quarta-feira, 28 de março de 2018

SOBRE O ABRAÇO














O pai pega a menina no colo e os dois se abraçam. Observo, 

sentada próxima à mesa onde estão. Coisa bem bolada essa dos braços se encaixarem. Uma possibilidade tão perfeita que parece que já foram imaginados também com esse propósito. Mas o melhor do abraço não é a ideia dos braços facilitarem o encontro dos corpos. O melhor do abraço é a sutileza dele. A mística dele. A poesia. O segredo de literalmente aproximar um coração do outro para conversarem no silêncio que dá descanso à palavra. O silêncio onde tudo é dito sem que nenhuma letra precise se juntar à outra. O melhor do abraço é o charme de fazer com que a eternidade caiba em segundos. A mágica de possibilitar que duas pessoas visitem o céu no mesmo instante.

A menina e o pai se abraçam. Nenhum dos dois percebe que o meu olhar filma a cena. É bom sinal que não percebam, porque no abraço bem fruído as duas vidas se ocupam de contemplar somente a paisagem que compartilham. Os olhos se tornam surdos para qualquer registro que esteja fora do ambiente construído. Talvez seja por isso que costumamos fechar os olhos quando abraçamos: para abri-los para dentro. Quando inclui o sentimento, o abraço é um portal que dá acesso às regiões mais arborizadas do coração da gente. Lá onde cantam passarinhos. Lá onde voam borboletas. Lá onde se respira grande sem ter a alma contraída. Lá onde experimentamos o amor ensolarado, por mais nuvens encharcadas de medo que também existam em nós.

A menina abraça o pai e repousa o rosto em seu ombro. Eu reparo a delicadeza com que ela o faz. Nada nela parece desejar retê-lo. Nada nela parece querer que aquele encontro dure mais do que o tempo que puder durar. Ela parece saber que o abraço não precisa ser demorado para ser longo. Se plenamente sentido, o seu efeito é duradouro. A energia que produz é capaz de circular por tempo indefinido nas vidas que o experimentam. E, depois, pode ser acionada a qualquer momento no lugar da memória onde são guardadas as belezas que não perdem o frescor.

A menina adormece abraçada ao pai. Ele se movimenta vagarosamente de um lado para o outro, sob o ritmo de uma música que somente ele ouve e que ela deve sentir em algum lugar do seu sonho. Ainda atenta ao espetáculo amoroso que assisto sem que ninguém perceba, curto a felicidade de não ter o coração curtido. De poder me aquietar para ouvir aquele poema escrito pelos gestos. Nem todos os abraços se transformam em sono e isso é tão verdadeiro quanto a constatação de que todos os genuínos oferecem repouso. Armam redes na alma da gente, onde as emoções se deitam e balançam aconchegadas. Não há lugar algum para onde ir enquanto acontecem. Apenas ficar ali, dentro deles, e dividir esse conforto.

Adormecida no abraço do pai, a menina o envolve com seus braços, dois pequenos laços de fita morenos. O abraço é também isso: um presente que duas vidas oferecem uma a outra e desembrulham juntas. Pago a conta e saio do restaurante. Tarde bonita, um bocado de sol ainda pousado na tranquilidade da Lagoa. Sigo em direção ao meu destino com o coração enternecido, sintonizada com a suavidade das lembranças afetivas que aquela cena trouxe à tona. E grata, muito grata, por num tempo de tantas feiuras, ainda ser capaz de admirar a beleza preciosa de um abraço de amor.



© ANA CLÁUDIA SALDANHA JÁCOMO
In Cheiro de flor quando ri 1
(publicado em 14 de Março de 2010)

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