Recolhemos nossas flores secas da janela antes de fechá-las. Nossos sentimentos embrulhamos em jornais velhos e guardamos dentro de caixas de papelão. O caminhão de mudança levava embora a rotina que tivemos juntos. Objetos que davam identidade a nossa relação. Uma casa montada com afeto e com aquela sensação de eternidade, esvaziada de tudo, de tanto. Você me ofereceu uma carona até o aeroporto, mas preferi ser amparada por um taxista qualquer, um desconhecido que não falasse em corações partidos ou separações doloridas, mas no clima abafado, no prenúncio de chuva, nas nuvens que cobriam o céu por todos os lados. Quis tanto conseguir chorar quando tocou “cry me a river” no rádio, mas eu estava tão ressecada por dentro. Quis tanto que a corrida demorasse para que eu olhasse, talvez pela última vez, a cidade pela janela, amada por todos aqueles anos. Quis que o voo não atrasasse, que as malas extraviassem, que eu pudesse recomeçar minha vida só com a roupa do corpo. Só com meu livro de bolso e meu batom cor de sangue.
Dentro do avião, tive vertigens de pássaro que tenta alçar voo com sua asa partida. Tudo no meu canto era fragilidade e despedida. Ir embora para poder voltar para mim: foi minha única saída.
Marla de Queirozde
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