POR REBECA BEDONE
EM COLUNISTAS
A ESPERANÇA É UM CORAÇÃO INDOMÁVEL
Quando a mulher a viu, depois de muitos anos, ela continuava sentada no canto daquele quarto antigo. A mulher estava de férias e foi para a casa dos seus pais. Levou suas dúvidas novas para onde sabia que estavam todas aquelas saudades velhas.
Ela ainda morava na capital do estado naquela época, mas já cogitava voltar para o interior. Era uma decisão difícil já que estava trabalhando havia alguns anos na cidade que nunca dormia. Tinha medo de começar tudo de novo, não sabia como seria voltar para sua cidade depois de tanto tempo morando fora. Estava se sentindo perdida, pois também já imaginava como seria se despedir da parte boa da sua vida se realmente fosse embora.
Naquele quarto, resolveu fazer uma faxina. Começou a desemperrar gavetas e sentimentos. Estava tudo cheio e apertado. Já era hora de abrir as portas dos armários e escancarar as janelas. Deixar ar puro entrar para levar embora qualquer ressentimento.
Subiu na cama e abriu a parte de cima do guarda-roupa. Lá dentro, encontrou uma caixa com seus antigos cadernos de desenho e suas redações do colégio. Achou, em sacos plásticos, dezenas de telas pintadas em tinta óleo datadas de 30 anos atrás.
Sentou-se no chão para olhar aqueles quadrinhos. A cada tela, foi despertando lembranças como quem relê um livro de contos mágicos que estava largado no vão do esquecimento. Foi quando a mulher a viu sentada no canto do quarto.
Ela veio de mansinho e apontou um quadro à mulher. Disse que se lembrava do dia em que a professora tinha ensinado a técnica de pintura espatulada pela primeira vez. Depois, pegou outra tela e lhe mostrou o barquinho à vela que tinha feito para chegar do outro lado do mundo.
A menina de sardas não parava de falar sobre todas as coisas que ela fazia. Lembrava que gostava de ler e escrever e pegou um caderno onde estavam os poemas que inventava. Conforme a mulher ia olhando pras coisas que elas faziam, o silêncio começou a gritar, o quarto a ventar e o barquinho a navegar. A mulher segurou a menina no colo e agradeceu por sua criança nunca ter ido embora.
Depois daquelas férias a mulher mudou de estrada. A sua vida continua com as obrigações dos adultos, mas é mais colorida. Ela voltou a pintar.
Por isso, você que tem um violão esquecido atrás da porta. E você que quer aprender a soprar gaita. Vamos tirar o skate debaixo da cama e a raquete de tênis do armário da despensa. Ainda há tempo de desenferrujar os dedos pra relembrar como era aquela música que você adorava tocar no piano. Pegue seu lápis e faça hoje mesmo um desenho no canto do livro do escritório como você fazia no colégio. Não deixe para amanhã o curso de fotografia e matricule-se na aula de dança!
A infância mora no lado esquerdo do peito. Ela colore as linhas tortas da vida quando nos perdemos pelo caminho. Voltar a ser criança de vez em quando nos ajuda a recomeçar a música, a pintura e o jogo. Para preencher de esperança as lacunas dos sonhos que renascem aqui dentro da gente todos os dias.
Vamos pegar as páginas em branco e reinventar as nossas saudades. Começar outras histórias. Errar, apagar, reescrever. Cair, levantar. Chorar, rir. Viver! Mas jamais desistir.
Porque o vento que varre o quarto leva a poeira do que não nos serve mais trazendo o frescor de tristezas e alegrias novas.
Revista Bula
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