Irrefreável – sobre o amor
Renata Roel, Fernando de Proença e Tuca Kawai
Os textos também falam, gritam, ou murmuram[4]. Escrita não quer dizer simplesmente uma forma de manifestação da palavra. Quer dizer uma ideia da própria palavra e de sua potência intrínseca[5]. Uma publicação pode ser a reunião de afetos, a materialização deles, a tentativa de guardar ideias que nascem sem a palavra riscada, mas que no entanto se risca, buscando (talvez?) síntese e visualidade. Uma publicação pode ser várias, distribuída em diferentes texturas, tamanhos, materiais. Ela pode ser, inclusive, um jogo, que precisa de mim. Eu, que sou convocado a não-só-ver, mas também agir. Não se pode pensar sem palavras, disseram. Mas isso não significa que todas elas sempre estejam presentes durante todo o tempo. Talvez grande parte das nossas ideias se deem com palavras provisórias, prontas para serem trocadas, substituídas, deslocadas. Porque o corpo pode as guardar, esconder, tomar para si. E revelar, com temporalidades alheias ao externo.
Irrefreável é talvez a possibilidade de reunir, re-reunir coisas, com um vetor apontado para o infindável. A ação de Renata Roel, Fernando de Proença e Tuca Kawai é inteira um convite. E só, e tudo, e muito: um convite. O programa performativo, para além de todo o trabalho anterior ao momento da exposição, é esse: convidar quem está aqui para reunir palavras e distribuí-las pelo espaço, não por acaso, compartilhado. As palavras estão ao alcance, primeiro dos olhos, e depois das mãos. Irrefreável é também quantidade? Se eu procuro demais, eu me perco? Se organizo com aleatoriedade, eu faço sentido? Eu faço? Quando na estética relacional se prima pelo convite, pela possibilidade de interação: como é o convite? Se se fala sobre palavras, a infinidade delas, de encadeamento e sistematização, quais delas, exatamente, são escolhidas para se fazer a apresentação – para se permitir o manuseio de outras tantas? É o amor tema irrefreável? Qual amor?
É aqui, onde chego: a abertura, a autonomia, me revelam importantes questões acerca do que posso fazer, sem representação; no entanto, a infinidade não me permite giros conceituais e/ou de subjetividades-outras. Eu (eu) viro um papel rasgado, cortado, que se gruda na parede com um pedaço de fita adesiva, talvez perto de outros papéis parecidos. Em mim está escrito o que você pode ler. “E se”, estava escrito. E se me fosse sugerido, de algum modo, de qual amor, de qual terreno, de qual contexto, estamos falando? Isso é necessário? E se me fosse permitido experimentar as possibilidades de enunciados mais claros? E se o estímulo fosse uma provocação? “E se” vagueia por um lugar onde não estamos e, por isso, é tão injusto quanto possível.
É uma chave de leitura, uma via acesso, a própria concretude que Irrefreável pode ter. “E se” é “Será”. “E se” e “Será” são a própria performance. Convite. Necessidade de outro. Possibilidade de “nada/tudo” acontecer. No fundo da cabeça me ficou uma pergunta: O que será de nós todos logo mais se não dilatarmos nossos corações ao infinito?[6].
[4] AGUILAR, Gonzalo. CÁMARA, Mario. A máquina performática. Rio de Janeiro: Rocco, 2017, p.11
[5] RANCIÈRE, Jacques. O inconsciente estético. São Paulo: Editora 34, 2009, p. 34.
[6] Hilda Hilst, em frase de destaque na exposição Ocupação Hilda Hilst, no Itaú Cultural, em 2015.
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