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quinta-feira, 24 de maio de 2012

A misteriosa (e trágica) ilha de Páscoa por Marcelo Gleiser


Poucos lugares despertam tanto fascínio quanto a ilha de Páscoa, com suas gigantescas e sombrias estátuas. Localizada a 3.500 quilômetros da costa do Chile, a ilha é local da mais completa desolação. Nenhuma árvore com mais de três metros pode ser vista em toda a sua superfície. Não existem animais nativos ou pássaros. Somente as enormes cabeças esculpidas em rocha vulcânica, centenas delas, a maioria com ao menos cinco metros de altura, algumas chegando a 20, todas pesando dezenas de toneladas.

O mistério da Ilha da Páscoa já existia quando o primeiro explorador europeu, o holandês Jacob Roggeveen, desembarcou lá em 5 de abril de 1722, durante a Páscoa. Como, perguntou-se Roggeveen após encontrar a pedreira de onde saíram as estátuas, elas foram transportadas e erigidas, se não existe material na ilha para fazê-lo?

Durante quase três séculos, centenas de livros e artigos foram escritos tecendo teorias fantásticas sobre a origem e a função das misteriosas estátuas. Teriam elas sido produzidas por seres extraterrestres usando ferramentas ultramodernas antes de voltarem ao seu planeta, como sugeriu o escritor suíço Erich von Däniken? Ou talvez elas tenham sido feitas por incas ou egípcios que, de algum modo, chegaram até lá no passado, sugeriu o explorador norueguês Thor Heyerdahl, que atravessou oceanos em embarcações primitivas para ilustrar a sua hipótese.
Décadas de investigações por antropólogos e arqueólogos essencialmente resolveram o mistério das gigantescas estátuas. Dois livros publicados recentemente nos EUA, "Os Enigmas da Ilha da Páscoa", de John Flenley e Paul Bahn, e "Entre os Gigantes de Pedra", de Jo Anne Van Tilburg, contam uma história talvez não tão fascinante como a dos incas ou alienígenas, mas muito mais importante para a nossa sobrevivência.

Entre 1914 e 1915, a arqueóloga Katherine Routledge visitou a ilha, obtendo relatos dos descendentes das tribos polinésias que chegaram lá em torno do ano 900 d.C. Várias ferramentas usadas para esculpir as estátuas foram encontradas na região de Rano Raraku, uma cratera. A ilha chegou a ter uma população de 15 mil pessoas, em 11 tribos. Os chefes competiam entre si, erigindo as estátuas como símbolo de seu poder. Quanto maior, melhor. Na Idade Média, cidades faziam o mesmo com suas catedrais.

E como as estátuas foram transportadas e erigidas? Como nenhum europeu viu isso acontecer, o que se pode fazer é construir uma explicação consistente com os achados científicos. Pedras gigantescas foram transportadas por várias outras civilizações, em geral apoiadas sobre grades feitas de madeira e puxadas por cordas, como um trenó. Mas como, se não existem árvores na ilha?

Não existem agora, mas certamente existiram no passado. Flenley, usando técnicas que permitem identificar o pólen e restos carbonizados de plantas extintas, provou que, antes da chegada dos humanos, a ilha continha uma floresta subtropical rica em árvores enormes, incluindo uma palmeira gigante encontrada no Chile, que chega a ter 30 metros de altura. Todas elas foram sistematicamente derrubadas para serem usadas nas grades de transporte e em grandes canoas para a pesca de atum, golfinho e outros animais transoceânicos.

Estudos de ossos encontrados pela ilha mostram que, no passado, existiam 6 espécies de aves nativas e 25 de aves marinhas. Todos essas aves desapareceram. Foi possível também reconstruir como a alimentação dos nativos variou durante os séculos. Ossos de atum e golfinho, abundantes durante os primeiros séculos, desapareceram em torno de 1600: com todas as árvores derrubadas, não era mais possível construir canoas transoceânicas. Os nativos passaram a devorar sistematicamente os animais da ilha. Quando acabaram, ou quase (sobraram principalmente ratos), eles passaram a devorar a si próprios: em torno de 1700, a ilha entrou em uma era de canibalismo.

O homem é um predador ineficiente, imediatista, que tende a não calcular o quanto pode consumir antes de se autodestruir. O atum, o salmão e o bacalhau estão ameaçados. Florestas inteiras são derrubadas diariamente. A poluição continua crescendo. Talvez todos devêssemos fazer uma visita, real ou imaginária, à ilha da Páscoa, e aprender com sua trágica história, antes que só restem nossas estátuas e monumentos.

2 comentários:

João Felipe disse...

legal
são enormes

fiz uma releitura do vendedor de frutas
ta no meu blogt

vai la pra ver
um beijo

Aline Carla Rodrigues disse...

Parabéns por sua releitura João. Beijos.

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