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quinta-feira, 4 de junho de 2015

Artistas africanos expõem em SP


Contemporâneos mais renomados no Museu Afro
 POR BETA GERMANO; FOTOS DIVULGAÇÃO

Retrato do Rei de Babungo, em Camarões, feito por Alfred Weidinger

Apesar do tradicional racismo cordial, o Brasil começa (finalmente) a seguir a tendência internacional e olha com mais carinho para artistas que expõem questões sociais e estéticas africanas. Prova disso é a exposição África Africans, curada por Emanuel Araújo, que selecionou cerca de 100 obras dos melhores artistas contemporâneos que nasceram ou foram criados no continente para dialogar com peças do acervo do Museu Afro Brasil e sua coleção particular. “O Continente Africano, esse imenso torrão de savanas, desertos, montanhas e vales banhados por grandes rios; com 54 países, falando milhares de línguas, foi sem dúvida nenhuma, o berço da humanidade [e, consequentemente, da arte] ”, afirma Emanuel. Tive o prazer de percorrer a exposição com ele que é o maior defensor (e pesquisador) da arte africana no Brasil.

Na entrada, fotos de paisagens africanas de Christian Cravo para começar a “atualizar” o espectador e, na primeira sala, uma série de objetos usados no cotidiano e em rituais para apresentar a arte africana tradicional. Entre os destaques, os objetos funerários do Benim; as máscaras do Congo, Costa do Marfim, República da Libéria e República do Mali; a máscara Yegue – feita com cabelo, miçanga e tecido, ela é usada para danças nos Camarões –; e os fabulosos fantoches, também da República do Mali e Costa do Marfim. “A cultura africana é muito oral e eles usam estes bonecos para contar as histórias dos povos”, explica Emanuel. Aos apaixonados por design, vale conferir o banco de ferro do Benim dedicado a Ogum (orixá senhor dos metais) que, por isso, vem com a representação de todas as suas ferramentas, além da tranca de porta da República do Mali.

Na primeira sala dos contemporâneos, belíssimos retratos de reis feitos por Alfred Weidinger – simbolizando sistemas de poder (espiritual) que ainda prevalecem na África – e os desenhos críticos e cômicos de Hector Sonon são escolhas perfeitas para contextualizar o continente que ainda vive de tradições, mas também sofre dos prazeres e pesares do cotidiano atual. Repare, portanto, nas lavadeiras com filhos amarrados nas costas falando no celular ou na moto-taxi que carrega cestos com roupas tradicionais e, ao mesmo tempo, polui as ruas do Benin.
Série de objetos usados no cotidiano e em rituais para representar a arte africana tradicional. Entre os destaques, fantoches da República do Mali e Costa do Marfim (na vitrine à dir.) e as máscaras do Congo e República da Libéria
Parte do painel com os desenhos críticos e cômicos de Hector Sonon
Entre os blue chips da África, o ganês El Anatsui, vencedor do Leão de Ouro, que apresenta um dos seus célebres mantos feitos com objetos descartados
Egg fight, instalação de Yinka Shonibare

Entre os blue chips da África, o nigeriano-britânico Yinka Shonibare, que já esteve na Documenta de Kassel e concorreu ao Turner Prize, e o ganês El Anatsui, vencedor do Leão de Ouro pelo conjunto de sua obra, na Bienal de Veneza deste ano. Shonibare, que ficou conhecido por questionar aspectos ligados ao colonialismo e identidade cultural, veio com duas obras de peso: The British Library – uma estante com 6.225 livros cobertos por estampas africanas –, e Egg fight, uma de suas famosas instalações para as quais ele apresenta roupas europeias de época com tecidos de padronagens africanas. Anatsui, por sua vez, mostra um de seus célebres mantos que parecem suntuosos de longe, mas são feitos de materiais banais e descartados – é a síntese perfeita do “lixo ao luxo”.

“Ele é de Gana, onde o uso do ouro e de tecidos é muito comum e, talvez por isso, trabalhe com tanto refinamento. Anatsui já foi professor de muitos artistas africanos que estão acontecendo e tem, sem dúvidas, um papel fundamental para o reconhecimento da produção do continente”, esclarece Emanuel. O reaproveitamento de materiais desprezados pela sociedade, aliás, é um ponto em comum em vários dos artistas selecionados. Gérard Quenum, do Benim, dá vida nova a bonecas abandonadas para denunciar as tragédias que envolvem crianças do mundo inteiro, enquanto Dominique Zinkpè, do mesmo país, mistura os materiais inusitados a objetos sagrados propondo uma discussão sobre sagrado e profano.

Aston, também do Benim, tem um dos trabalhos mais impressionantes. Ele percorre ruas, praias e beiras de estrada recolhendo tampas, arames, borrachas, utensílios quebrados e restos de plásticos e transforma tudo em miniaturas humanas, navios negreiros ou habitações. O objetivo? Questionar o consumo e descarte em excesso! Outro artista que se preocupa com o meio ambiente é o nigeriano Bright Ugochukwu Eke que trouxe a instalação Cloud Earth Twist, composta por 10 mil sacos plásticos cheios de água acidificada (uma referência pessoal: ele contraiu uma doença de pele por conta das chuvas ácidas em seu país!). Para quem vai para a Bienal de Veneza e gosta do assunto, fica a dica: os problemas ecológicos do mundo estão muito bem representados na mostra Vita Vitale, promovida pelo Azerbaijão.
A instalação The British Library, também de Yinka Shonibare, é composta por uma estante com 6.225 livros cobertos por estampas africanas
As miniaturas humanas, navios negreiros, habitações ou até navios negreiros da instalação de Aston são feitas com tampas, arames, borrachas, utensílios quebrados e restos de plásticos encontrados na rua
O nigeriano Bright Ugochukwu Eke trouxe a instalação Cloud Earth Twist, composta por 10 mil sacos plásticos cheios de água acidificada.

Uma das máscaras de madeira feita por Kifouli Dossou
Nas pinturas do sul-africano Bruce Clarke, a representação de figuras humanas de até 6 metros de altura para relembrar o genocídio dos Tutsi no Ruanda


Se a máscara é uma tradição em todo o continente, preste bastante atenção nasesculturas de Kifouli Dossou: “Ele usa uma base inspirada na arte tradicional somada a elementos que contam histórias contemporâneas. Ele é absolutamente refinado. É quase um ourives”, explica Emanuel. (repare na semelhança das esculturas de Kifouli com as máscaras do Gabão, Nigéria e Moçambique na primeira sala da mostra). Vale procurar, ainda, pelaspinturas do sul-africano Bruce Clarke que lançou, ano passado, o projeto Les Hommes Debout, no qual representou figura humanas de até 6 metros de altura e as instalou em lugares onde aconteceu o genocídio dos Tutsi no Ruanda. Ele mostra, desta forma, que o povo de Ruanda continua em pé e digno.

Confira, abaixo, uma parte do meu papo com Emanuel Araújo:

Por que, em sua opinião, a representatividade africana na arte contemporânea aumentou nos últimos anos?

“A França e Inglaterra sempre olharam para o que é produzido no continente, pois eles foram colonizadores. O que aumentou recentemente foi o interesse dos americanos pela cultura negra, que é bastante significativa. Como os museus de lá são muito poderosos, houve uma projeção natural”.

E o Brasil?

“Aqui tudo demora, pois é um país muito refratário em relação a estas conquistas. Fato, no mínimo, estranho se você considerar o tamanho da população negra no Brasil”.

Mas por que você acha que isso acontece?

“Ainda olhamos muito para a Europa como símbolo de civilização, mas ela já mudou de endereço há muito tempo. Nossos curadores e os diretores das instituições são muito preconceituosos e temos uma defasagem cultural de cerca de 150 anos. Quando tivemos a semana de 1922 aqui, por exemplo, a Europa já era moderníssima. Também existe uma questão econômica crucial: repare como os museus brasileiros são carentes e os museus nos EUA bancam os artistas e montam exposições poderosas. O nosso Estado não patrocina a cultura e só poderemos entrar na hegemonia do mundo quando tivermos uma cultura forte falando do seu próprio universo.”

E os artistas brasileiros estão preocupados com as nossas origens?

“Não. Infelizmente ainda não temos muitos artistas representativos que abordam a questão africana como nossa descendência. Eles precisam parar de falar da Europa, pois isso já foi dito. E não podem ter medo de falar da gente. Difícil é falar de si e é isso que os africanos fazem: abordam questões da África com uma linguagem universal e contemporânea.”

África Africans
Data: até 30 de Agosto
Local: Museu Afro Brasil
Endereço: Parque Ibirapuera – portão 10
Horário: de terça-feira a domingo, das 10h às 17h (permanência até às 18h)
As delicadas esculturas de Rémy Samuz foram compradas para o acervo do Museu Afro Brasil
Mais um detalhe do painel com os desenhos críticos e cômicos de Hector Sonon
Retrato do Rei dos Kapsiki, em Camarões, feito por Alfred Weidinger
Retrato do Lamido de Maroua, em Camarões, feito por Alfred Weidinger
Retrato do Rei de Abomey, no Benin, feito por Alfred Weidinger

Casa Vogue

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