Dirigido por Isabel Coixet, a trama de a Vida Secreta das Palavras gira em torno do relacionamento entre Hanna e Josef, papéis desempenhados com maestria pelo renomado e econômico ator Tim Robbins e pela, não tão conhecida, mas igualmente brilhante, atriz, Sarah Polley.
Uma sensação de dor, física ou psicológica, permeia todo o filme. Não tem como não se compadecer e sentir junto.
Apesar de sua inegável beleza, todos os elementos deste filme nos induzem a sentimentos de introspecção e desconforto, que contribuem para nos causar empatia pelo tema deste drama, para suscitar uma auto análise em relação a como lidamos com a tristeza do Outro.
Os personagens principais são indivíduos machucados, não apenas fisicamente (Hanna tem problemas de audição e usa um aparelho para surdez e Josef, além de estar temporariamente cego, ainda tem severas queimaduras pelo corpo), mas também psicologicamente.
A locação principal é uma plataforma de petróleo prestes a ser desativada, após um incêndio. A bela fotografia de Jean Claude-Larrie tem lindos planos aéreos, que mostram o contraste entre a árida e inóspita plataforma de petróleo e a imensidão do mar.
A trilha sonora é de grande beleza e melancolia, com destaque para a canção Hope There´s Someone, de Antony and the Johnsons, cuja letra se encaixa perfeitamente na história deste longa. É o seu lamento que ouvimos no belíssimo trailer do filme.
A taciturna Hanna, operária de uma fábrica têxtil, é obrigada por sua chefia a tirar férias, visto que nunca tinha gozado deste direito trabalhista ao longo dos anos em que estava trabalhando lá. Relutantemente, sai de férias e vai para uma cidade litorânea. Sua incapacidade de ficar feliz com a possibilidade de ter um tempo livre para se divertir nos fornece indícios de que ela tem a necessidade de estar ocupada com trabalho. Desde o início, intuímos que ela não é uma pessoa apenas tímida, mas que também existe algum fantasma em seu passado, com o qual não quer se confrontar.
Em um restaurante, ouve um homem ao telefone falando que precisa de uma pessoa para cuidar de um funcionário de uma plataforma de petróleo que sofreu um acidente e que não está em condições de ser transportado para um hospital. Hanna, que já tinha sido enfermeira, se oferece para ir cuidar do acidentado na plataforma.
A trama se desenrola em torno da aproximação entre os dois protagonistas. A dinâmica de cuidador/cuidado é outro fator constante na relação deles. Na maior parte do tempo, é a moça quem atua como enfermeira do ferido. Ela demonstra força e determinação ao demandar que transfiram Josef para um hospital, tornando perceptível que possui uma estrutura psicológica forte.
É somente na parte final do filme, quando o vínculo entre os dois já se havia fortalecido, que ela revela a seu paciente as monstruosidades às quais foi submetida na guerra da Bósnia. (Quando assisti a este filme, estava grávida. Passando mal, tive de sair para o hall do cinema por uns minutos para dar uma arejada, tamanho foi o choque que a história de Hanna me causou.) Fica claro então que Hanna também necessita de cuidados intensos. O acidentado é transferido para um hospital. Ela volta para o seu trabalho regular.
Quando recebe alta, Josef vai atrás de Hanna na saída da fábrica. O diálogo que ocorre entre os dois nesta cena é um verdadeiro ensinamento de vida.
Não, não é uma destas frases batidas de auto ajuda. Pelo contrário! É uma lição de como sair do nosso referencial egocentrado e ir de encontro ao Outro. Trata-se de uma das mais bonitas e fortes formas de altruísmo, exemplo da coragem – e capacidade – que devemos ter quando uma pessoa a quem amamos está em sofrimento.
Permanecer ao lado de uma pessoa que está vivendo uma tristeza profunda é, em geral, um desafio aterrador. Muitas vezes, quando confrontados com o sofrimento alheio, temos o impulso de fugir. Este movimento de afastamento, contudo, não se trata, necessariamente, de uma fraqueza de caráter.
É claro que há pessoas fúteis e egoístas, que não querem se comprometer com os problemas alheios; que consideram seus relacionamentos como uma fonte de prazer somente e, ao menor sinal de dificuldade de seu parceiro, abandonam a relação. Mas não é destes indivíduos narcísicos que estou falando.
Lidar com a tristeza de quem amamos não é uma tarefa tranquila para a maioria das pessoas. Em primeiro lugar, é muito penoso ver pessoas amadas em grande sofrimento. Ainda mais quando esta situação se estende por um longo período; às vezes, à vida toda. É muito difícil, mesmo!
O ser humano tem uma tendência natural defensiva de evitar situações penosas. Algumas vezes, acabamos abandonando quem amamos devido a uma total incapacidade de ver a pessoa sofrer; sem nem, ao menos, nos esforçar para ajudá-la. O que não deixa de ser uma forma de egoísmo também.
Em outras ocasiões, ficamos ao lado da pessoa. Damos todo o nosso apoio. Mas não conseguimos nos manter como polo “saudável” dentro da relação. Acabamos sendo permeados pela tristeza do Outro. Nesses casos, sucumbimos juntos com a pessoa. Fracassamos ao tentar resgatá-la e ainda "adoecemos" junto.
A esse respeito, Nietzsche sabiamente deu o seguinte alerta: cuidado quando olhares muito tempo para dentro de um abismo, porque o abismo pode acabar olhando de dentro de ti.
No reencontro entre os dois, é exatamente este o temor que a enfermeira expressa quando ele diz que quer ficar com ela. Hanna temia que Josef não conseguisse conviver com a imensa dor dela.
Josef: Eu pensei que você e eu pudéssemos ir para algum lugar, juntos, hoje, agora . Vem comigo Hanna!
Hanna : Não, eu não acho que vai ser possível.
Josef : Por que não ?
Hanna: Por que eu acho que se formos embora para algum lugar juntos, eu tenho medo que, um dia, talvez não amanhã, mas algum dia, de repente, eu vou começar a chorar tanto que nada nem ninguém irá me fazer parar, e as lágrimas vão encher o quarto e eu não vou conseguir respirar e vou levar você para baixo comigo e vamos nos afogar.
A mensagem mais forte e bonita que o filme passa ocorre na cena em que Josef reafirma o seu desejo de ficar com Hanna:
Josef: Eu vou aprender a nadar Hanna! Eu juro. Eu aprendo a nadar.
Ao longo do filme, Josef havia contado para a sua enfermeira que não sabia nadar e que já havia quase se afogado. Esta metáfora mostra que ele estaria disposto a ultrapassar obstáculos, para ele antes intransponíveis, com o intuito de ajudar Hanna a superar os seus traumas.
Outro aspecto interessante sobre a personalidade de Josef é que, apesar de ter seus traumas psicológicos, ele era um indivíduo que se predispunha a ajudar aos outros, mesmo que tivesse que colocar seu bem-estar em risco. Foi tentando salvar um funcionário da plataforma, que se lançou propositalmente no incêndio, que Josef havia se ferido seriamente.
Para conseguirmos ajudar o Outro, temos de sair de nossa zona de conforto. Entrar em contato com as nossas próprias limitações e os nossos medos. De nos aventurar em caminhos desconhecidos. Exige empenho e disposição de crescimento.
Por um lado, temos de estabelecer empatia com os sentimentos do Outro, conseguindo perceber o que ele está sentindo. Por outro, não podemos, todavia, deixar que os problemas que o entristecem nos afetem. Devemos ser capazes de ir ao fundo da questão, entender o que está acontecendo, e buscar soluções alternativas, que mostrem caminhos ainda não trilhados.
Muitas vezes, o novo caminho consiste apenas na mera reafirmação de permanência, de mostrarmos disposição de aceitar o Outro como ele é, com suas alegrias, e suas tristezas. Quando estão muito infelizes, é comum que as pessoas tenham medo de que os seus sentimentos negativos acabem prejudicando os outros. Ao reafirmar a sua disposição de auto superação para Hanna, Josef lhe transmite a mensagem de que gosta dela de forma plena, que está disposto a acolher todas as suas angústias. Que é forte o suficiente para lidar com suas características positivas e com as "negativas" também.
Este tipo de atitude pode ser muito reconfortante, pois a pessoa que está infeliz tende a se sentir mais à vontade de ser ela mesma, sem precisar representar uma falsa alegria e, assim, tira um peso extra de seu já pesado fardo.
Certamente, tudo o que está sendo dito parte de um ponto de vista relacional, que considera os dois lados envolvidos no relacionamento. Se a pessoa com dificuldades não quiser ser ajudada, nada do que os outros façam irá fazer ela ficar bem. Em relação à trama aqui comentada, se Hanna não quisesse ser socorrida, de nada adiantaria Josef aprender a nadar. Muito, provavelmente, ela não conseguiria se desprender da âncora de sentimentos ruins, causados pelas atrocidades que sofrera, que paralisava a sua vida.
O filme nos mostra , também, que quando ajudamos o outro, acabamos por nos beneficiarmos de forma dobrada. Em primeiro lugar, a pessoa que amamos fica bem. Tem coisa melhor do que vermos alguém que amamos feliz ?
Em segundo lugar, em geral, acabamos por desenvolver forças e habilidades que são úteis para a nossa própria vida. Como se criássemos novas versões de nós mesmos.
Além disso, não há recompensa maior do que percebermos o nosso poder de cura, de nos sentirmos capazes de "consertar alguém ou alguma coisa que foi quebrada". É só lembrarmos de quando uma planta está quase morrendo, e nós vamos lá e conseguimos reavivá-la. Ou quando curamos um bichinho que estava doente. A sensação é deliciosa.
Por fim, contrariando o que havia dito anteriormente, não é que este artigo acaba falando também "de auto ajuda"!? Como? Ajudando as pessoas que amamos a derrotar os seus monstros - e eliminando alguns dos nossos também - , acabamos por nos sentir como super heróis das nossas vidas!
© obvious: http://obviousmag.org/a_aerodinamica_das_palavras/2016/a-vida-secreta-das-palavras-ou-o-quanto-voce-esta-disposto-a-suportar-a-dor-do-outro.html#ixzz3zOElUKOu
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