terça-feira, 19 de dezembro de 2017

O que aprendi sobre os mineiros casando com uma mineira - Fabrício Carpinejar



Belo Belo 
O que aprendi sobre os mineiros casando com uma mineira
Publicação: 12/12/2017 - Jornal Estado de Minas
Agora morador de BH, o poeta e cronista Fabrício Carpinejar escreve sobre a capital mineira

Mineiro gosta de vento. O vento em Belo Horizonte é pássaro sem gaiola, é ave solta.

Mineiro continua acreditando na janela aberta, na brisa do entardecer, que o clima vai refrescar de noite. Não é fã de ar-condicionado. O vento deve estar livre para surpreender as pálpebras, jamais enjaulado em um controle remoto.

Mineiro respeita a chuva, para lavar as mágoas e levar as tristezas embora.

Mineiro gosta de beber, bem mais que o carioca, porque não precisa de praia para ter motivo.

Mineiro gosta de morro, pois a ladeira treina o suspiro. E subindo ele encontra as melhores paisagens.

Todo mineiro, no alto de um prédio, procura a sua casa. E aponta com o orgulho para os filhos: é lá que moramos.

Mineiro gosta de juntar doce com salgado, queijo com goiabada, para se deliciar com os contrastes.

Mineiro gosta de trem, a ponto de construir ferrovias na fala. Não acaba uma conversa, desembarca de uma conversa.

Mineiro gosta da loucura do futebol. Comemora o título duas vezes: uma em nome de seu clube e outra para debochar do adversário.

Mineiro gosta de família. A família não tem fim. Até hoje não conheci a família inteira de minha esposa. Sempre aparece alguém novo nas festas – um primo, um tio, uma tia.

Mineiro gosta de quem cumprimenta olhando nos olhos. As palavras têm queixo erguido e honra.

Mineiro gosta de agradar com comida. Sempre leva um lanche para repartir com os colegas no emprego – um bolo, pãozinho caseiro, um doce de mãe.

Mineiro gosta de sobremesa, para recomeçar o almoço.

Mineiro gosta de expressões compridas, para estalar a língua no céu da boca.

Mineiro gosta de namorar. Quando o casamento dá certo, ele chama de namoro. Quando o casamento dá errado, ele chama de casamento mesmo.

Mineiro gosta de dizer tudo joia, vive brilhando os olhos em sua joalheria de lembranças.

Mineiro gosta da bênção de pessoas mais velhas.

Mineiro gosta de trânsito, de ver as pessoas passando das janelas dos carros e das varandas dos prédios.

Mineiro gosta de praças, e praças que tenham o coração de um coreto.

Mineiro gosta de atravessar o silêncio estranho das avenidas, no retorno das festas.

Mineiro gosta de tirar os sapatos para longe quando chega em casa – os sapatos são cachorros dormindo debaixo dos móveis.

Mineiro gosta de emendar programas, juntar saídas, prolongar passeios, para criar saudade do lar.

Mineiro gosta de comemorar aniversário por vários dias. Se é para envelhecer, que seja com vontade.

Mineiro gosta de velório, para elogiar os seus mortos e recomendá-los aos anjos.

Mineiro gosta de batizado, para reclamar que foi muito longo.

Mineiro gosta de trabalho, para passar adiante um telefone fixo aos amigos. Ele ainda conserva o orgulho do cartão de visita.

Mineiro gosta de piadas inspiradas em fatos reais.

Mineiro gosta de fazer o caminho mais longo para provar que não é preguiçoso. Vai devagar pelo prazer da estrada.

Mineiro gosta de acordar cedo no fim de semana, só para contrariar as normas.

Mineiro gosta de sorvete para a língua disputar corrida com o sol.

Mineiro gosta de torresmo, para testar os dentes.

Mineiro gosta de cafezinho passado na hora, para se sentir visita.

Mineiro gosta de se explicar direitinho, nunca é direto.

Mineiro gosta de filmes sem legendas, nada de ironias, sarcasmo, ambiguidades. É ou não é.

Mineiro gosta do choro de uma viola, para homenagear os galos dos quintais da infância.

Mineiro gosta de ir à reunião de condomínio, só para ninguém fazer fofoca dele.

Mineiro gosta de santos, para não sobrecarregar Deus e socializar os pequenos milagres.

Só um mineiro para entender o quanto a capital Belo Horizonte é o interior de Minas.

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