"Feliz Natal a quem não planta corvos nas janelas da alma, nem embebe o coração de cicuta e ousa sair pelas ruas a transpirar bom-humor.
Feliz Natal aos que reverenciam o silêncio como matéria-prima do amor e arrancam das cordas da dor melódicas esperanças.
Também aos que se recostam em leitos de hortênsias e bordam, com os delicados fios dos sentimentos, alfombras de ternura.
Feliz Natal a todos que dançam embalados pelos próprios sonhos e nunca dizem sim às artimanhas do desejo.
Aos que ignoram o alfabeto da vingança e jamais pisam na armadilha do desamor,
pois sabem que o ódio destrói primeiro a quem odeia.
Feliz Natal a quem acorda, todas as manhãs, a criança adormecida em si e, moleque, sai pelas esquinas quebrando convenções que só obrigam a quem carece de convicções.
E aos artífices da alegria que, no calor da dúvida,
dão linha à manivela da fé.
Feliz Natal a quem recolhe cacos de mágoas pelas ruas a fim de atirá-los no lixo do olvido e guardam recatados os seus olhos no recanto da sobriedade.
A quem resguarda-se em câmaras secretas para reaprender a gostar de si e, diante do espelho, descobre-se belo na face do próximo.
Feliz Natal a todos que pulam corda com a linha do horizonte e riem à sobeja dos que apregoam o fim da história.
E aos que suprimem a letra erre do verbo armar e se recusam a ser reféns do pessimismo.
Feliz Natal aos que fazem do estrume adubo de seu canteiro de lírios. Também aos poetas sem poemas, aos músicos sem melodias, aos pintores sem cores e aos escritores sem palavras.
E a todos que jamais encontraram a pessoa a quem declarar todo o amor que os fecunda em gravidez inefável.
Feliz Natal aos ébrios de transcendência e aos filhos da misericórdia que dormem acobertados pela compaixão..."
Cartão de Natal ( Frei Betto)
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