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domingo, 24 de maio de 2015

As lições das cidades que reduziram a repetência e a evasão e melhoraram as notas dos alunos em Português e Matemática

AFINADOS
Alunos de 7 a 11 anos da escola Hirayuki Enomoto, em Pereira Barreto, município de São Paulo. A música faz parte da formação (Foto: Rubens Cardia/Época)

A cada 26 segundos, uma criança ou um adolescente brasileiro desistem da escola antes – às vezes, muito antes – de concluir o ensino médio. Em 2013, último ano medido pelo Censo Escolar, mais de 1,3 milhão de crianças abandonaram a escola antes da conclusão do ano que cursavam. Esses dados se referem aos estudantes que deixaram de aparecer na escola. Não incluem aqueles que desistiram de aprender, mas continuam a frequentar minimamente a sala de aula. Esse é um contingente muito maior: são mais de 3,2 milhões de alunos repetentes em escola pública num único ano.

A dificuldade em reter alunos na escola e em ajudar os que ficam a efetivamente aprender é o sintoma mais evidente do fracasso do ensino público nos locais em que isso ocorre. As razões para isso são diversas: professores mal preparados ou desinteressados, incapazes de conduzir uma aula que envolva o aluno, escolas sem estrutura para acompanhar estudantes com dificuldade de aprendizado, material didático pobre, falta de recursos para explorar conteúdos que pedem experimentação e ambiente insalubre, para ficar nos mais comuns. O custo financeiro desses fracassos é alto. Cada uma das crianças que repete ou abandona a escola custa ao país cerca de R$ 5.500 por ano. Somente em 2013, foram gastos mais de R$ 25 bilhões com alunos que desistiram ou não progrediram na escola. A conta foi feita pelo Instituto Ayrton Senna, a pedido de ÉPOCA, com base nos números do Ministério da Educação (MEC) e dos sistemas de informação do governo.

A cifra impressiona, mas essa não é a consequência mais séria da derrocada do ensino público. O pior efeito é o social. Boa parte desses milhares de alunos não voltará para a escola. Entre os que permanecerão nela, muitos jamais terão uma relação de prazer com o aprendizado. Todos os anos, o desperdício de cabeças e de dinheiro se repete.

Um grupo seleto de cidades conseguiu tirar seus alunos da rede municipal, que vai até a 5ª série, desse ciclo vicioso. Elas diminuíram para próximo de zero as taxas de repetência e abandono escolar e subiram, sem grandes disparidades, as notas de proficiência em língua portuguesa e matemática de todas as escolas da rede. São 11 municípios de todas as regiões do país. Eles já alcançaram boa parte das metas do governo federal para a educação para os próximos anos em aprendizado adequado de matemática, língua portuguesa, redução de repetência e de evasão. Cada um deles encontrou seu jeito de lidar com as dificuldades que encontrou. Mas é possível reconhecer estratégias comuns a todos. Abaixo, uma lista das melhores práticas.

1. PEDIR AJUDA
Sem exceção, os municípios que mostram excelência em educação pública procuraram ajuda fora de casa para driblar a falta de dinheiro, de recursos técnicos e de experiência em algumas situações. Programas de instituições como a Fundação Lemann, o Instituto Ayrton Senna e o Unicef estão presente em s todos eles. Parcerias com universidades e empresas locais viabilizam o desenvolvimento de programas sob medida para as escolas sem que isso implique gastos para as cidades. Boa parte das soluções é simples, fácil de ser implantada e eficaz. “Diminuímos o absentismo para perto de 0% e aumentamos a participação dos alunos na lição de casa em todas as salas de todas as escolas da rede com o uso de um método do Instituto Ayrton Senna”, diz Ébio Silva, secretário de Educação de Valparaíso, a 562 quilômetros de São Paulo. “Ele consiste em pintar os quadradinhos de uma grande cartolina pendurada na sala de aula com a ajuda dos alunos. Percebemos como está a frequência e a participação dos alunos nas tarefas batendo os olhos na tabela colorida ao lado do quadro.”

A disposição em encontrar saídas estimula também a parceria entre cidades – prática pouco comum na gestão de redes municipais. Até 2011, mais de 60 alunos da área rural de Pereira Barreto, cidade a 600 quilometros de São Paulo, tinham de estar prontos às 3 horas da manhã para esperar o ônibus que os levava para a aula na cidade, que começava às 7 horas. Viajavam 300 quilômetros por dia para ir e voltar da escola, em estradas de terra. “Essa rotina comprometia a disposição física e mental dessas crianças”, diz Marialba Carneiro, secretária de Educação de Pereira Barreto. A saída foi pedir ajuda para a cidade ao lado, Mirandópolis, cujo centro urbano fica muito mais próximo das casas desses alunos. O resultado: as crianças trocaram a madrugada na estrada por quase três horas de sono a mais por dia.

HORA DA LEITURA
Biblioteca da Escola Djanira Benetti, em Valparaíso, São Paulo. Uma escola de periferia tem as melhores notas de português e matemática da região (Foto: Rubens Cardia/Época)

2. ACOMPANHAR CONTINUAMENTE
O acompanhamento permanente e individualizado dos alunos também é prática comum nos 11 municípios com bom desempenho educacional. Suas escolas não dependem apenas dos resultados em prova para determinar quem precisa ou não de ajuda. Se o professor percebe que uma criança está com dificuldade em aprender um ponto em matemática, ela recebe ajuda imediatamente fora do horário de aula.O reforço pode ser de um dia, uma semana ou de um período maior, de acordo com a necessidade do aluno. A ajuda contínua permite correções de disparidades entre alunos de uma mesma classe. A regra é que nenhum aluno deve ser deixado para trás, em nenhuma época do ano. As escolas de Valparaíso, em São Paulo, recebem crianças de todo o país por causa do ciclo da cana na região e de dois presídios instalados na cidade há 16 anos. As famílias dos presos costumam acompanhá-los quando eles são transferidos de cadeias. Nas salas de aula da escola Djanira Benetti, que tem as melhores notas de Valparaíso, há alunos de famílias de canavieiros e de presidiários que chegam com nível de aprendizado atrasado. Nessa escola, estuda também a pequena Maria Clara Higuchi, de 8 anos, filha do prefeito da cidade, o veterinário Marcos Higuchi. “Com o reforço, tiramos a diferença, por maior que ela seja”, diz a diretora Ana Claudia Benes.




O acompanhamento não se limita aos muros da escola. Em Araguaína, no Tocantins, crianças afastadas por licença médica recebem a visita de professores em casa. “Isso evita que elas fiquem perdidas ao voltar para a escola”, diz Jocirley de Oliveira, secretário de Educação.

3. VALORIZAR O PROFESSOR
A experiência ao redor do mundo, ancorada em pesquisas, mostra que não há método, infraestrutura e gestão que dê jeito se os professores não estiverem estimulados e bem preparados. Os 11 municípios desse levantamento investiram em uma série de estratégias para estimular e treinar seus professores. Eles têm plano de carreira para o professor – que será obrigatório em todas as cidades a partir de 2016. Em dez das 11 cidades, não há grandes variações salariais ao longo da carreira, mas isso não compromete os resultados. “Quando os professores sabem que há uma valorização mínima de seu esforço e dos resultados que ele produz em sala, isso faz uma diferença enorme no engajamento deles”, diz Leiva Custódio, secretária municipal de Ji-Paraná, segunda maior cidade de Rondônia. Em Araguaína, a decisão foi frear alguns projetos para investir em remuneração. O salário médio de professores da rede básica gira em torno de R$ 5 mil.


Nesses municípios, as secretarias de Educação também fazem parcerias com universidades e instituições para montar cursos de extensão para professores. Muitos deles podem ser replicados por eles mesmos dentro das escolas. A professora de inglês de Pereira Barreto Enedina Carvalho, hoje diretora de escola, concorreu e ganhou uma bolsa de estudos da Fundação Lemann para uma pós-graduação nos Estados Unidos. “Eu me aposentei, mas não saí da escola. Gosto demais do que fazemos aqui”, diz ela.

4. CUIDAR DE FORMA INTEGRAL
Uma iniciativa comum às escolas com os melhores resultados é a elaboração de atividades que tragam os pais e a comunidade para dentro da escola. Em Valparaíso, funcionários da escola vão até a casa dos alunos para atualizar informações sobre a família e as condições de vida da criança, montando um minicenso da comunidade. Essa atitude produz dois resultados: as famílias passam a prestar mais atenção ao que ocorre com os filhos na escola, e, consequentemente, a autoestima das crianças cresce. “Isso é importante, porque a maioria das dificuldades mais sérias das crianças tem como pano de fundo problemas emocionais”, diz Eliane Elias Pereira, coordenadora da Secretaria de Educação da cidade. “Ocorre uma melhora em cadeia quando todos estão atentos à criança.”

Em Pereira Barreto, aulas de música foram implementadas na grade regular da escola integral como uma forma de estimular o equilíbrio emocional da criança. “Temos casos de crianças agressivas que mudaram completamente com a música”, diz Marialba Carneiro. “Cuidar do lado emocional da criança é tão importante quanto do cognitivo. Um não funciona sem o outro.”

>> O professor é o fator que mais influencia na educação das crianças

Ainda há muito a ser feito nessas cidades. As notas dos últimos anos do fundamental e do ensino médio estão longe do que poderia ser considerado ideal, ou mesmo aceitável. Entre os municípios que melhoraram na educação de 1ª a 5ª série também há distorções. Sud Mennucci e Itatiba, em São Paulo, obtiveram conquistas importantes em língua portuguesa e matemática, mas ainda não alcançaram a meta de 2013 do Ideb. São Mateus, no Espírito Santo, tem um índice de reprovação altíssimo para os primeiros anos do ensino fundamental, de 7,7%, acima da média nacional para essas séries. Nada disso, no entanto, subtrai o que esses municípios conquistaram até agora: oferecer ensino de qualidade tanto para a filha do prefeito quanto para as crianças de famílias de detentos.

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