domingo, 13 de setembro de 2015

A beleza e os verbos


A beleza e os verbos
por Marcelo Coelho

Dizendo que seu corpo “pediu para parar”, Gisele Bündchen, 34, anunciou o fim de uma carreira iniciada aos 14 anos.

Entre as primeiras imagens da modelo e as que conhecemos atualmente, muita coisa mudou. A Gisele de hoje já aparece, a nossos olhos, com a palavra “sucesso” carimbada na testa; o movimento selvagem dos cabelos dá a impressão de que a modelo não simplesmente olha ou anda em nossa direção: ela avança, afirmativa como poucas.

Vinte anos atrás, Gisele surgia como uma espécie de prodígio físico, combinando a naturalidade infantil do anonimato com o prazer já adulto de se saber admirada. O fotógrafo Angelo Pastorello contou à Folha que, nessa idade, Gisele “já tinha uma noção de corpo e de posicionamento para a câmera inacreditáveis.” Não falou de beleza.

No início, houve quem implicasse com o nariz dela; meio grande, meio largo, quem sabe. A modelo de maior sucesso no mundo talvez não seja a mulher mais bonita do mundo. É um clichê das próprias estrelas da moda dizerem que não se acham tão lindas assim, e pensando bem não é difícil concordar com algumas delas.

Seria engraçado fazer uma lista das supermodelos “mais feias” da atualidade. E haveria, afinal de contas, boa dose de elogio nisso: estaríamos valorizando o “talento profissional”, mais do que a condição genética das escolhidas.

A mais bonita não é a mais elegante, nem a mais charmosa, nem a mais enigmática, nem a mais “classuda”, nem a mais sexy. Será exagero dizer que a beleza, em si, “não existe”. Mas no mínimo existem diferenças entre ser bonita, estar bonita, parecer bonita, agir como se fosse bonita, e sentir-se bonita.

Ou ter sido bonita. As fotos de modelos que aparecem nesta edição se estendem por um arco que vai dos 30 e muitos aos quase 80 anos. A juventude foi aos poucos se descolando de cada rosto; de forma ainda mais espantosa, ainda mais nessas imagens de nudez, é a própria pele que parece se descolar do corpo.

Vemos que a pele, afinal, não passa de outra roupa, de um tecido especial, entre os vários que se deitam e se dobram aos pés das retratadas. O drapeado de todos os vestidos com que desfilaram se imobiliza; o andar rápido, a pressa inatingível das modelos na passarela se transforma, em tons de cinza claro e azul pálido, numa queda lentíssima de geleira.

Se o corpo é outro, o espírito parece contudo indestrutível. Estas modelos continuam a ser modelos, continuam a ser intocavelmente perfeitas quando se colocam diante da câmera fotográfica.

Aquele clássico ar de poucos amigos, que não se pretende sedutor, funciona nas fotos de moda, independentemente da idade. Estou acima de você: sou um ideal que você jamais alcançará; nem de roupa preciso, que dirá de juventude, para que minha superioridade se comprove. Eis os olhos semicerrados; o nariz de faca; o cabelo triunfal; os ossos, os ossos, os ossos.

Impactado pelas saudabilíssimas jovens californianas de seu exílio, na década de 1940, o filósofo alemão Theodor Adorno (1903-1969) desenvolveu a teoria de que, mesmo pelo telefone, é possível saber se uma mulher é bonita ou não.

Ele queria dizer que a beleza física ajuda a criar autoconfiança extrema, e certeza de se estar sendo sedutor. Será?

Pelo menos no começo, nos primeiros encontros, na conversa pelo telefone, a beleza ostenta serenidade. Mas o contrário também acaba acontecendo. Não digo a pessoa bonita, mas a pessoa absolutamente estonteante, pode se tornar insegura, mimada, infantil até a loucura.

Qualquer um de nós provavelmente se acha melhor pessoa agora do que quando tinha quarenta, trinta, vinte, quinze ou sete anos (escolha conforme a sua faixa etária).

De modo que continuamos vaidosos. Sorte nossa. Ai das câmeras! Que nos suportem bem.

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