sábado, 29 de abril de 2017

A Política em Platão


A Política em Platão

A filosofia de Platão o conduziu desde cedo à concepção de um projeto político tão amplo quanto seu projeto filosófico e pedagógico que culminou com a fundação de sua escola: a Academia de Atenas. Desde a sua convivência com Sócrates e principalmente com sua condenação e morte, Platão esteve diante de fatos político. Ademais, a “[...] criação do projeto político de Platão teve origem, antes de tudo, nas decepções do filósofo com os modelos de governo baseados na democracia e nas ações dos governantes de seu tempo. O ponto culminante dessa criação foi a condenação e morte de Sócrates” (MENESCAL, 2009, p. 20).

A influência de Sócrates é tão grande, que ele será o protagonista da maioria das obras escritas por Platão, que nunca aparece em suas obras dando sempre voz ao seu mestre Sócrates como se ele, Platão, fosse apenas um interlocutor de toda a sabedoria de seu mestre. Como é o caso, por exemplo, de uma das obras mais importantes de Platão, a saber, A República, onde o filósofo usa o personagem do seu mestre Sócrates para dar vida ao ideal de uma sociedade justa e harmoniosa. O título da obra de Platão em grego na realidade é Politéia e segundo José Pabón e Fernández-Galiano na introdução da obra para o espanhol La República (apud PLATÃO, 2006) uma tradução mais exata para Politéia seria “regime ou governo da polis”. É principalmente a partir da tradução latina para Res publica que o título da obra ganhou essa conotação.



Dentre todas as obras produzidas por Platão e chegadas à atualidade, A República talvez seja a de maior destaque, não por ser o mais longo diálogo ou um dos mais longos escritos, mas pela exposição mais cuidada e bem definida de temas centrais do pensamento do filósofo (MENESCAL, 2009, p. 41).



A República é, com efeito, uma de suas obras principais quando o tema se refere à política mas não é a única. Platão escreveu também uma outra obra intitulada As Leis e, nesse contexto, é preciso mencionar também a Carta VII, escrita por Platão de um conjunto de XIII Cartas escritas pelo filósofo mas das quais nem todas são consideradas autênticas (PLATÃO, 1973 e 1980). A Carta VII é considerada pelos especialistas como de autenticidade menos duvidosa e apresenta uma espécie de autobiografia de Platão onde o mesmo relata as experiências que tivera na cidade de Siracusa, durante os governos de Dionísio – o velho –, e Dionísio – o jovem (BARROS, 2006; MENESCAL, 2009). A Carta VII foi escrita por Platão dirigida aos amigos e parentes de Díon, amigo e seu discípulo, por ocasião de sua morte, e também sobrinho de Dionísio, tirano de Siracusa. Foi a pedido de Díon que Platão empreendeu suas viagens a Siracusa em suas tentativas, todas malogradas, de transformar a tirania siracusana em realeza. Na Carta VII Platão fala dessas experiências (sobre as experiências de Platão em Siracusa, veja em nosso website o texto A Experiência de Platão em Siracusa).

Já a obra A República tem como tema central a discussão em torno do conceito de justiça e a sociedade ideal, mas também apresenta vários outros temas tais como: as diferentes formas de governo; as virtudes que devem possuir os governantes e que devem existir na cidade, tais como a sabedoria, coragem, temperança e justiça (PLATÃO, 1993, 427e e seguintes); a teoria do filósofo-rei; até mesmo o tema da educação e da instrução aparecem na obra (PLATÃO, 1993, 423e e seguintes) de como se deve educar governantes, guardiões e filósofos, para que executem bem a sua função.

Inicialmente o diálogo trata de refutar algumas teses apresentadas acerca da natureza da justiça, sobretudo pelo sofista Trasímaco, para quem a justiça consiste no interesse do mais forte (338c). E Sócrates irá se opor frontalmente a esta definição.



Após uma primeira investigação sobre a justiça de um homem, Sócrates propõe recorrer a algo maior, a saber, uma cidade, a fim de aí enxergar melhor a justiça (368d). Ele sugere assistir, no discurso, ao nascimento de uma cidade, a fim de ver também nascerem a justiça e a injustiça desta, objeto de sua busca (369a) (VELOSO, 2003, p. 75).



O diálogo tem continuidade com Trasímaco quando este acrescenta uma nova questão ao seu ponto de vista: o fato de que “o homem justo em toda parte fica por baixo do injusto [...] [e] jamais se verificará, por ocasião da dissolução da sociedade, que o justo tenha mais do que o injusto, mas sim menos” (343d). O que leva Trasímaco a concluir que é mais vantajoso ser injusto do que justo, como na tirania, “que arrebata os bens alheios a ocultas e pela violência” (344a), como nas questões de tributo onde “o justo, em condições iguais, paga uma contribuição maior, e o outro, menor” (343d). E mais uma vez aqui temos a definição de justiça como a vantagem do mais forte (344c). Sócrates não fica satisfeito com os argumentos do sofista e irá discorrer sobre a ideia de quantos e quais são os benefícios da justiça e de ser um homem justo (348b).

Vemos assim que é a partir do embate de ideias sobre o conceito de justiça que os protagonistas irão discorrer ao longo da obra sobre a noção de Cidade Justa. Trata-se de encontrar a Calipolis, a cidade ideal, ou a cidade verdadeira (alethiné pólis), aquela que é totalmente descrita por meio do planejamento e da reflexão, em que todos os problemas são cuidadosamente pensados e excluídos.





Disponível em: Slideshare, slide 6

Acessado em 24/02/2016

Nesta obra Platão discute ainda as diferentes formas de governo e apresenta uma justificativa racional em defesa daquela que, para ele, era a melhor forma de governo: a aristocracia ou governo dos sábios.

Dentre as diferentes formas de governo Platão discute os tipos de governo monárquico, aristocrático, democrático, tirânico, a timocracia (que é uma espécie de falsa aristocracia) e a oligarquia (o governo dos ricos). Dentre todos a tirania é a pior forma de governo.

Por fim cumpre notar que o “projeto político de Platão não se apresenta essencialmente pela questão política, mas envereda pela ética e por uma educação, orientada pela filosofia, tão necessárias à formação humana” (MENESCAL, 2009). Da mesma forma Tiago Lara (1989) aponta que o projeto político de Platão é também um projeto educativo, de formação não apenas do cidadão mas também o homem de bem. A respeito de um projeto ético-político pedagógico em Platão, veja em nosso website o artigo Projeto Ético-Político-Pedagógico na República de Platão, além de uma interpretação da alegoria da caverna sob estas diferentes perspectivas A Alegoria da Caverna.




Referências Bibliográficas



BARROS, Gilda N. M. de. Platão em Siracusa – a conversão do Tirano. Revista Internacional d’Humanitats, ano IX, n. 10, p. 31-38, 2006. Acessado em 09/02/2016.

JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

LARA, Tiago Adão. Caminhos da razão no Ocidente: a filosofia nas suas origens gregas. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989. (Coleção Caminhos da Razão)

MENESCAL, Ana Alice M. A idéia de justiça e a formação da cidade ideal na República de Platão. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Departamento de Filosofia. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, 2009.

PLATÃO. A República. Trad. Maria Helena da Rocha Pereira. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. (edição da EDUFPA disponível online)

____. Cartas. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: Universidade do Pará, 1980. Vol V

____. Marginalia Platonica. Introdução. A Carta Sétima. Trad. Carlos Alberto Nunes. Belém: Universidade do Pará, 1973.

PLATÓN. La República. Traducción, notas y estudio preliminar: José Manuel Pabón y Manuel Frenández-Galiano. Madrid: Centro de Estudios Políticos Y Constitucionales, 2006. (Colección Clásicos Políticos)

VELOSO, Cláudio William. A verdadeira cidade de Platão. Kriterion, Belo Horizonte, vol. 44, n. 107, p. 72-85, jun. 2003. Acessado em 09/02/2016.

WHITEHEAD, Alfred. N. Process and reality: an essay in Cosmology. New York: Free Press, 1978.



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