"Lembro bem do exato momento em que a simpatia que possuía por Fernanda atriz, virou um sentimento de admiração. Foi, ironicamente, no fim do primeiro capítulo de FIM - seu livro de estreia lançado pela Companhia das Letras - que senti certa conexão com o seu olhar pelo outro.
A arte de escrever é engraçada em vários níveis diferentes. É possível se apossar da escrita e colocar em palavras tudo o que se deseja transmitir ao seu eventual leitor, mesmo que, muitas vezes, se use o recurso de palavras rebuscadas, só para mostrar seu refinamento cultural. Infelizmente, muitos escritores nacionais sofrem dessa síndrome. Mas é possível também se deixar levar e escrever. Só escrever. Usar palavras presentes em seu dia a dia. Dar voz aos personagens exatamente como fala sua vizinha, por exemplo. Alguns escritores transpõem o seu cotidiano para o que escrevem. Assim conseguem tocar os seus leitores e fazem com que não exista uma barreira entre quem produz e quem recebe. Tudo se torna basicamente uma conversa. É como se você estivesse em uma mesa de bar com um amigo e ali falassem, entre uma cerveja e outra, por horas a fio.
Particularmente, não sei se Fernanda curte tomar uma cerveja em um boteco. Mas sei que conversamos na mesma língua. Olhamos para o outro com uma curiosidade absurda. Queremos saber mais. Saber o que acreditávamos já conhecer, mas a realidade se mostra diferente do que achávamos. Outro dia mesmo estava assistindo o Minha Estupidez, programa da Fernanda no GNT, e me vi completamente hipnotizado, não por ela, mas por sua entrevistada naquele dia, Manuela Carneiro da Cunha, uma das maiores antropólogas do Brasil. Elas falaram sobre a cultura indígena em nosso país, incluindo o assunto etnocídio, onde não se mata o indivíduo, mas se mata sua cultura. O que (in)diretamente faz frente com a história do nosso país.
A proposta do programa da Fernanda é tão simples que me deixou mais encantado ainda. Quem, nos dias de hoje, quer se mostrar por fora de algum assunto ou tema? Quem quer assumir que não sabe de algo? Logo agora que textões no Facebook pipocam por todo e qualquer motivo? E a proposta do programa é exatamente essa. Fernanda Torres entrevista intelectuais que admira a respeito de algum assunto que não domina. Isso não é bárbaro? Assumir que não entende algo e ir em busca da informação com quem realmente domina? É sensacional. Ao menos eu achei.
Foi ainda nesse programa que Fernanda relembrou sobre o filme Kuarup, de 1989. Na época, ela foi para o Parque Nacional do Xingu e podemos dizer que por lá viveu altas aventuras, mas nenhuma possível de exibir na Sessão da Tarde. Houve perrengue, era o fim dos anos 80 e as gravações aconteciam bem longe do que era possível chamar, naquele tempo, de civilização. Os maiores detalhes dessa jornada estão retratados no início de Sete Anos, livro de crônicas lançado em 2014 e que só agora, no fim de 2016 e início de 2017, peguei para ler.
Uma das minhas maiores falhas está em adiar boas leituras. Se me vi completamente preso nas páginas do primeiro livro ficcional de Fernanda, não havia motivo lógico para adiar a leitura desse livro de crônicas, certo? Mas fazemos coisas que não compreendemos, essa é a graça ou a ruína do ser humano.
Bem, com Sete Anos em mãos, me vi ainda mais impregnado pelas palavras de Fernanda. Por seu humor ácido, pela sua perspicácia com alguns encontros que teve com diretores, atores e pessoas do seu círculo pessoal de amigos. Esses encontros e a ponte que ela faz com outros acontecimentos em seus textos. Me vi, mais uma vez, como se estivesse na mesa de um bar e escutasse todas aquelas ideias. A leitura flui que é uma beleza.
Acho que foi por esse mesmo motivo que decidi me dividir com outro livro. Não quero que Sete Anos termine rápido. Quero ir aproveitando os textos o máximo que puder. Fazia tempo que não sentia tamanha ânsia de ler alguém. Acho que se fosse possível, modificaria a letra daquela música e não devoraríamos Caetano, mas Fernanda Torres. Fica a minha dica."
Fonte: Barba feita
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