As histórias de amor têm história - e uma longa história. Ignoto desde o princípio, o amor motivou versos, comédias e tragédias, revelando-se sempre a tragicomédia do teatro da vida. Culminando em mortes, tristezas ou duvidosas felicidades eternas, ele foi contado e cantado nas mais diferentes épocas dos mais díspares modos. Enfim, as histórias de amor têm história.
O amor – ah, o amor... – provavelmente é o tema mais recorrente da Literatura. Desde os folhetins românticos – ou até antes deles – enlaces e desenlaces que culminam em um final feliz – ou triste, mas igualmente “bonitinho” – desafiam escritores e cativam leitores. Amor vende.
Amor, no entanto, é daquelas palavras com mil sinônimos, e todos contestáveis. Mudou muito de sentido através das épocas. Já nos primeiros escritos conhecidos no Ocidente, a relação bem-querer ou dependência estabelecida entre duas pessoas toma destaque.
“No princípio, criou Deus os céus e a terra.”
Não. Eu não exagerei na máxima “começar do começo”. A primeira história de destaque começa desse jeito: Adão e Eva. Ela foi feita para ele – o fato de a frase anterior ser literal acaba com o romantismo. Embora a narrativa bíblica não enfoque o amor entre ambos, a questão de eles pecarem juntos e serem punidos juntos dá a ideia da aliança criada entre eles.
A Bíblia encerra em si muitas histórias de amor - em seus escritos, o sábio Salomão destaca que "o amor é forte como a morte". Mas todas elas colocam o homem sempre como agente e a mulher ou como possessão ou como perdição: Isaque e Rebeca, ela foi resposta divina à procura dele por uma mulher ideal; Jacó e Raquel, ele trabalhou durante sete anos para tê-la como esposa e, após um contratempo criado pelo sogro, acabou por trabalhar mais sete anos para possuí-la; Sansão e Dalila, ele perdeu-se por causa dela; O rei Davi é um caso à parte, seu relatório de conquistas inclui uma esposa recebida após uma vitória militar (Mical) e outra recebida após um adultério e um homicídio (Bate-Seba); Oséias e Gomer, ela era prostituta e ainda assim eles casaram-se e tiveram filhos, ela voltou à prostituição e vendeu-se, mas ele comprou-a novamente.
Após as narrativas hebraicas, o modo grego de ver o amor e suas nuances toma o centro das atenções. Homero descreve o amor clássico em “Ilíada” e “Odisseia”, desde o Eros avassalador de Páris e Helena até o amor paciente de Ulisses que tenta a todo custo voltar para casa.
"Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou,
depois que de Troia destruiu a cidadela sagrada.
Muitos foram os povos cujas cidades observou,
cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar
os sofrimentos por que passou para salvar a vida,
para conseguir o retorno dos companheiros a suas casas."
(início de "Odisseia", obra atribuída a Homero)
Na lira da poetisa Safo, o amor toma outro rumo. A barda de Lesbos dedicou seus versos a belas moças, apesar de sua relação sentimental com o poeta Alceu. Seus versos mais vívidos e acesos foram dedicados a sua pupila Átis.
"Pois basta que, por um instante, eu te veja
para que, como por magia, minha voz emudeça;
sim, basta isso, para que minha língua se paralise,
e eu sinta sob a carne impalpável fogo
a incendiar-me as entranhas."
(do poema "A Átis", atribuído a Safo de Lesbos)
No dramaturgo Sófocles, o amor tomou outro rumo. Na pele de Édipo, o amor ganhou a curvas desenhadas pelos deuses do Olimpo. O fatalismo do teatro grego faz o protagonista matar seu pai e casar com sua mãe (amor?). O caso possui tamanha complexidade que foi base para os estudos de Freud - algo em torno de 24 séculos depois.
Na mitologia, os deuses mais humanos já imaginados no Ocidente tomam para si os ciúmes, as rixas, as paixões, os rompantes, as traições, enfim, tudo o que há de mais animalesco em nós. São muitos os exemplos da mais vil humanidade entre os deuses: Plutão (deus do submundo) rapta Prosérpina para fazê-la esposa e, após intrigas, decide-se que ela passaria metade do ano no mundo dos mortos (correspondente ao inverno) e outra metade na superfície (correspondente ao verão); o próprio Zeus coleciona casos com deusas e mortais, mesmo sendo o consorte de Hera.
Da produção grega à produção romana, muito pouco muda na visão do amor e poucas são as histórias de destaque. A história - na verdade, a tragédia - que mudaria o rumo da história das histórias de amor é um lenda medieval: Tristão e Isolda.
Sua originalidade levou-a a ser base de outras lendas, de romances, de óperas e peças teatrais, além de ser influência para quase todos as histórias de amor posteriores a ela. Pela primeira vez, o termo "paixão" é vinculado ao termo "amor". Explico: Paixão vem do latim e significa sofrimento, já Amor, do latim "amore", significa bem-querer.
Tristão é o bravo jovem que busca uma esposa para seu tio, Marcos. Na Irlanda, encontra a bela Isolda. Na volta à Bretanha, ambos bebem o vinho do amor e apaixonam-se perdidamente. Isolda, ainda assim, casa-se com Marcos, mas eles mantêm a relação pecaminosa e transgressora. Descobertos, Tristão é expulso do reino. Na hora da morte, Tristão chama Isolda e ela morre de tristeza.
É a primeira vez em que o amor entre um homem e uma mulher é causa de sofrimento para ambos. O mito do amor impossível nasce aí. A dor da paixão inconcretizável tem aí suas raízes.
Fonte:http://lounge.obviousmag.org/a_razao_singular_do_segredo/2013/03/a-historia-das-historias-de-amor-parte-13.html
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