Epicuro foi um filósofo grego que viveu de 341 a 271 a. C. Nasceu na colônia ateniense da Ilha de Samos (hoje região litorânea da Turquia) e faleceu em Atenas. Vivenciou o início da Helenização: a expansão da cultura grega, depois do domínio macedônio.
Após o domínio completo da Hélade (o território das polis gregas e de suas colônias) pelo poderio macedônico, Alexandre Magno (ou O Grande) iniciou seu projeto de propagação da cultura grega. Este é o fim da Grécia Clássica, centrada na polis. É o fim da grande filosofia clássica dos sistemas platônico e aristotélico.
Nessa Grécia, a antiga atividade cívica democrata é abolida com a nova ordem monárquica. Alexandre passa a ser o chefe supremo. Na filosofia há uma significante mutação no pensamento: a busca pela sabedoria e a resposta sobre o que é a felicidade se impõem como nunca antes. Os ritos religiosos antigos já não tinham mais crentes e o medo dos deuses era uma perturbação constante.
É um período de pessimismo e de amargura. De vida monótona. De homens expostos aos terrores perante as tiranias, naturais e sobrenaturais. Como conseguir alguma tranquilidade, sem sofrimentos, sem desesperos? Este foi o problema enfrentado por Epicuro.
Para as filosofias que correspondem ao auge da polis, o vínculo entre busca da virtude e busca da felicidade era dado pela política. No sistema aristotélico, por exemplo, o bem viver é possível somente em meio à polis. Agora, em Epicuro, o ideal de felicidade se desconecta do corpo de cidadãos que deve decidir a vida de todos – justamente porque esta decisão escapa aos cidadãos. Então, na época de Epicuro, há certa desafeição pela política. Ao se desconectar a ética da política, a ética passa a ser centrada no próprio indivíduo. A busca da felicidade agora é individual. Hoje isso parece óbvio, mas na época era novidade das mais significativas.
O TAL JARDIM
Epicuro supôs que viver já é um prazer e que portanto para ser boa basta que a vida não seja demasiado perturbada por dores e sofrimentos. A Ágora já não era o local onde os cidadãos equilibravam os humores sociais. É por isto que Epicuro ignora o ideal cívico e o substitui por um ideal afetivo. Agora é o Jardim (na casa de Epicuro em Atenas) o local onde os amigos equilibram os humores da existência. Uma das máximas de Epicuro que diz que todo sofrimento pode ser suportado com serenidade, por exemplo, não transpassa pela "terapia epicurista" sem respaldo dos amigos.
Basta verificar o contexto, mais próximo de nossa realidade, da frase “A quem confiar minha tristeza?”. Ela é epígrafe do conto Angústia, escrito em 1886, pelo russo Anton Tchekhov. No conto, o cocheiro Iona Potapov, guarda uma enorme dor: a recente morte do filho. Em um típico dia de trabalho, desesperadamente tenta desabafar. Mas ninguém se dispõe a escutá-lo. Os clientes o tratam com um cretino rebaixamento. A angústia se deve ao fato de não conseguir dialogar sobre suas perturbações. Quando então observa a multidão e conclui que ninguém lhe dará atenção. No limite do desespero, inicia um diálogo com seu cavalo. No animal refugia seus sentimentos. O autor, em certo sentido, associa o sofrimento de Potapov à ausência de amigos.
É justamente em momentos como o de Potapov que manter a tranquilidade parece impraticável. A filosofia epicurista ensina que as relações de amizade são necessárias à manutenção da lucidez. Epicuro viveu uma crise parecida com a qual vivemos no mundo contemporâneo: uma crise em que identidades consolidadas, estáveis, começam a se dissolver. A lição do Jardim é que para enfrentar as adversidades e ainda se manter feliz é preciso resguardar o prazer de uma vida simples entre amigos.
LEGADO DE EPICURO
Entre os mais notáveis discípulos de Epicuro está o romano Lucrécio, que no século I a.C., expôs a doutrina epicurista no famoso poema De rerum natura (A Natureza) – uma das obras mais importantes da poesia latina. O que sabemos do epicurismo podemos se deve muito ao fato de, no século III, Diógenes Laércio incluir Epicuro em sua obra Vidas dos filósofos ilustres.
Embora haja notícias da filosofia epicurista durante toda Idade Média, só no século XVI se assiste sua retomada em Montaigne, e em Vanini no século XVII. Mais tarde Gassendi, Hobbes, depois Spinoza e Hume renovam Epicuro.
Sua influência se prolonga por intermédio de quase todos os enciclopedistas franceses, até o século XIX, em Bentham e em Stuart Mill, até a base do pensamento materialista de Marx. No século XXI, há ressonâncias suas no humanismo científico, no pensamento jusnaturalista e no pensamento neoliberal.
Fonte: Obvvious.
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