A chamada “Guerra Civil Síria” consiste em um conflito travado entre o exército sírio e grupos genericamente designados como “rebeldes”, que pretendem derrubar o governo de Bachar Al Assad, como o Estado Islâmico, a Jabhat Fateh al-Sham (antiga Frente Al Nusra, filiada da Al Qaeda na Síria), a Frente Islâmica (Ahrar al-Sham) e a Brigada do Islã (Jaysh al-Islam). Estes dois últimos são explicitamente apoiados pelas grandes potências ocidentais.
O conflito já trouxe milhares de mortos e milhões de refugiados que têm como destino, sobretudo, as principais nações europeias.
De acordo com a versão divulgada pelos grandes veículos de comunicação internacionais, a “Guerra Civil Síria”, uma das consequências da “Primavera Árabe”, começou após uma série de manifestações populares que reivindicavam a deposição do presidente Bashar Al-Assad. Como reação aos protestos, o governo de Damasco enviou tropas para as cidades revoltosas com o objetivo de encerrar as rebeliões.
Por sua vez, soldados desertores e civis armados da oposição formaram o chamado Exército Livre Sírio para iniciar uma luta convencional contra o Estado e, um ano após o início dos conflitos, os rebeldes já haviam conseguido dominar áreas estratégicas do país, como a importante cidade de Aleppo.
Entretanto, o conflito sírio é muito mais complexo do que o apresentado pelos meios de comunicação de massa: não se trata de uma simples questão interna. Deve ser entendido dentro um contexto geopolítico muito mais amplo, relacionado à constante presença das grandes potências imperialistas não somente na Síria, mas em todo o Oriente Médio.
Além do confronto bélico, também há uma “segunda guerra”, no plano simbólico, realizada através de uma intensa propaganda midiática global contra Bashar Al-Assad.
No final do ano passado, quando o exército sírio retomou Aleppo, a imprensa internacional intensificou a propaganda contra Damasco, reverberando uma série de boatos sobre ataques do governo contra civis.
Na visão das agências internacionais, Assad é um ditador impopular, que se impõe pela brutalidade com a qual exerce seu mandato, sendo responsável por inúmeros massacres ao povo sírio, utilizando, inclusive, armas químicas.
A própria nomenclatura “Guerra Civil”, utilizada pela imprensa para se referir ao conflito ocorrido na Síria, traz implicitamente a ideia de um combate interno, ocultando assim o principal fator para se entender esse conturbado foco de tensão contemporâneo: a interferência internacional, realizada através de bombardeios diretos ou pelo fornecimento de armamentos aos grupos rebeldes.
Para divulgar dados sobre mortos e feridos civis no conflito sírio, as grandes agências internacionais de notícias recorrem às informações divulgadas pelo chamado “Observatório Sírio para os Diretos Humanos”. Todavia, essa instituição, sediada na Inglaterra, é liderada por um dos maiores opositores de Assad, Rami Abdulrahman, e, não obstante, também é parcialmente financiada pela União Europeia, outros países imperialistas e organizações ocidentais.
Além do mais, é importante ressaltar aspectos geográficos do território sírio que são extremamente importantes para a geopolítica mundial como as reservas de petróleo (sob o controle estatal), os projetos de construção de gasodutos para abastecer as principais nações europeias, a presença da única base militar russa em outra nação e as suas fronteiras estratégicas com Iraque, Israel e Turquia.
Portanto, não é mero acaso o grande interesse de potências globais na Síria.
Apesar de nomes como Saddam Hussein, Muammar Kadhafi, e o próprio Bashar Al-Assad serem atores geopolíticos controversos, é demasiadamente simplista considerar que as deposições de seus governos e a posterior instalação de regimes pró-Ocidental resolveria todas as questões problemáticas que envolvem Iraque, Líbia e Síria e o Oriente Médio de maneira geral.
Por outro lado, as imagens de canais de televisão russo sobre as comemorações de civis nas áreas retomadas pelo exército sírio em Aleppo demonstraram que o governo de Assad não é assim tão impopular como o divulgado pela imprensa ocidental.
Conforme o noticiado por sites da mídia alternativa, ensaios fotográficos com crianças sírias feridas também estão sendo forjados para posterior divulgação nas principais redes sociais como imagens de guerra.
Notícias de que pais estariam matando suas filhas para não serem estupradas ou sobre possíveis massacres de civis na cidade de Aleppo chamaram bastante a atenção de audiências em todo planeta.
Tais práticas visam, através da tentativa de manipular emoções, trazer o consenso necessário para legitimar as intervenções imperialistas na Síria.
Evidentemente, este artigo não pretende endeusar Bashar Al-Assad ou representá-lo como uma simples vítima do imperialismo. Temos a plena convicção de que, ao contrário dos maniqueísmos da grande imprensa, na geopolítica do “mundo real” não há vilões ou tampouco mocinhos entre os atores políticos.
Apenas pretendemos chamar a atenção para o fato de que as atuais relações internacionais dependem cada vez mais do aparato midiático.
Isto é, conforme outrora já apontou a professora da Universidade Federal do ABC, Margarethe Born Steinberger, as diferentes formas de imperialismo cultural (que não implicam necessariamente em domínio territorial físico e direto) indicam que o sistema de referência em ascensão atual é o sistema pós-moderno midiático, em que a indústria cultural e os meios de comunicação de massa detêm o poder de configurar mentalidades a médio/longo prazo e amalgamar o apoio social necessário à consolidação de qualquer liderança global.
Consequentemente, mais do que um poderoso exército, uma grande potência contemporânea também deve ter à sua disposição um eficiente aparato midiático, capaz de difundir determinadas ideias em escala planetária.
PUBLICADO EM SOCIEDADE POR FRANCISCO LADEIRA
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