Um dos principais fatores de diferença entre nós, seres humanos, e os animais, é nossa capacidade de amar, de externar nossos sentimentos, de interagir com o outro, com o diferente, de nos emocionar.
Os animais buscam suprir necessidades primárias básicas deles próprios tais como as relacionadas à sua fisiologia e segurança (fome, sede, abrigo, reprodução); já o ser humano, além destas, busca também suprir necessidades superiores tais como as relacionadas a aspectos sociais e pessoais (inter-relações, vivências, conhecimentos, emoções), como bem estudou Abraham Maslow em sua “Hierarquia de Necessidades” demonstrada através da Pirâmide de Maslow.
Praticamente todas as necessidades superiores humanas estão relacionadas com as vivências que nós, seres humanos, tivemos ou temos na vida. Somos, portanto, o resultado das experiências vividas por nós próprios, ou pelas observações das experiências dos outros de nossa espécie; tudo isso vai construindo nosso mundo interno, tijolo a tijolo.
Porém, da mesma forma que ao longo da vida experiências e vivências vão sendo incorporadas àquilo que somos e trabalhadas na forma de reflexões, conexões e aprendizados, tais conteúdos internos também necessitam de alguma forma de vazão, de extravasamento, para que o equilíbrio do indivíduo se estabeleça; entre as diversas formas de extravasamento dos conteúdos internos de um ser humano, a arte ocupa lugar de destaque.
A arte, em suas mais diversas formas de manifestação, coloca o ser humano em contato com aquilo que em essência lhe constitui, com o que lhe é realmente importante, com aquilo que mexe com ele.
Através da arte (do objeto da criação) o artista (o criador), exterioriza, revela e expõe aquilo que constitui seu mundo interno, aquilo que é o seu âmago, a sua essência; a arte tem esse poder, o poder de dar forma, de traduzir em quadros, esculturas, palavras, temas que são a própria a matéria prima do criador.
Dentro desse contexto fica natural perceber que dificilmente encontraríamos em uma pintura de Monet as formas apaixonadas e sensuais típicas das esculturas de Rodan, ou de um texto de Veríssimo traços de um drama digno de trazer à comoção a pessoa mais racional; seus conteúdos básicos, primários, são distintos!
Em outras palavras, toda manifestação artística tem o poder de trazer consigo a intimidade de quem a criou; trata-se de um momento mágico, íntimo, único, onde a criação (a arte) revela seu criador (o artista) em uma mistura de emoções que tocam principalmente as pessoas (o público) que também guardam correlação com o mundo interno do artista.
A enorme riqueza e a complexidade de nosso mundo interno, aliada à essência do poder da arte, talvez explique a forte capacidade de ela nos conectar com a meta maior da saga humana: as emoções. Vivemos para viver emoções; as emoções humanas movem o mundo. Não é o dinheiro ou o poder que move o mundo: são somente as emoções.
Muitas pessoas querem o dinheiro para viver as diversas emoções que o dinheiro pode eventualmente lhes proporcionar. Muitas pessoas querem o poder pelas emoções que o poder pode eventualmente lhes trazer.
A matéria prima das televisões de todo o mundo são as emoções; só as emoções! Nelas trafegam livremente os esportes com suas diversas fontes de emoção, os filmes, as notícias, as telenovelas, todas fontes puras de emoção.
Os filmes vendem nada mais do que emoções, os parques temáticos também; uma “vida ideal “ talvez pudesse ser definida como uma sucessão de momentos recheados de emoções positivas.
Quando nos lembramos de fatos de nosso passado, quase sempre esses fatos se encontram relacionados a momentos onde existiram emoções, positivas ou negativas, mas que tiveram emoções. O primeiro beijo que demos, o casamento, o nascimento de um filho, uma separação, a morte de um ente querido...
Enquanto as emoções negativas forjam aquilo que somos, modelam nossa personalidade através, muitas vezes, de duras experiências vivenciadas por nós mesmos ou observadas nas vivências dos outros, as emoções positivas preenchem uma necessidade superior do ser humano: a completude, a felicidade.
Aparentemente buscamos um todo, um complemento de, e para, nós mesmos. Esse complemento encontramos nas emoções positivas existentes na vida humana e dentre elas uma que mais se destaca são as emoções geradas pelas manifestações artísticas, em suas mais variadas formas de expressão; sua energia é muito grande.
Sob o ponto de vista de quem aprecia, seja na fotografia, na música, no teatro, na arquitetura, no cinema, não importa, sensibiliza-o o igual, o parecido, toca-o o semelhante, ou aquilo que também tem a ver com seu mundo interno.
Como a arte é um canal através do qual o artista dá vazão às suas pulsões mais intimas, aos seus desejos, àquilo que ele em essência é, tendo o poder de escancarar o âmago de quem cria, e de conectar o público ao criador, quem assiste, quem lê e aprecia, necessariamente possui conexão com aquele conteúdo manifestado no objeto da arte.
É difícil alguém ser profundamente tocado por uma obra que não guarde correlação com o mundo interno desse alguém; desta forma se estabelece uma conexão silenciosa e imaterial entre aquele que cria (o artista) e aquele que aprecia (o público); ambos possuem algo em comum que é materializado pelo conteúdo que a criação carrega de maneira silenciosa e intrínseca: a própria obra.
A arte talvez seja uma das mais belas fontes de contato entre o ser humano e sua essência, independentemente deste ser humano ser o criador ou o apreciador. Por consequência, ela tem o poder de nos elevar, visto que aproxima o sagrado e o profano que habitam dentro de nós.
© obvious: http://obviousmag.org/blog_do_pensador/2016/o-poder-da-arte.html#ixzz4XzmHOXp0
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