De repente, Dona Betty precisou ser internada no Hospital do Iaserj. Pixinguinha não absorveu o choque, enfartou e acabou socorrido no mesmo hospital. Com medo que o estado de sua mulher piorasse, combinou com o filho (Alfredinho) não contar o enfarte a ela. Todos os dias, no horário de visita, Pixinguinha deixava o leito, vestia o terno e o chapéu, e, acompanhado do filho, ia ver a esposa levando-lhe um buquê de flores. Depois, voltava para o próprio quarto de doente, na cardiologia, e prosseguia com o tratamento.
Durante algum tempo, ele repetiu, costumeiramente, o ritual de visita diária à esposa, até que um dia, surpreendeu-se ao entrar no quarto de dona Betty e encontrá-la dormindo muito quieta. Tomou um susto, porque o velho coração, enfraquecido ainda mais pela traiçoeira doença, ameaçou baquear para sempre. Pixinguinha safou-se, pensando no filho. Respirou fundo, manteve-se firme e permaneceu bom tempo velando o sono da amada companheira. Passados oito meses, ele morria. Enfartado.
"Eu fazia umas bossas, eu era do choro, eu seguia a inspiração".
(Pixinguinha falando sobre os seus primeiros improvisos na flauta).
Altas horas da noite, voltando de uma apresentação, Pixinguinha foi cercado por três assaltantes. Depois de entregar o dinheiro e explicar que carregava a sua flauta no estojo, ele foi reconhecido pelos criminosos, que, com um pedido de desculpas, devolveram-lhe o dinheiro. Fizeram mais: decidiram escoltá-lo até sua casa. No caminho, porém, o grupo parou numa birosca que abria as portas muito cedo, ainda de madrugada. O inusitado encontro acabou em muito samba e cachaça, por conta – imagina - do cachê que o músico havia recebido anteriormente na noite.
Em 1952, na igreja São Geraldo, por ocasião das bodas de prata de Betty e Pixinguinha, quando tudo estava pronto para o início da missa, espalhou-se o comentário de que a organista faltara. Mas a situação foi rapidamente resolvida: o filho, Alfredinho, tomou o lugar ao lado da mãe e Pixinguinha apossou-se do coro, assumindo o órgão e presenteando a todos com inspiradas improvisações ao instrumento durante o transcorrer da celebração.
Em 1956, Negrão de Lima, prefeito do antigo Distrito Federal, no Rio de Janeiro, publicou decreto concedendo a Pixinguinha o seu nome à rua onde o querido músico morava, número 23. No entanto, a casa só passou a lhe pertencer três anos depois, quando da quitação da última prestação paga pelo imóvel. Houve festa, destacando-se a colocação de uma placa comemorativa na entrada da casa. Lá pelas tantas, a placa sumiu. Havia sido roubada pelos cronistas e escritores Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta) e Lúcio Rangel, amigos e admiradores de Pixinguinha.
No bar Gouveia, no Centro do Rio, onde mantinha mesa, cadeira e copo cativos, Pixinguinha reunia-se, todo fim de tarde, com os velhos amigos e colegas Donga e João da Bahiana. Donga e João explicavam tão fiel relacionamento, afirmando: "O que eles disserem é o que eu tenho a dizer. Somos um trio". E Pixinguinha recordava o seu tempo de moço ao falar de si mesmo e dos amigos: "Nós somos um poema”. Perguntado se era um indivíduo modesto, respondia: “Se sou modesto não sei. Não tenho pretensão. Na verdade, não quero nada. Quero paz. Pronto."
O escritor Mário de Andrade procurou Pixinguinha, em 1926, explicando que estava recolhendo material para um livro, "Macunaíma, o herói sem nenhum caráter", que pretendia publicar. Pediu um depoimento a Pixinguinha, que relatou em detalhes os rituais do candomblé da Tia Ciata, célebre pelas famosas sessões onde eram cultuados orixás africanos. Em retribuição, procurando homenageá-lo, Mário fez de Pixinguinha um de seus personagens na obra, inserido na famosa cena de macumba descrita no livro pelo autor paulista. Pixinguinha figura como "um negrão filho de Ogum, bexiguento e fadista de profissão".
"Gargalhada" (Shottish) é considerada a sua peça mais difícil para flauta.
Escrito por Jonas Vieira. Extraído do livro Pixinguinha Filho de Ogum Bexiguento de Marília Barbosa e Art hur de Oliveira..
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