"Para que o caráter de um ser humano revele qualidades verdadeiramente excepcionais, é preciso ter a sorte de poder observar os seus atos durante muitos anos. Se esses atos forem desprovidos de todo o egoísmo, se o ideal que os conduz resulta de uma generosidade sem par, se for absolutamente certo que não procuram recompensa alguma e se, além disso, ainda deixam no mundo marcas visíveis, estamos então, sem sombra de dúvida, perante um caráter inesquecível.
Lugares onde se vive mal. As famílias vivem encostadas umas contra as outras neste clima de uma dureza excessiva, tanto de inverno como de verão, exasperada por egoísmos inconciliáveis. Uma ambição irracional cresce desmesuradamente, num desejo incessante de se escaparem dali. Até as qualidades mais sólidas quebram debaixo desse perpétuo contraste. As mulheres remoem rancores. Em tudo existe rivalidade, desde a venda de carvão até ao banco em que se sentam na igreja, dos vícios e virtudes que combatem entre si numa luta incessante e sem paz. E além de tudo isso, o vento incessante e sem descanso, irrita e enerva toda a gente. Há surtos de suicídio e muitos casos de loucura, quase sempre homicida.
O pastor, que não fumava, foi buscar um pequeno saco e despejou sobre a mesa um monte de bolotas. Pôs-se a examiná-las uma a uma com muita atenção, separando as boas das más. Eu fumava o meu cachimbo. Propus-me ajudá-lo. Respondeu-me que aquilo era uma tarefa sua. Pude confirmar isso mesmo, observando o cuidado com que o fazia, e não insisti. A nossa conversa resumiu-se a essa troca de palavras.
Quando juntou uma pilha razoável de bolotas, começou a contá-las e separou-as em pacotes de dez. Ao fazê-lo, ainda eliminava as mais pequenas e as que estavam ligeiramente gretadas, pois examinava-as realmente de perto. Quando conseguiu separar cem bolotas perfeitas, parou e fomos deitar-nos.
A companhia daquele homem dava paz.
Ao chegar ao lugar pretendido, pôs-se a espetar na terra o varão de ferro que trazia. Fazia um buraco, onde punha uma bolota, e depois tapava-o com terra. Plantava carvalhos.
Perguntei-lhe se a terra lhe pertencia. Respondeu-me que não. Perguntei-lhe se sabia a quem pertencia. Também não sabia. Supunha que fosse terreno comunitário ou então propriedade de alguém a quem não interessava? Para ele não era importante saber a quem pertencia a terra. E, assim, plantou as cem bolotas com cuidado extremo.
Depois do almoço, voltou à separação de bolotas. Devo ter sido bastante insistente nas minhas perguntas porque ele me respondeu. Há três anos que plantava árvores naquela região deserta, sozinho. Já tinha plantado cem mil das quais vinte mil já tinham nascido. Dessas vinte mil, ele ainda contava perder metade, devido aos roedores e a tudo o que há de imprevisível nos desígnios da Providência. Sobravam dez mil carvalhos que iriam crescer ali onde antes não havia nada.
Disse-lhe que, daí a trinta anos, esses dez mil carvalhos estariam magníficos. Ele respondeu-me simplesmente que, se Deus lhe desse vida, dentro de trinta anos teria plantado tantas outras árvores que estas dez mil não passariam então de uma gota de água no oceano.
Quando penso que um único homem, reduzido aos seus simples recursos físicos e morais, foi suficiente para fazer surgir do deserto esta terra de Canaã, acho que, apesar de tudo, a condição humana é admirável. Mas, quando faço contas a tudo aquilo que foi necessário de constância, de grandeza de alma, de persistência, de generosidade, para alcançar este resultado, sou tomado de um imenso respeito por este velho homem do campo, sem cultura, que soube levar a cabo esta obra digna de Deus.
Elzéart Bouffier morreu tranquilamente em 1947, no asilo de Banon."
http://umjeitomanso.blogspot.com.br/2013/04/o-homem-que-plantava-arvores.html
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