Não chega a ser surpreendente o palavreado chulo, o machismo, o preconceito das conversas em que o presidente se sentia à vontade com seus interlocutores. O retrato falado de Lula é assim mesmo. O problema não são os maus modos do ex-presidente, mas sim as tentativas de uso do Estado em seu proveito e proteção. “Era preciso você chamar o responsável e falar ‘que porra é esta?'”, ordenou Lula ao ministro da Fazenda, se referindo à Receita. E o que diz o ministro? Nada. O que ele deveria dizer: lembrar que os auditores fiscais têm autonomia, que não se usa a máquina para proteger alguns, e para perseguir outros. Afinal, o ex-presidente havia sugerido ao ministro acompanhar o que a Receita fazia junto com a Polícia Federal, avisando que o Instituto Lula mandaria para ele as informações sobre a atuação dos fiscais. A nota do Ministério da Fazenda diz que nada recebeu do Instituto. Isso é insuficiente. O que se esperava do ministro é que ele reagisse em defesa dos órgãos dos quais é superior hierárquico apenas temporariamente. O Fisco tem que ser neutro, ele é guardião do sigilo fiscal dos contribuintes, ele coleta o dinheiro coletivo que financiará as políticas públicas. A Receita Federal é um órgão do Estado. Não é do PT.
O ministro diz: “conta com a gente para o que der e vier”. Espera-se que seja apenas uma manifestação de solidariedade por afinidade partidária. De um militante falando para o líder do partido, e que “gente” seja ele, pessoalmente, e não o Ministério da Fazenda que esteja sendo oferecido para apoio tão amplo. Lula continua “você precisa se inteirar do que eles estão fazendo no Instituto”. O ministro avisa que “eles fazem parte”. Quer dizer que a Receita integra a Operação Lava-Jato. Lula diz que se “eles fizessem isso com meia dúzia de grandes empresas resolvia a arrecadação do estado”. Diante dessa proposta de uso da Receita, o ministro diz “uhum”. Depois de mandar que o ministro chame o responsável para admoestá-lo com palavrões, ele dá a lista dos que gostaria que fossem alvos, “a Globo, o Instituto Fernando Henrique, SBT, Record” e solta outra das suas palavras favoritas. O ministro em resposta pede que Paulo Okamoto envie para ele os papéis do Instituto. Lula reclama que uma investigação contra a “Veja” está parada desde 2008. E usa outra palavra ofensiva aos agentes da Receita. O ministro disse que mandou apurar a razão de haver “velocidade diferente” de investigação. Nada nesse diálogo é “republicano”. O que está acontecendo na conversa é uma tentativa clara de uso da máquina de fiscalização e controle tributários. E lamentavelmente não encontra no interlocutor uma pessoa que lembre como a Receita Federal precisa ser num país democrático. Isso eleva os temores do que pode ter sido tratado pelos dois no encontro pessoal que tiveram depois.
Lula ainda não havia sido nomeado ministro. Era, nos momentos dos diálogos, um ex-presidente. Mas manda Jaques Wagner, então chefe da Casa Civil, que diga a presidente para falar com a ministra Rosa Weber, do STF, sobre a ação que ela julgaria. Mostra que tinha expectativa de ter um procurador-geral submisso e grato. Em outro diálogo fica claro o motivo da escolha do ministro da Justiça, Eugênio Aragão. “Fico pensando que o Aragão deveria cumprir o papel de homem naquela porra”. Assim ele se refere ao ministério mais antigo do Brasil, criado antes da independência. E o papel “de homem” é obviamente controlar a Polícia Federal. Afinal, diz, “ele parece nosso amigo”. Parece mesmo.
Em cada conversa se vê uma pessoa influente, muito influente, pela qual os ministros aguardam ao telefone e que chamam de “presidente” e da qual recebem ordens diretas de interferir no funcionamento do Estado em seu benefício e contra os seus inimigos. É o que assusta, e não as previsíveis grosserias.
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