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quarta-feira, 2 de abril de 2014
Viviane Mosé: é preciso coragem na educação
A psicanalista, poeta, mestra e doutora em filosofia Viviane Mosé participou da Roda de Conversa ‘O empoderamento das classes populares', no Espaço Cultural Humberto Braga, no Centro do Rio. O evento gratuito foi mediado pelo psicólogo Marcos Vinícius Andrade de Souza, chefe do serviço de psicologia do TCE-RJ, e pela curadora do Momento Cultural, Monica Chateaubriand. Logo no início, atendendo a um pedido de Monica, Viviane Mosé explicou o termo empoderamento e a relação com as manifestações que estão ocorrendo no país. "Empoderar é incentivar que alguém ganhe poder, ou seja, dar poder. Mas dar não é uma boa palavra porque você não dá poder. Alguém pega o poder", explicou a filósofa, ressaltando que não falaria especificamente do governo atual.
Uma das questões mais debatidas nas manifestações populares – a falta de liderança – foi abordada por Viviane: "Vivemos uma crise de liderança no mundo corporativo e na educação. Não apenas porque falta liderança, mas porque o conceito de liderança está mudando. Milhões de pessoas foram movidas pela possibilidade que a tecnologia permitiu de troca de informação e manifestação de opinião. A indignação não aumentou, sempre existiu. Mas agora tem voz", reconheceu Viviane ao se referir ao papel das redes sociais nas mobilizações. "Era uma insatisfação passiva", completou Marcos Vinícius.
Impotência, realidade e violência – Viviane Mosé destacou que, apesar dos números expressivos de manifestantes, o movimento enfraqueceu. "A capacidade de comunicação empoderou a população e nos levou para as ruas com a necessidade de interferir na realidade, mas não chegou a um resultado. Isso gera uma sensação de impotência generalizada. Por que esses dois milhões de pessoas não estão conseguindo atingir a realidade? Pela diminuição do movimento e por causa da violência", observou. "Quando você vai para a rua chamando as pessoas, vem todo tipo de gente: pedófilos, neonazistas, pessoas que odeiam crianças, junto com gente que quer mudar a sociedade – uma juventude legal que não encontrou uma possibilidade de ação e achou que a violência era essa possibilidade. É esse ponto o que mais me preocupa. É aí que temos que atuar. Se não construirmos instâncias de real participação da comunidade na sociedade, vai haver mais violência. Eu ouvi falarem: tem que quebrar mesmo, só assim nos ouvem e tem que ser no Leblon porque é lá que os ricos moram. Isso é muito ruim", comentou.
Viviane ressaltou que são integrantes da classe média e da classe alta que participam em maior peso das manifestações. "Se a gente tivesse capacidade de produzir conceito e conteúdo, teria parado o Brasil. Foi um mês de manifestações. Mas não conseguimos dirigir e guiar aquele belíssimo movimento. É um problema? Não, foi uma experiência. Mas temos que nos preparar para as novas manifestações. Elas virão", afirmou.
Educação e empoderamento – Viviane Mosé também falou sobre a educação nas escolas e universidades como uma forma de poder. "A educação nas nossas universidades públicas e privadas nos desempoderam porque nos colocam na submissão do saber: eu tenho que repetir o professor. As escolas da elite pegaram o mesmo modelo da pública. Em uma escola da elite, o aluno é tão passivo e repetidor quanto o da escola popular. Conhecer não é repetir dados. Educação chama-se educação não formal, como essa que nós estamos fazendo aqui, de alto nível. A gente pode sair daqui com uma quantidade de conteúdo de anos, que não teria em uma sala de aula. É preciso ousadia e coragem, e não submissão para desenvolver a capacidade crítica, de convivência, de respeito ao outro, de analisar e selecionar dados, construir argumentação e atuar como cidadão", ponderou. "Capacidade de empoderar-se. O verbo é reflexivo", acrescentou o psicólogo do TCE Marcos Vinícius. "Exatamente! Cada um se empoderar para discutir individualmente", acrescentou Viviane. "Sair do estado de passividade e sair para a ação. Respeitar a sua essência, aumentando a sua potência e conhecimento", frisou Monica Chateaubriand.
"Indignação sem contorno é água derramada no chão. A população está indignada, mas não sabe com o quê. Ela sabe que está indignada com a educação, mas não sabe que a educação no Brasil melhorou 123% nos últimos 20 anos", informou Viviane. "A nossa briga pela educação não é para colocar as crianças nas escolas, mas mudar a relação de submissão na escola. Sem conceito, não há manifestação. Somos consequência de uma educação passiva. O professor tem que provocar no aluno angústia e vazio. A criança tem que querer estar naquele lugar do saber. Como diz o escritor Rubem Alves, a memória seletiva é como escorredor de macarrão: o que interessa fica, o que não interessa vai para o lixo. Se nos alinharmos ao saber, mudamos a relação de poder", garantiu a filósofa.
Educação democrática – Para Viviane Mosé, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, o governo não tem interesse em limitar a educação do povo. "Todos têm interesse que a população pense, porque o mundo não tem sustentabilidade e não tem garantia de existir. Para o mundo continuar existindo, precisamos de uma geração corajosa, que melhore a relação com o consumo e com a natureza. Ninguém mais tem interesse em uma educação castradora, mas a gente repete o modelo por hábito. Além disso, na sociedade contemporânea, a gente fala agora, em tempo real, para o mundo todo. Isso muda estrategicamente. Uma boa ideia nunca teve tanto espaço como tem hoje", reconheceu. "Saímos de uma sociedade com uma casca dura e velha, que é a exclusão, para uma sustentada pela democratização. A casca nova já está escrita. É uma sociedade que não pode ser chamada nem de sociedade da informação, nem do conhecimento, mas sociedade da colaboração. Quanto mais você é capaz de fazer links, não apenas com seu grupo, mas com grupos variados, mais você é um centro de valor, porque é ali que vai desenvolver sua ideia", reconheceu a filósofa que tem mais de 26 mil seguidores no Facebook.
Luciane Alcoforado, professora de Estatística da Universidade Federal Fluminense (UFF), sempre que possível acompanha as palestras de Viviane Mosé. "Eu tenho buscado isso: uma mudança de pensamento, uma nova visão. Gostei de ela falar sobre essa questão do professor provocar uma angústia no aluno. Nunca tinha pensado por esse lado. Quando venho para esse tipo de palestra, me coloco muito como aluna. E vejo que o professor é um eterno aluno. Estou buscando um conhecimento diferente do que tive na minha formação (sou formada em Matemática). Então agora estou buscando essa questão filosófica para me ajudar como professora", afirmou Luciane, que já participou de outras rodas de conversa do Momento Cultural do TCE-RJ.
Almério Nunes, aposentado do TCE-RJ desde 1996, foi um dos participantes mais ativos do evento. "A Viviane é muito inteligente e moderna. Tem muita gente que é inteligente, mas fica com a inteligência olhando para trás. Ela tem uma inteligência olhando para a frente", elogiou.
Formada em Relações Internacionais e Turismo, Letícia Santana, de 24 anos, acompanha Viviane Mosé pelo Facebook diariamente. "As reflexões que ela faz pelo facebook são muito interessantes, abrem várias ideias para começar bem o dia. Fico angustiada em ver como a Viviane tem resposta para vários questionamentos internos. Parece que ela tem mil e poucos anos, já pensou em tudo e sabe responder com maestria divina. Além disso, faz a gente repensar algumas coisas que pensávamos ser os dois únicos paradigmas, mas aí ela apresenta um terceiro caminho, o que eu acho sensacional."
Viviane Mosé, ao final do evento, não poupou elogios à iniciativa do TCE-RJ em promover as rodas de conversa. "O Tribunal está fazendo o que eu defendo nos meus livros: que é a educação não formal. A educação formal está em uma crise grave por causa dos conteúdos que mudam toda hora por causa das novas mídias, mas ela já existe com as suas questões. Para fazer política, a gente tem que discutir a sociedade para que as manifestações voltem para as ruas, de uma maneira mais dirigida. A gente precisa se educar. Mas a educação tem que ser alegre, divertida. E a melhor educação é a não escolar. Eu parabenizo pelo trabalho feito porque isso aqui é o empoderamento da classe popular: é dar acesso gratuito a um alto nível de conteúdo em um bate-papo informal. Na plateia, havia muita gente, formadores de opinião: professores, alunos, todo mundo querendo participar. Parabéns pelo trabalho. Adorei participar", afirmou a filósofa.
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