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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Outras Palavras publica os “Ensaios sobre a Arrogância”



Em 2013, colóquio internacional na UFMG debateu esta expressão do individualismo contemporâneo, intensificada no contexto neoliberal. Dez textos tentam compreendê-la

Por Claudine Haroche, Myriam Bahia Lopes e Yves Déloye* | Imagem: Anne Deon

A partir dos últimos trinta anos assistimos a uma valorização da arrogância que reveste diferentes formas de relações humanas e produz efeitos devastadores. A arrogância é um termo que cresceu com o individualismo contemporâneo, com aquilo que denominamos de narcisismo de sociedades individualistas e, no presente, com o neoliberalismo. As noções de progresso, de acumulação ilimitada e de aceleração emolduram, no capitalismo contemporâneo, processos que se operam também no nível das subjetividades individuais. A arrogância permite articular essas duas dimensões, por estar presente na história e na política e produzir formas de afirmação da desigualdade que variam ao longo do tempo. Ela permite descrever e elucidar atitudes, condutas psicológicas e sociais, participa de relações instáveis de poder, de dominação. A arrogância é um comportamento verbal ou não verbal, físico ou psíquico, exterior ou interior, que descreve o fato de se arrogar “bens” ou “pessoas”. Dar prova de arrogância é afirmar ou melhor reivindicar uma superioridade que, por intermediação do comportamento, de condutas, encoraja o indivíduo a se imbuir de sua pessoa para “se arrogar” uma posição dominante – e de nela se manter – para ir muito além, em uma sociedade de concorrência e de competição.

Preocupados com esse tema inédito, pesquisadores e professores reuniram-se em uma segunda rodada de reflexões, continuando algo que havia sido iniciada na França, no Colóquio Internacional Arrogância*. No Brasil, o encontro ocorreu entre os dias 2 e 4 de setembro de 2013, no auditório da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Os textos que publicamos no Outras Palavras exprimem uma trajetória de dois anos de trabalho sobre o tema. A presente edição em português teve origem nos textos apresentados no Colóquio e que foram retomados para a publicação na web.

Algumas questões

Faz parte da dinâmica da arrogância não levar em consideração a propriedade do outro, não levar em consideração a presença do outro? Nessa direção, a concorrência ilimitada pela visibilidade instantânea em um mercado mundial se objetiva também com a produção de milhões de invisíveis?

Em um mundo sem distâncias, topológico, a arrogância contemporânea estaria vinculada às mutações da percepção e da vivencia do tempo e do espaço? À perda da moldura que ao articular passado, presente e futuro permitia vislumbrar a profundidade do processo, da experiência, da vida?

A imediatez multiplicada pelas tecnologias contemporâneas – o declínio de mediações que inevitavelmente nascem daí – imediatez e instantaneidade fariam violência ao indivíduo na medida em que o afastariam do tempo e da distância necessários ao pensamento? Seríamos conduzidos a repensar a questão do Eu, do sujeito, da subjetividade? Até que ponto?

Seria possível falar de uma estética da arrogância? Uma desvalorização da postura de escuta, de parada, uma retratação do tato, do paladar e da audição e a primazia do olhar? A arrogância se fortaleceria nas formas de desterritorialização, de falta de pertencimento, na ilimitação e na indiferenciação contemporâneas? Visto que o poder na sociedade contemporânea, como reflete Christian Laval, não implica nenhum sacrifício, nenhum dom, nenhum risco. Ele está do lado da predação e da acumulação.

Ou como destaca Serres em sua teoria da propriedade: “Globalizada, a atual poluição resulta da luta pela posse do espaço em sua totalidade” O que coloca, em teoria, a noção de propriedade face a uma aporia, pois a perda de limites, o progresso ilimitado suprime os limites da própria propriedade. (SERRES, M. O mal limpo: Poluir para se apropriar?, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2011, p 90)

Após essa breve introdução, convidamos o leitor a refletir quinzenalmente com os autores Yves Déloye, Stella Bresciani, Jacy Alves Seixas, Teodoro Rennó Assunção, Eugène Enriquez, Hélio Lemos Sôlha, Marion Brehpol, Claudine Haroche e Myriam Bahia Lopes sobre as questões formuladas em seus textos sobre a arrogância.


Claudine Haroche é socióloga, diretora de pesquisa (CNRS) e professora emérita no Centro Edgar Morin da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Paris. Com várias publicações, entre as quais, História da virilidade, século XX, Histoire du visage, A condição sensível – formas e maneiras de sentir no Ocidente, Rio de Janeiro, Contracapa, 2008 e com Nicole Aubert, As tiranias da visibilidade, São Paulo, UNIFESP.

Yves Déloye é professor na Sciences Po (Ciências Políticas) de Bordeaux e diretor de publicação da Revue Française de Science Politique. Publicou em parceria com Claudine Haroche, Sentimentos de Humilhação, Inpress, 2007.


Myriam Bahia Lopes é historiadora e professora na Escola de Arquitetura e Design da UFMG, coordenadora do NEHCIT. Autora de O Rio em movimento, Fiocruz, 2001 e Corpos Inscritos.

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