por sua participação!!! Você é um lindo presente de Deus!!!
Participe sempre, mande sugestões, críticas. Seja sempre bem-vinda ao TRIBARTE.Grande abraço.

Anônimo disse...

O texto faz refletir sobre a vida, se realmente estamos vivendo de verdade ou se apenas estamos deixando ela nos levar e não fazendo valer apena o verdadeiro significado.
entao devemos viver.

Abraços Yan.

Aline Carla Rodrigues disse...

Obrigada pelo seu comentário Yan. Beijos.

Júlio disse...

Que texto lindo e necessário!

Aline Carla Rodrigues disse...

Concordo, meu amigo!
Extremamente necessário.

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