1-Pode-se definir “metalinguagem” como a linguagem que comenta a própria linguagem, fenômeno presente na literatura e nas artes em geral.
O quadro A perspicácia, do belga René Magritte, é um exemplo de metalinguagem porque:
(A) destaca a qualidade do traço artístico
(B) mostra o pintor no momento da criação
(C) implica a valorização da arte tradicional
(D) indica a necessidade de inspiração concreta
2-Pietro Brun, meu tetravô paterno, embarcou em um navio no final do século 19, como tantos
italianos pobres, em busca de uma utopia que atendia pelo nome de América. Pietro queria
terra, sim. Mas o que o movia era um território de outra ordem. Ele queria salvar seu nome,
encarnado na figura de meu bisavô, Antônio. Pietro fora obrigado a servir o exército como
soldado por anos demais (...).
Havia chegado a hora de Antônio se alistar, e o pai decidiu que
não perderia seu filho. Fugiu com ele e com a filha Luigia para o sul do Brasil. Como desertava,
meu bisavô Antônio foi levado em um bote até o navio que já se afastava do porto de Gênova.
Embarcou como clandestino.
Ao desembarcar no Brasil, em 10 de fevereiro de 1883, Pietro declarou o nome completo.
O funcionário do Império, como aconteceu tantas e tantas vezes, registrou-o conforme ouviu.
Tornando-o, no mundo novo, Brum – com “m”. Meu pai, Argemiro, filho de José, neto de
Antônio e bisneto de Pietro, tomou para si a missão de resgatar essa história e documentá-la.
No início dos anos 1990 cogitamos reivindicar a cidadania italiana. Possuímos todos os
documentos, organizados numa pasta. Mas entre nós existe essa diferença na letra. Antes de
ingressar com a documentação, seria preciso corrigir o erro do burocrata do governo imperial
que substituiu um “n” por um “m”. Um segundo ele deve ter demorado para nos transformar,
e com certeza morreu sem saber. E, se soubesse, não teria se importado, porque era apenas o
nome de mais um imigrante a bater nas costas do Brasil despertencido de tudo.
Cabia a mim levar essa empreitada adiante.
Há uma autonomia na forma como damos carne ao nosso nome com a vida que construímos – e
não com a que herdamos.
(...) Eu escolho a memória. A desmemória assombra porque não a
nomeamos, respira em nossos porões como monstros sem palavras. A memória, não. É uma
escolha do que esquecer e do que lembrar – e uma oportunidade de ressignificar o passado
para ganhar um futuro. Pela memória nos colocamos não só em movimento, mas nos tornamos
o próprio movimento. Gesto humano, para sempre incompleto.
Ao fugir para o Brasil, metade dos Brun ganhou uma perna a mais. O “n” virou “m”. Mas essa
perna a mais era um membro fantasma, um ganho que revelava uma perda.
(...)
Quando Pietro Brun atravessou o mar deixando mortos e vivos na margem que se distanciou, ele
não poderia ser o mesmo ao alcançar o outro lado. Ele tinha de ser outro, assim como nós, que
resultamos dessa aventura desesperada. Era imperativo que ele fosse Pietro Brum – e depois
até Pedro Brum.
ELIANE BRUM
Meus desacontecimentos: a história da minha vida com as palavras. São Paulo: LeYa, 2014.
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N
No texto, a autora narra fatos e expõe suas opiniões relacionados à vinda de sua família para o
Brasil.
Uma dessas opiniões está explicitada em:
(A) Havia chegado a hora de Antônio se alistar, e o pai decidiu que não perderia seu filho. ( 5-6)
(B) No início dos anos 1990 cogitamos reivindicar a cidadania italiana. ( 13)
(C) Antes de ingressar com a documentação, seria preciso corrigir o erro do burocrata do
governo imperial que substituiu um “n” por um “m”. (14-16)
(D) Quando Pietro Brun atravessou o mar deixando mortos e vivos na margem que se distanciou,
ele não poderia ser o mesmo ao alcançar o outro lado. ( 28-29)
RELEIA O TRECHO ABAIXO PARA RESPONDER ÀS QUESTÕES 03 E 04.
Ao fugir para o Brasil, metade dos Brun ganhou uma perna a mais. O “n” virou “m”. Mas essa
perna a mais era um membro fantasma, um ganho que revelava uma perda. (26-27)
3-A autora associa a troca de letras no registro do sobrenome de seu tetravô à expressão um
membro fantasma.
Essa associação constrói um exemplo da figura de linguagem denominada:
(A) antítese
(B) metáfora
(C) hipérbole
(D) eufemismo
4-Diante da conduta do funcionário do governo brasileiro, é possível inferir a seguinte reação por
parte de Pietro Brun:
(A) apreço pela nova pátria
(B) respeito à memória familiar
(C) submissão às práticas oficiais
(D) desprezo pelas regras migratórias
5-Ele nunca tinha ouvido falar em Inferno. Estranhando a linguagem de Sinhá Terta, pediu
informações. Sinhá Vitória, distraída, aludiu1
vagamente a certo lugar ruim demais, e como o
filho exigisse uma descrição, encolheu os ombros.
O menino foi à sala interrogar o pai, encontrou-o sentado no chão, com as pernas abertas,
desenrolando um meio de sola.
− Bota o pé aqui.
A ordem se cumpriu e Fabiano tomou medida da alpercata2
: deu um traço com a ponta da faca
atrás do calcanhar, outro adiante do dedo grande. Riscou em seguida a forma do calçado e
bateu palmas:
− Arreda3
.
O pequeno afastou-se um pouco, mas ficou por ali rondando e timidamente arriscou a pergunta.
Não obteve resposta, voltou à cozinha, foi pendurar-se à saia da mãe:
− Como é?
Sinhá Vitória falou em espetos quentes e fogueiras.
− A senhora viu?
Aí Sinhá Vitória se zangou, achou-o insolente e aplicou-lhe um cocorote.
O menino saiu indignado com a injustiça, atravessou o terreiro, escondeu-se debaixo das
catingueiras4
murchas, à beira da lagoa vazia. (...)
Como não sabia falar direito, o menino balbuciava expressões complicadas, repetia as sílabas,
imitava os berros dos animais, o barulho do vento, o som dos galhos que rangiam na caatinga,
roçando-se. Agora, tinha tido a ideia de aprender uma palavra, com certeza importante porque
figurava na conversa de Sinhá Terta. Ia decorá-la e transmiti-la ao irmão e à cachorra. Baleia
permaneceria indiferente, mas o irmão se admiraria, invejoso.
− Inferno, Inferno.
Não acreditava que um nome tão bonito servisse para designar coisa ruim. E resolvera discutir
com Sinhá Vitória. Se ela houvesse dito que tinha ido ao Inferno, bem. Sinhá Vitória impunha-se,
autoridade visível e poderosa. Se houvesse feito menção de qualquer autoridade invisível e
mais poderosa, muito bem. Mas tentara convencê-lo dando-lhe um cocorote, e isto lhe parecia
absurdo. Achava as pancadas naturais quando as pessoas grandes se zangavam, pensava até que
a zanga delas era a causa única dos cascudos e puxavantes5
de orelhas. Esta convicção tornava-o
desconfiado, fazia-o observar os pais antes de se dirigir a eles. Animara-se a interrogar Sinhá
Vitória porque ela estava bem disposta: explicou isto à cachorrinha com abundância de gritos e
gestos.
Graciliano Ramos
Vidas secas. Rio de Janeiro: Record, 2003.
1aludiu − referiu-se a
2alpercata − tipo de sandália
3arreda − afaste-se
4catingueiras − arbustos típicos da caatinga nordestina
5puxavantes − puxões fortes
Além da limitação de não saber “falar direito”, o texto sugere outros fatores que tornam a
comunicação um problema para o menino.
Explicite dois desses fatores.
6-No último parágrafo, apresenta-se a reflexão do menino sobre duas formas de convencimento
que se opõem, para tentar estabelecer aquela que o convença melhor.
Identifique essas duas formas de convencimento. Em seguida, apresente um aspecto que, do
ponto de vista do menino, tornaria uma das formas de convencimento mais válida do que a
outra, segundo o texto da questão 5.
7-A EDUCAÇÃO PELA SEDA
Vestidos muito justos são vulgares. Revelar formas é vulgar.
Toda revelação é de uma vulgaridade
abominável.
Os conceitos a vestiram como uma segunda pele, e pode-se adivinhar a norma que lhe rege a
vida ao primeiro olhar.
Rosa Amanda Strausz
Mínimo múltiplo comum: contos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1990.
A narrativa condensada do texto sugere uma crítica relacionada à educação, tema anunciado no
título.
Essa crítica dirige-se principalmente à seguinte característica geral da vida social:
(A) problemas frequentes vividos na infância
(B) julgamentos superficiais produzidos por preconceitos
(C) dificuldades previsíveis criadas pelas individualidades
(D) desigualdades acentuadas encontradas na juventude
8-O conto contrasta dois tipos de texto em sua estrutura.
Enquanto o segundo parágrafo se configura como narrativo, o primeiro parágrafo se aproxima
da seguinte tipologia:
(A) injuntivo
(B) descritivo
(C) dramático
(D) argumentativo
9-Os conceitos a vestiram como uma segunda pele,
O vocábulo a é comumente utilizado para substituir termos já enunciados. No texto, entretanto,
ele tem um uso incomum, já que permite subentender um termo não enunciado.
Esse uso indica um recurso assim denominado:
(A) elipse
(B) catáfora
(C) designação
(D) modalização
10-...pode-se adivinhar a norma que lhe rege a vida ao primeiro olhar.
A expressão destacada reforça o sentido geral do texto, porque remete a uma ação baseada no
seguinte aspecto:
(A) vulgaridade
(B) exterioridade
(C) regularidade
(D) ingenuidade
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