Queridos alunos, resolvi postar esta entrevista de 2003 para sanar as dúvidas de muitos quanto às expectativas de Aldemir em relação as suas obras. Beijos.
Reportagem da Revista Isto É em 10/02/2003
Uma vida em nome da arte
O artista plástico cearense comemora 80 anos em plena produção e se orgulha de realizar o sonho de pintar somente aquilo que gosta
Dirceu Alves Jr.
Dirceu Alves Jr.
Em 1946, o artista plástico Aldemir Martins chegou a São Paulo com um sonho. Queria fazer apenas aquilo que quisesse, trabalhar na hora em que bem entendesse e escolher para quem vender sua obra. Aparentemente, muita pretensão do rapaz nascido em Ingazeiras, no interior do Ceará. Mas, aos 80 anos completados em novembro, Aldemir Martins respira feliz por ter conseguido o que tanto almejava. É dono do próprio nariz e, há mais de meio século, vive de arte. Sem dar a menor satisfação para ninguém. Ou melhor, para quase ninguém.
A única pessoa que faz Aldemir adoçar essa eterna rebeldia adolescente é Cora, sua mulher há 53 anos e mãe de seus filhos, Pedro, 52, e Mariana, 43, que lhe deram três netos. “Cora implica até hoje que ando sujo de tinta, que fico com as unhas grandes. Não se acostuma. Por isso, só trabalho em casa se tenho alguma encomenda urgente”, conta ele, que mora próximo ao Parque do Ibirapuera e mantém um ateliê no bairro do Sumaré, também na capital paulista. “A Cora é uma companheira. Quando foi morar comigo, precisávamos de 100 contos todo dia para comprar comida. Saía com meu trabalho debaixo do braço e precisava vender para comer”, lembra o marido, sem disfarçar a emoção.
Em nome da arte, Aldemir ainda driblou a teimosia do pai, que sonhava em transformar o filho em um estabilizado funcionário público. “Meu pai passou a vida olhando meus quadros e perguntando o que era aquilo”, conta Aldemir, que, na adolescência, em Fortaleza, foi aconselhado por uma professora a desistir da pintura. A partida do Ceará, em 1945, começou repleta de frustrações. Depois de viajar 15 dias em um navio, ele chegou ao Rio de Janeiro e viu que não garantiria o sustento apenas como ilustrador de jornais. “Para ser funcionário público teria ficado no Ceará, fui buscar outras chances em São Paulo e aqui estou até hoje”, diz.
Depois de participar da Bienal de São Paulo, Aldemir carimbou o passaporte e levou o prêmio internacional de desenho da Bienal de Veneza, em 1956, um estímulo para passar dois anos em Roma. “Vi de perto a obra de Michelangelo e Gioto. Achei tudo uma droga. Gosto é dos artistas brasileiros”, diz o pintor, que também assinou as capas das primeiras edições de Terras do Sem Fim, Gabriela, Cravo e Canela e Pastores da Noite, do amigo Jorge Amado. “Para a capa do Pastores da Noite, desenhei um negro, e o rapaz era branco. Lia os textos, mas, às vezes, me passava”, diverte-se.
Aos 80 anos, ele evita listar conselhos para uma maturidade saudável. Garante que é só ter consciência de que não tem mais 40 anos. “Se a gente ainda pudesse mentir para si mesmo, mas não dá. Uma hora começam a aparecer as doenças crônicas, como essa cardiopatia que tenho”, conforma-se. O cigarro foi abandonado há poucos anos, e o charuto, agora, é um parceiro fiel. Aldemir come toucinho, carne-seca, feijoada e saboreia uma boa cachaça. Seu descanso é o trabalho. O ano de 2002 foi fechado com cerca de 70 quadros produzidos, motivo de orgulho. Só uma coisa deixa Aldemir Martins irritado: ouvir que o carro-chefe de sua obra são os retratos de gatos. “Eu odeio gatos, mas comecei a pintar e vende feito água. Prefiro os pássaros, que são livres. Juro que nunca vou pintar um cachorro. Venderia muito e eu não pararia jamais”, promete. Concessões em nome de seus admiradores à parte, Aldemir Martins exibe um largo sorriso e confirma, satisfeito: “Realizei meu sonho”.
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