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domingo, 19 de agosto de 2012

Carta ao Mestre



Querido mestre,

Espero que o senhor esteja bem, lendo os seus livros e jornais. Escrevo para comentar sobre as suas aulas, na época eu era adolescente, boa aluna, mas fui tão boa aluna que guardei as suas aulas até hoje, na meia idade.

Lembra quando o senhor disse que éramos iguais a leite, pasteurizados? O senhor nos disse que todos nos vestíamos com jeans, iguais, que deveríamos ser diferentes. O senhor disse que deveríamos ser autênticos e usarmos todos os tecidos e todas as roupas. Ah! Foi difícil, mas segui os seus conselhos. O senhor de terno e gravata todos os dias querendo que nós fôssemos autênticos, não fôssemos reacionários como o senhor. Que falássemos com jornalistas, esses seres que além de lerem, passam os dias descobrindo o que possa nos interessar. Realmente, eles são geniais.

Mas o senhor provocou mais; o senhor disse para descobrirmos se a notícia era tendenciosa ou não, que soubéssemos dos patrocinadores, dos interesses econômicos. Ah, professor, éramos quase crianças! Estudioso naquela época foi o senhor. Mas aprendi a ver mais do que queria, a ler mais a condução das ideias nas entrelinhas. E a condução das ideias realmente pode nos levar a conclusões errôneas, talvez pior do que se fossem erradas, porque o que está errado tem como se corrigir através das erratas de rodapé, mas as errôneas nos induzem a acreditarmos em fatos que não são verdadeiros.

O senhor era a favor da criatividade, que resolvêssemos os nossos problemas seguindo os nossos padrões, que nem por isso desrespeitaríamos a ética, a qual deveríamos conviver em consonância, como parte da conduta diária. O senhor era “prafrentex” (gíria dos anos 70). Mas era avançado em teoria, na prática o senhor era conservador pelo que pudemos constatar nas provas bimestrais. Devo admitir que as suas ideias contaminassem a mim, aos colegas e à escola. Íamos quase todos, é verdade, para escutá-lo. Depois vinham as gozações escolares, aquelas que talvez o senhor nem tenha sabido, ou, não tenha ligado.

O senhor teve a ousadia de criticar outra escola, a que ensinava a malícia entre os colegas além de exigir um comportamento de estudo e excelência durante os dias da semana. Lembro-me que o senhor dizia que toda a energia reprimida durante a semana iria acabar mal nos finais de semana. O senhor estava certo, eles extravasaram em excesso e os colegas que encontro estão bem, se levarmos em consideração àqueles que se conheceram daquela escola com a qual rivalizamos. A nós era permitido fazer a bagunça organizada na hora do recreio, supervisionado e bem humorado. Concluo que a direção era conivente com a sua filosofia. Extravasamos menos aos finais de semana, mas valeu o ensino contra os preconceitos.

Sabe professor, não é à toa esta análise. Hoje me lembrei de um amigo de infância que morreu com onze anos de idade. As crianças pouco brincavam com ele porque ele tinha um irmão excepcional, as famílias não queriam presenciar o fato pronto e acabado do retardamento mental, modo bastante estúpido de se dizer, mas comumente dito, infelizmente. Ele brincava sozinho na rua e não viu quando o carro veio. Não era tão criança, no nosso pensamento, afinal, com onze anos íamos a pé até a escola. Naquele tempo o trânsito não era perigoso como é hoje e tínhamos a nossa pequena responsabilidade de chegar no horário por nossa conta. Não havia moleques nas ruas e não tínhamos medo de usar o tênis conga azul marinho, obrigatório, nas aulas de educação física.

Na nossa escola havia crianças excepcionais e se sentavam nas carteiras como iguais, um deles concluiu o ensino básico igual aos outros. ÀS VEZES REFLITO SE A ESCOLA PEQUENA NÃO OFERECE MAIS OPORTUNIDADES DE APRENDIZADO, É NESSE PEQUENO MUNDO QUE AS TRANSFORMAÇÕES SÃO POSSÍVEIS. Escolas grandes são vulneráveis aos interesses, escolas pequenas amam mais devido à proximidade entre alunos e professores. Talvez esteja equivocada, mas hoje eu não ficaria bem se não conversasse com o senhor aguardando desde já a sua contestação e discussão sobre o tema.

Grata pela leitura, Yayá.

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