Ressurreição, de Tolstoi;
Crime e Castigo, de Dostoievsky;
Seres que Outrora Foram Humanos, de Máximo Gorki;
“O crime e o castigo”, em O Profeta, de Khalil Gibran
“Na cadeia os bandidos presos!”, em Clepsidra, de Camilo Pessanha
Se há “seres que outrora foram humanos”, muitos continuam a sê-lo mesmo que a sociedade não dê por isso ou os não cuide como tal. E com isto surgem-nos escritores mostrando que os olhos da maioria nem sempre alcançam profundidade. Estes autores, em vez do badalado e esgotado clichê do bom e do mau, do pobre coitado e do vilão, esmiúçam personagens/heróis que apesar da sua situação de criminoso, vagabundo, estranho, bêbado, marginal...são seres humanos sensíveis, sofridos, inteligentes e não serial killers como na maior parte das vezes os fazem passar por.
É este, por exemplo, o caso de Filipe, personagem do romance de Máximo Gorki, que “não gastava todo o seu dinheiro na bebida. Metade, pelo menos, ia para as crianças de rua.” ou de Kuvalda que, ao ver o seu amigo no leito de morte, dá mostras da mais pura humanidade: “Diz-me qualquer coisa...uma palavra de consolação para um amigo...vá lá...eu amo-te, meu irmão!...”.
No mesmo patamar podemos ainda colocar Raskolnikov de Crime e Castigo que concede à esposa de um seu amigo o único dinheiro que possui. Aqui temos um breve excerto demonstrando a sua atitude:
“– Está morto! – gritou Catarina Ivanovna, olhando o cadáver do marido. – Que vai ser de mim, meu Deus? Com que o vou enterrar? Como poderei amanhã dar de comer aos meus filhos?/ Raskolnikov aproximou-se da viúva./ – Catarina Ivanovna – disse-lhe –, o seu marido contou-me a semana passada toda a sua vida e as desgraças por que têm passado. (...) A partir daquela noite, quando vi a maneira como queria a todos, e em especial como a respeitava e amava (...) tornei-me amigo dele... Permita-me, pois, que a ajude... agora... a cumprir os seus últimos deveres para com o meu defunto amigo. Aqui tem... vinte rublos...e se a minha presença lhe puder ser de alguma utilidade (...)”.
Prostitutas, ladrões...ou presidiários injustamente privados de sua liberdade, outros que havendo cometido algum crime nos são apresentados na sua essência. Seres humanos desenquadrados da sociedade da qual fazem parte, seres humanos que seguiram caminhos “desapropriados” muitas vezes por verem as injustiças que rondam o nosso sistema social bem disfarçado de perfeito.
Nestas obras é desmascarada a corrupção e os nobres cargos; é desnudada a fachada empreendida pelos “grandes” homens, bem patente nos pensamentos de Nekliudov de Ressurreição: “é evidente que não se trata de um criminoso de profissão, mas de um homem como os outros que chegou a este estado apenas porque se encontrou nas circunstâncias que engendram semelhantes indivíduos. (...)/ Nada fazemos para suprimir as condições que criam tais seres. Antes pelo contrário, favorecemos os estabelecimentos nos quais eles nascem (...)/ Formamos assim não apenas um, mas milhares de criminosos (...).”
Estes romances e poemas, tendo como questões centrais o bem versus o mal, o culpado versus a vítima, incitam à reflexão. Por que razão uns podem julgar outros, com que direito?; como podem decidir uns sobre a vida de outros? Como nos diz o profeta de Khalil Gibran: “E como ireis punir aqueles cujos remorsos são maiores do que os crimes que cometeram?”. Pois, se alguém é puro, então todos somos e se alguém é impuro, não será o nosso próprio reflexo?
Bem, e porque não conhecer “pessoalmente” Maslova, Raskolnikov, Kuvalda, Filipe e tantos outros personagens destas obras de arte? Não há nada como as ler por forma a sentir e absorver uma nova perspectiva sobre o criminoso, mais humana, menos deturpada.
Para finalizar, deixo-vos com a transcrição do poema de Camilo Pessanha, poema este que retrata com toda a sensibilidade esta problemática:
“Na cadeia os bandidos presos!
O seu ar de contemplativos!
Que é das flores de olhos acesos?!...
Pobres de seus olhos cativos...
Passeiam mudos entre as grades.
Parecem peixes num aquário.
Campo florido das saudades,
Por que rebentas tumultuário?
Serenos. Serenos. Serenos.
Trouxe-os algemados a escolta...
Estranha taça de venenos,
Meu coração sempre em revolta!
Coração, quietinho, quietinho!
Por que te insurges e blasfemas?
Pss... Não batas... Devagarinho...
Olha os soldados, as algemas.”
Ilustrações de Leonid Pasternak e D. Shmarinov
© obvious: http://lounge.obviousmag.org/escutando_arte_e_conversando_sobre_ela/2014/08/humanos-desumanos-a-imagem-do-criminoso-em-3-romances-e-2-poemas.html#ixzz4WUazzA1J
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