Muitos estragos são feitas em nossas vidas quando não conseguimos elaborar e digerir minimamente as emoções dolorosas; patinamos e até ficamos enroscados nelas. E os sentimentos danificados acabam tornando-se ressentimentos. Deveríamos reciclá-los e descartar apenas os que não são passíveis de reaproveitamento. E, sem percebermos, nossa alma torna-se um aterro sanitário de ressentimentos e amarguras, contaminado o lençol freático que vitaliza muitas outras emoções.
Quais momentos foram inesquecíveis em sua vida? E quais você ainda gostaria muito de viver? Nesse micro inventário de nossas vivências e sonhos descobriremos que as coisas mais marcantes são aquelas que envolvem alguma experiência emocional intensa, seja boa ou má.
Paradoxalmente, somos pouco preparados para lidar com elas. Coletivamente valorizamos o aprendizado intelectual, mas subnutrimos o emocional. Nada contra se usar a razão em todos os momentos, muito pelo contrário. A questão é o desequilíbrio entre essas habilidades.
Na escola praticamente todas as matérias são intelectuais. As que mais se aproximam das emoções, como as artes e a filosofia, estão em desuso. E quando são ensinadas, sempre sob um viés do intelecto. A educação no lar está mais para um ajuste do ser ao padrão coletivo do que é “certo” e “aceitável”.
Os conhecimentos intelectuais, quando não acessados com frequência, dissolvem-se na mente como fumaça ao vento. Já as emoções têm o poder de resistir e persistir ao tempo; vide os traumas e as lembranças de momentos agradáveis com pessoas amadas.
E como lidamos com os nossos sentimentos, principalmente os “nevrálgicos”? Por conta própria e, na maioria das vezes, na porrada mesmo: nas frustrações enfiadas goela abaixo, na inveja do amigo que tem ou é aquilo que gostaríamos de ter ou ser, na raiva que sentimos e não podemos expressá-la por ser socialmente inaceitável...
Muitos estragos são feitas em nossas vidas quando não conseguimos elaborar e digerir minimamente as emoções dolorosas; patinamos e até ficamos enroscados nelas. E os sentimentos danificados acabam tornando-se ressentimentos. Deveríamos reciclá-los e descartar apenas os que não são passíveis de reaproveitamento. E, sem percebermos, nossa alma torna-se um aterro sanitário de ressentimentos e amarguras, contaminado o lençol freático que vitaliza muitas outras emoções.
Quando temos privilégios financeiros, anos mais tarde, gastamos muita grana em consultórios psicoterápicos tentando colar os cacos. E, mesmo assim, continuamos a propagamos traumas e torturas emocionais de geração em geração sem sequer desconfiarmos disso.
Como seria o mundo se existisse alguma forma de educação sentimental? Se as crianças e os adolescentes fossem incentivados a entenderem seu universo emocional e ajudados a encontrarem as ferramentas adequadas para melhor pavimentarem seus caminhos? Seríamos mais felizes, equilibrados, e a sociedade mais ajustada como um todo? Parece que sim...
Seria algo revolucionário para os padrões atuais. Não é algo trivial, pois não dá pra ensinar a se lidar com emoções da mesma forma que se ensina matemática. Corre-se o risco de apenas racionalizá-las sem envolvimento algum, o que é desastroso. Seria como engessá-las e colocá-las numa moldura fixa e fria para ser apreciada à distância.
É claro que elaborar e digerir emoções é uma tarefa individual, pois ninguém sente nada no lugar do outro nem consegue fazer um implante no coração de alguém para que ele passe a suportar suas dores. Mas, de alguma forma, temos que superar esse hiato entre uma teoria e debater-se às cegas na prática.
Um possível caminho seria o reforço de habilidades auxiliares, como a coragem. Ensinar as pessoas a olharem de frente e assumir para si mesmos todos os tipos de emoções, principalmente as cabeludas, as não aceitas socialmente, sem jogá-las para debaixo do tapete. Não ter vergonha de tê-las, pois isso também é ser humano!
Ou então, como num processo terapêutico, ensinar o falar e o ouvir os seus semelhantes com o coração, empaticamente, doando seu tempo e sua atenção plenos. Para que o outro possa digerir de alguma forma aquilo que dói na sua alma. Seria uma espécie de fala e escuta terapêuticas num nível básico, que já ajudaria e muito, deixando os “tópicos avançados” para os profissionais habilitados.
Incentivar as pessoas, num âmbito privado e íntimo, a demolirem as fachadas ilusórias de perfeição e reconhecerem os guetos internos onde se escondem invejas, desejos proibidos, raivas, ódios... Encarar esse lado nada agradável que existe em nosso interior, a sombra, e pensar numa negociação com ele, pois também é uma realidade psíquica e quer nos dizer algo. E precisamos ouvi-la!
Quem sabe as coisas não seriam diferentes, e existisse mais aceitação, de si mesmo (autocompreensão) e do outro (empatia). Principalmente esta última, colocando-se na pele alheia e tentando entender seus motivos, o que resultaria em tolerância. Quantas guerras, brigas e desentendimentos poderiam ser evitados, ou minimizados...
Vivemos hoje a tirania da felicidade. Precisamos estar felizes o tempo todo. Se ficamos tristes, imediatamente já se procura algo para enxotar a tristeza, como se ela fosse uma doença contagiosa de difícil cura. Ouvir as queixas alheias também é ameaçador. Talvez esse desconforto seja um sintoma inconsciente de que tememos que essa escuta ecoe em nossas próprias questões e revele nossa incapacidade de lidar com elas.
Sem apologias à melancolia, mas tristeza também faz parte da vida e, como tudo, precisa ter seu espaço, pois ela sempre quer nos dizer alguma coisa, que algo não vai bem e requer um ajuste. E se fecharmos as portas e janelas de nossa alma, fatalmente ela escapará pelos fundos, e seu estrago será muito maior.
Enquanto insistirmos em ignorar a importância de se lidar com (todas) as emoções que brotam de nossas almas, seguiremos perdidos e cantando, ou melhor, protagonizando a canção da banda Kid Abelha:
Agora você vai embora E eu não sei o que fazer Ninguém me explicou na escola Ninguém vai me responder.
Educação sentimental já! Para nossa sanidade e do mundo como um todo!
PUBLICADO EM SOCIEDADE POR MARCELO WOLF
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