O responsável por esta reação da plateia foi Deltan Dallagnol, Procurador Geral da República e coordenador da Operação Lava-Jato em Curitiba. Ele foi um dos convidados para o debate, coordenado pelo presidente da SBPC/ML, Wilson Shcolnik. Logo após a primeira apresentação, Roberto Livianu, Promotor de Justiça de São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, convidou os congressistas a refletirem que a corrupção leva a efeitos colaterais devastadores.
Representantes de entidades de diferentes áreas da saúde participaram da mesa – Claudia Cohn, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed); Ademar José Paes Jr., presidente da Associação Catarinense de Medicina (ACM); Luiz Fernando Barcelos, presidente da Sociedade Brasileira de Análises Clínicas (SBAC); Carlos Eduardo Gouvêa, diretor Executivo do Instituto Ética Saúde (IES) e presidente Executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL); e Roberto Luiz D’Ávilla, ex-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM).
A corrupção mata
Com atenção absoluta da plateia, onde não se escutava nenhuma conversa paralela, Dallagnol fez um retrospecto dos números da Lava-Jato, onde questionou por que pessoas com altos salários continuavam envolvidas em corrupção para ganhar mais. Ele indagou à plateia por que as pessoas se corrompiam? “Impunidade e ganância. Esses podem ser os pontos-chaves para entender o que aconteceu no Brasil”, afirmou.
Os números e os dados mesmo para quem conhece os caminhos da operação no país – impressionam. “O que nos move é o mesmo que inspira o trabalho de vocês. Lutar contra o sofrimento humano”, pontuou o procurador, relacionando com a área de saúde. Ele contou que, certa vez, em uma consulta de rotina, explicou ao médico que não estava comendo direito, não praticava atividades físicas regulares e não dormia bem. A resposta que recebeu traduzia o que sente boa parte do povo brasileiro. “Deltan, pode continuar comendo mal, dormindo mal e sem fazer exercícios físicos porque o corpo aguenta, mas continua firme na Lava Jato”, disse o médico.
Ao longo da explanação, com relatos sobre diversos momentos da operação, ele lembrou que primeiro é preciso o diagnóstico, mas que é necessário continuar o tratamento. “Diagnosticar não resolve o problema da saúde, assim como não resolve o problema da corrupção. A mudança é necessária. É o mesmo efeito de um antibiótico que não fez efeito. A infecção volta”.
Dallagnol perguntou aos participantes se estavam dispostos a ajudar e convidou a cada um presente que, por três dias, espalhassem a campanha contra a corrupção para cinco pessoas, através do site unidoscontraacorrupcao.org.br. “Para salvar alguém que se ama temos que fazer de tudo. É isso que precisamos fazer pelo Brasil”, finalizou, arrancando vários minutos de aplausos, que ele agradeceu muito.
A palestra seguinte foi do promotor de Justiça de São Paulo Roberto Livianu, que citou situações vividas pelo país, onde o combate à corrupção sofre pressões políticas para que não vá adiante. “Precisamos de mais mudanças, mas não conseguimos fazer sozinhos e a sociedade acredita que pode mudar o rumo das coisas”.
Entre outros pontos, Livianu, que preside o instituto contra a corrupção, trouxe para o debate questões como o conflito de interesses em diversas áreas, lembrando que a interpretação não pode ser diferente se for para benefício próprio ou de outra pessoa. “Integridade não é modismo. Ou se tem ou não tem.”
Ele disse estar honrado em participar do evento e convidou a todos a conhecerem o Instituto, o site e a página nas mídias sociais. “Deltan falou em união e essa é a palavra-chave. Não podemos ficar nos lamuriando. Precisamos agir. Cada um fazendo a sua parte a situação pode, sim, ser diferente, se todos nós agirmos”.
A posição de diversos setores
O debate prosseguiu com a participação e visão de áreas diferentes da medicina. “Como falei no meu discurso de abertura, entendemos que a SBPC/ML precisa trazer a discussão para o nosso setor. A ética é necessária porque o impacto na saúde é muito grande. Não há acesso nem serviços qualificados. Nossa população está desassistida”, disse o presidente da SBPC/ML, Wilson Scholnik.
Claudia Cohn, da Abramed, afirmou que as associações têm uma enorme responsabilidade e que “não é possível sair pela porta, hoje, sem ter a certeza que é preciso fazer alguma coisa”. Ela detalhou o processo complexo que envolve desde a escolha até o pagamento do serviço. “Quem paga não é o médico e quem escolhe não é o paciente. São vários atores e alguns deles pressionados. A linha reta é a indicação por uma questão técnica e não era isso que estava acontecendo”.
O evento é um marco na história no setor de saúde e levantar o debate para o final do 52º Congresso da SBPC/ML é uma atitude corajosa, disse Carlos Eduardo Gouvêa, do IES e da CBDL, “Trazer a informação para o nosso mercado para combater a corrupção é fundamental. O Instituto tem hoje 240 associados, representando os diferentes setores da indústria”. Gouvêa detalhou como funciona o IES e que recebeu cerca de 600 denúncias, com 1,5 mil denunciados, entre médicos, hospitais, laboratórios e instituições públicas.
“Perdemos muito tempo. As entidades médicas e instituições ficaram adormecidas e se achando autossuficientes para resolver as mazelas internas”, foi o diagnóstico do momento, feito pelo ex-presidente do CFM Roberto Luiz D’Ávilla. Para o médico, o número de denúncias em relação a incentivos e comissões, por exemplo, são raros, porque denunciantes e denunciados convivem muito bem.
D’Avilla explicou que não é possível uma denúncia anônima ao CFM. “Posso afirmar que não há corporativismo. Os fatos são apresentados e o julgamento acontece. Os pacientes depositam confiança em nós e os interesses deles têm que estar acima de qualquer coisa”, que atuou também como corregedor do Conselho.
“É preciso levar a discussão e o engajamento para a sociedade. Não adianta só a discussão e propor ações aqui dentro de sala se não conseguirmos chegar à população”, enfatizou Ademar Paes Jr, presidente da ACM. Ele explicou que a transparência é necessária porque traz confiança às ações. Destacou o acesso à saúde como um dos principais problemas e não só no setor público, mas também no privado. “Aliás, nenhum dos dois está funcionando direito”. Também mencionou a necessidade de dados para melhor avaliar a situação do país.
Wilson Shcolnik comentou que existem denúncias, mas que também há dificuldades em relação a dados para decisões e que esse fato precisa ser avaliado com atenção, para que seja tomada uma atitude em benefício do paciente.
Luiz Fernando Barcelos, presidente da SBAC, disse que gostaria muito de estar indignado com as colocações no debate, mas o setor vivencia o problema. “Infelizmente, a corrupção existe. Tem como provar? Muito difícil conseguir”, lamentou. Ele explicou que o país vive um momento muito complicado na área de saúde e que em diversos momentos o médico precisa se cercar de segurança, fazendo solicitação de muitos exames, porque nunca viu o pacientes antes e nem sabe se verá uma segunda vez.
Shcolnik falou sobre divulgação de informações nos Estados Unidos, com dados online na área de saúde disponíveis na internet (Open Payment), e que no Brasil, em Minas Gerais, existe uma lei similar de transparência, regulamentada por um decreto de 2017. “É preciso maior transparência entre médicos, indústria, distribuição de medicamentos e insumos. Não estamos fora disso. Precisaremos de lei federais para disciplinar?”, questionou o presidente da SBPC/ML.
Entre as conclusões dos participantes está a necessidade de educar, que seja feito um trabalho em conjunto de conscientização em todos os segmentos, com leis e sem impunidade.
“Estamos vivendo novos tempos e que cada um de nós coloque a mão na consciência, contando com os esforços de todos para mudar o quadro que existe no Brasil, que tanto corroem os nossos recursos”, finalizou o presidente da SBPC/ML.
Texto: Patrícia Bernardo: DC Press
Fonte:http://www.sbpc.org.br/noticias-e-comunicacao/etica-em-debate/
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