Dois violoncelistas tocam com perfeição técnica, mas com um ingrediente: começam a fazer uma espécie de pantomima, de malabarismo, de dancinha, trocando entre si as mãos, dificultando a execução para mostrarem que são peritos na arte de tocar. E a música? É secundária, apena uma desculpa para a performance. São o que podemos chamar de virtuoses, mas num sentido pejorativo, uma vez que importa somente a execução, não a arte em si. Importa apenas o narcisismo dos violoncelistas, enquanto que a música – acho que era um Bach – ficava deslocada, servindo apenas como desculpa.
O hiper-realismo, com algumas exceções, é um sintoma idêntico ao que descrevemos, mas no campo das artes plásticas. Predomina um mostrar-que-sei. É um mero elogio à técnica. Parece dizer o seguinte: vejam como o homem chegou num nível de desenvolvimento da arte de imitar, veja como o homem consegue recriar com perfeição a realidade. Trata-se do mero elogio à técnica, da performance, do gesto, mais do que a arte em si. Alguns até problematizam, colocam manchas, derrubam tintas para mostrar que aquilo não é real, mas mesmo isso é feito de uma maneira um tanto superficial. O que vale no final das contas é a demonstração da capacidade de iludir.
As pessoas vão para as galerias de arte e saem impressionadas, dizendo: “Como ele fez aquilo? É tão real!” o que no final das contas é um espanto do receptor quanto ao desenvolvimento extremo da técnica. E ela consiste na ilusão de realidade, no esconder as marcas do fazer. É tudo muito impressionante, mas parece faltar algo. E eles, os artistas, tem consciência disso e até se esforçam. Estão sempre representando o homem isolado, a mulher fetichizada, o mundo dos jovens, os homens pobres, os pequenos gestos banais da vida. Há uma espécie de tentativa de se transmitir uma mensagem questionadora, mas isso se da apenas na mensagem, no que é exposto – assim como o faz a propaganda – e não na forma mesmo, não na maneira de compor. Isso ficou para trás, nas artes de vanguarda, que não queriam mais mimetizar o mundo, que objetivava trabalhar os próprios elementos que a constituíam – volume, espaço, linhas, cores, tintas, etc.
Na literatura, isso se da com autores que dominam a técnica da escrita, sabem usar recursos que prendem a atenção do leitor, que conseguem criar mistério em seus livros. Mas tudo isso com historias superficiais, uma narrativa que não tem nada para dizer, senão apenas reproduzir os mesmos modelos de sempre. No cinema a coisa é um pouco pior, porque o que há de ruim no cinema sequer passa por alguma perícia, com exceção de alguns filmes atuais com o Birdman, por exemplo: uma sucessão de clichês que visam apenas a aplicação de uma técnica apurada – com a facilitação do computador, o que mata toda técnica profunda.
A grande arte tem um equilíbrio de forma e conteúdo, de modo que mesmo uma que não tenha uma forma apurada ainda sim segue o princípio de que a forma e o conteúdo estão atrelados, que cada conteúdo tem que ter uma forma que lhe dê cabo. O Hiper-realismo não se trata, porém, nem mesmo de uma sobreposição da forma ao conteúdo, nem é a forma pela forma, não é disso que se trata. Aqui o que existe é a técnica, um saber-fazer que apura a forma, mesmo que criando para ela algum modelo de reprodução, e esvazia o conteúdo, indo cair muitas vezes num pretenso conteúdo, um anseio de profundidade que no final das contas se mostra um o clichê. Enquanto forma e conteúdo não ficarem indissolúveis, enquanto esses artistas não buscarem uma forma para algum conteúdo específico, a tendência é que se recaia no virtuosismo pejorativo, como é o que parece acontecer com o artista que, com uma caneta Bic, consegue superar as fotografias em representação do real. É o elogio da técnica, assim como no cinema há o elogio da tecnologia.
Acredito que até podemos dar nome a esse fenômeno: Arte dos efeitos.
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