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sábado, 15 de fevereiro de 2014

CARTAS DE AMOR


"Como se transporta para uma carta todo um turbilhão de sentimentos? Como podemos datilografar a vontade de beijar, tocar e sentir o outro? Como expressar o amor em palavras, papel e tinta? Eu não sei...mas tentei...várias vezes... e você?

Cartas de amor... Quem as não tem... Cartas de amor... Pedaços de dor... Sentidas de alguém"


Assim é cantada uma parte do refrão de um músico português dos anos 60. Esta letra diz-me muito, não apenas por ser um dos artistas favoritos do meu pai, mas porque eu desde sempre gostei de escrever cartas, de amor...e não só. Uma das coisas que mais gostava, para além de as escrever, era a expectativa e ânsia em ir ao correio saber se já tinha recebido resposta. Naturalmente, esta vontade e gosto de escrever cartas foi transportada para a adolescência. As primeiras cartas de amor chegam com os primeiros amores. São pueris, simples, mas carregadas de sentimento e todas as certezas que a experiência de vida de "longos 14 anos" me tinha dado. Foram imensas as que escrevi, tantas outras que recebi, algumas perdidas para sempre, a maioria guardada com carinho na casa de família, numa caixa.

Não sou um pessimista, poderia muito bem continuar este texto com "hoje em dia já não se escrevem cartas de amor", ou dizer "cartas de amor? eu sou mais prático, mando sms de amor, ou email de amor". Não o vou fazer. Aliás, mais importante do que uma carta de amor é o amor em si mesmo, independentemente da forma como o é demonstrado, seja numa carta, seja numa flor, ou com um monte de pedrinhas da praia.


Tempos houve em que escrever cartas de amor era praticamente a única corte possível de se fazer...os namoros não eram como os de hoje, a liberdade física de se estar com o objecto do desejo era muito restrita, e era aí que entravam as ditas "love letters". Com palavras carregadas de simbolismo, amor paixão, tensão sexual, ou simplesmente anseios e desejos de um futuro feliz a dois. Todas as cartas de amor são ridículas como nos disse Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa... eu concordo discordando...todo o amor é ridículo, mas se para estar apaixonado for necessário ser ridículo, espero que me apontem o dedo na rua de cada vez que eu passar.


Algumas cartas de amor são tóxicas, violentas febris...outras simples e carregadas de doçura... Tenho uma especial predilecção pelas cartas de amor de Henry Miller a Anaïs Nin. São viscerais, quase obcecadas num amor maior do que os dois, possessivo e forte...um amor umbilical. Eles conheceram-se em Paris em 1932, eram ambos casados, Henry Miller e Anaïs Nin começaram um intenso caso, mais do que de amor, um caso de vida (por vezes a 2, por vezes a 3 por vezes a 5) que iria durar décadas, levando a algumas das mais apaixonados cartas já escritas ...


Amar e Ser Livre ao mesmo Tempo

"Tudo o que posso dizer é que estou louco por ti. Tentei escrever uma carta e não consegui. Estou constantemente a escrever-te... Na minha cabeça, e os dias passam, e eu imagino o que pensarás. Espero impacientemente por te ver. Falta tanto para terça-feira! E não só terça-feira... Imagino quando poderás ficar uma noite... Quando te poderei ter durante mais tempo... Atormenta-me ver-te só por algumas horas e, depois, ter de abdicar de ti. Quando te vejo, tudo o que queria dizer desaparece... O tempo é tão precioso e as palavras supérfluas... Mas fazes-me tão feliz... porque eu consigo falar contigo. Adoro o teu brilhantismo, as tuas preparações para o voo, as tuas pernas como um torno, o calor no meio das tuas pernas. Sim, Anais, quero desmascarar-te. Sou demasiado galante contigo. Quero olhar para ti longa e ardentemente, pegar no teu vestido, acariciar-te, examinar-te. Sabes que tenho olhado escassamente para ti? Ainda há demasiado sagrado agarrado a ti.

A tua carta... Ah, estas moscas! Fazes-me sorrir. E fazes-me adorar-te também. É verdade, não te dou o devido valor. É verdade. Mas eu nunca disse que não me dás o devido valor. Acho que deve haver um erro no teu inglês. Isso seria demasiado egoísta para eu dizer. Anais, não sei como expressar-te o que sinto. Vivo numa expectação constante. Tu chegas e o tempo escoa-se como num sonho. É só quando partes que eu entendo completamente a tua presença. E, então, é tarde de mais. Atordoas-me.

Tento imaginar a tua vida em Louveciennes, mas não consigo. Walter Pach? Um sonho bêbedo... E além disso, não gosto dele; o porquê não sei dizer. O teu livro? Também parece irreal. Só quando chegas e olho para ti é que o quadro fica mais claro. Mas partes tão rapidamente... Não sei o que pensar. Sim, vejo claramente a lenda de Pushkin. Vejo-te na minha mente sentada nesse trono, com joias à volta do pescoço, sandálias, grandes anéis, unhas pintadas, estranha voz espanhola, a viver uma espécie de mentira que não é exactamente uma mentira mas um conto de fadas.

Vesti esta noite as minhas calças de bombazina e reparei que estavam manchadas. Mas juro pela minha vida que não consigo associar a mancha à princesa em Louveciennes que priva com guitarristas, poetas, tenores e críticos. Não me esforcei muito para tirar a mancha. Vi-te entrar na lavandaria e encostar a tua cabeça no meu ombro. Não consigo ver-te a escrever «An Unprofessional Study».

Isto está um bocadinho bêbedo, Anais. Estou a dizer para mim «aqui está a primeira mulher com quem posso ser absolutamente sincero». Lembro-me de dizeres: «Tu podias enganar-me. Eu não o saberia». Quando passeio pelos «boulevards» e penso nisso... Não posso enganar-te... E no entanto gostaria de fazê-lo. Quero dizer que nunca posso ser absolutamente leal... Não está em mim. Adoro mulheres, ou a vida, demasiado... Não sei de que gosto mais. Mas ri, Anais, adoro ouvir-te rir. És a única mulher que tem tido um sentido de alegria, uma sábia tolerância... Já não mais pareces querer fazer com que eu te traia. Amo-te por isso. E por que fazes isso? Amor? Oh, é maravilhoso amar e ser livre ao mesmo tempo.

Não sei o que esperar de ti, mas é algo parecido com um milagre. Vou exigir tudo de ti... Mesmo o impossível, porque tu o encorajas. És realmente forte. Até gosto da tua falsidade, da tua traição. Parece-me aristocrática. (Será que "aristocrática" soa mal na minha boca?)

Sim, Anais, estava a pensar em como posso trair-te, mas não consigo. Quero-te. Quero despir-te, vulgarizar-te um pouco... Ah, não sei o que digo. Estou um bocado bêbedo porque tu não estás aqui. Gostaria de bater palmas e... «voilà»: Anais! Quero ter-te, usar-te. Quero fazer amor contigo, ensinar-te coisas. Não, não te dou o devido valor... Deus queira que não! Talvez até queira humilhar-te um pouco... Porquê, porquê? Por que é que não me ajoelho e te adoro? Não consigo. Amo-te risonhamente.

Gostas disso? Querida Anais, sou tantas coisas. Tu só vês as coisas boas agora... Ou, pelo menos, levaste-me a pensar isso. Quero-te pelo menos durante um dia inteiro. Quero ir a sítios contigo... Possuir-te. Não sabes o quão insaciável sou. Ou o quão tortuoso. Ou o quão egoísta!

Tenho-me portado bem contigo. Mas aviso-te de que não sou um anjo. Penso principalmente que estou um pouco bêbedo. Amo-te. Vou para a cama agora... É demasiado doloroso permanecer acordado. Amo-te. Sou insaciável. Vou pedir-te para fazeres o impossível. O quê, não sei. Provavelmente dir-me-ás. És mais rápida do que eu. Adoro a tua ***, Anais... Põe-me louco. E o modo como dizes o meu nome! Deus, é irreal. Ouve, estou muito bêbedo. Dói-me estar aqui sozinho. Preciso de ti. Posso dizer-te qualquer coisa? Posso, não posso? Vem depressa então, e faz amor comigo. Explode comigo. Enrola as tuas pernas à minha volta. Aquece-me."

Henry Miller, in "Carta de Henry Miller a Anais Nin, 1932"



Fonte: Obvious

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