Quem escreve crônica tem que ler crônica. Este é meu exercício permanente. Nos últimos dias tenho me divertido um bocado lendo textos de Clarice Lispector. Não entendeu? Disse ‘me divertido’, isso mesmo. Ganhei de presente “A descoberta do mundo” e estou me deleitando com as crônicas que Clarice escreveu para o Jornal do Brasil entre 1967 e 1973. Claro que ela não foge às suas angústias nem mesmo nas narrativas cotidianas, mas há, sim, como encontrar humor em seus textos.
Certos leitores que acompanham a produção dos cronistas atuais podem não compreender muito bem o universo e questionar a temática normalmente utilizada neste estilo jornalístico/literário. Porém, quem se arriscar a um passeio pelas páginas dos nossos maiores cronistas (minha opinião) Rubem Braga e Fernando Sabino, entenderá bem rápido o que é falar sobre o dia a dia. E o que me faz rir em Clarice Lispector cronista é justamente esta temática, do ponto de vista feminino, lá nos idos de 60, em meio à ferveção intelectual e política. Não se trata apenas da observação diária da mulher Clarice. Falo das situações comezinhas descritas pela escritora que era mãe, dona de casa prendada, dama da sociedade. E aí, caro leitor, La Lispector é diversão pura.
Ri de si mesma ao confessar-se “um pouco sem jeito na minha nova função daquilo que não se pode chamar propriamente de crônica”; dedica-se a questionamentos sobre os homens, algo do tipo “O homem. Como o homem é simpático. Ainda bem. O homem é a nossa fonte de inspiração? É. O homem é nosso desafio? É. O homem é o nosso inimigo? É. O homem é o nosso rival estimulante? É. O homem é o nosso igual ao mesmo tempo inteiramente diferente? É. O homem é bonito? É. O homem é engraçado? É. (...) O homem é um chato? Também. Nós gostamos de ser chateadas pelo homem? Gostamos.”
Quando resolve dizer o que pensa sobre o programa do Chacrinha, não faz a menor cerimônia em ser franca. Aponta o dedo e dispara sua crítica, chamando-o de doido, sem imaginação, obcecado. Tamanha honestidade no falar, no opinar sem máscara, me enche a face de sorrisos. Não que concorde (nem sei se concordo), mas Clarice é tão lúcida em 1967, que é capaz de afirmar que “Nossa televisão, com exceções, é pobre, além de superlotada de anúncios. Mas Chacrinha foi demais. Simplesmente não entendi o fenômeno. E fiquei triste, decepcionada: eu quereria um povo mais exigente”.
Clarice fala das amigas, dos seus passeios, comadres, bichos, lugares que frequentava, das suas empregadas, cada uma com sua idiossincrasia – da mineirinha calada à cozinheira vidente, passando pela Ivone, a qual no título da crônica a chama de “A Coisa”. Não deixa também de frisar que “não sou domínio público”, ao repelir os desejos de muitos em conhecê-la pessoalmente. Mas podia ser muito afável ao receber uma repórter em casa, adorar a entrevista e ainda escrever sobre isso com doçura e humor. “E fui me encantando com Cristina. É noiva. Que pena, pensei. Gostaria que ela ficasse bem sentadinha esperando muitos anos que meus filhos crescessem para um deles se casar com ela. (...) Percebo que afinal estou tendo a minha vingança: a moça escreve sobre mim, mas eu vou e escrevo sobre ela. (...) Mas não sei por que, depois que li a entrevista, saí tão vulgar. Não me parece que eu seja vulgar. E nem tenho olhos azuis”.
Ler Clarice dá uma saudade que não existe, pois que não a tive enquanto viva. Ler suas crônicas move uma sensação de que estive por ali, naqueles dias, a apreciar a gente que alvoroçava aqueles tempos. Ainda não terminei o livro; como disse, estou me deleitando. Das crônicas que li há pouco, antes de escrever sobre ela, escolhi estas palavras finais, de um texto de junho de 1969:
“MAS JÁ QUE SE HÁ DE ESCREVER
Mas já que se há de escrever, que ao menos não esmaguem as palavras nas entrelinhas.
Mas já que se há de escrever, que ao menos não esmaguem as palavras nas entrelinhas.
AMOR À TERRA
Laranja na mesa. Bendita a árvore que te pariu.”
Laranja na mesa. Bendita a árvore que te pariu.”
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