domingo, 14 de fevereiro de 2016

A confirmação da existência de ondas gravitacionais, teorizadas por Einstein há um século, inaugura uma nova forma de estudar o Cosmos





Há muito tempo, em uma galáxia muito, muito distante, dois buracos negros se chocaram. O cataclismo provocou ondulações que viajaram por milhões de anos até alcançarem a Terra em 14 de setembro do ano passado. A chegada e, principalmente, a detecção dessas ondas eram aguardadas por físicos do mundo todo havia um século, desde que Albert Einstein propôs que a movimentação de massa produz “ondas gravitacionais” que se deslocam pelo Universo. Cinco meses depois de analisar cuidadosamente os dados obtidos, um grupo internacional de cientistas anunciou, ontem, o feito, recebido como uma das mais importantes descobertas científicas da história e forte candidato ao Prêmio Nobel de Física.

O entusiasmo se justifica. A primeira observação direta das ondas gravitacionais não só confirma a genialidade de Albert Einstein — mais uma vez, prova-se que as teorias do alemão estavam certas — como também abre importantes perspectivas de pesquisa. Além de apontar telescópios para o Cosmos e estudá-lo a partir das luzes que esses instrumentos captam, os cientistas poderão interpretar o Universo por meio de efeitos da gravidade que eram até agora imperceptíveis.

“Esse passo marca o nascimento de um domínio inteiramente novo da astrofísica, comparável ao momento em que Galileu apontou pela primeira vez seu telescópio para o céu”, afirmou France Cordova, diretora da Fundação Nacional de Ciências dos EUA (NSF, na sigla em inglês), agência financiadora do projeto responsável pela comprovação, o Laboratório Ligo (sigla em inglês para Observatório de Onda Gravitacional por Interferômetro Laser).

Distorção

O que exatamente os cientistas detectaram? Para entender isso, é preciso voltar no tempo, a 1915, quando Einstein terminava de formular a teoria da relatividade geral. Nela, entre outras coisas, o gênio propunha que a gravidade seria uma distorção provocada no espaço-tempo por objetos massivos. O espaço-tempo pode ser compreendido como uma espécie de tecido no qual todos os corpos do Universo estão dispostos, com a peculiar característica de ter quatro dimensões (as três da matéria mais o tempo).

Pesquisador da Unesp esclarece decobertas de ondas gravitacionais previstas por Einstein há cem anos

Imagine que você coloque um objeto sobre esse tecido. O resultado é uma distorção; naquele ponto, o tecido se afunda. Agora, pense que, em áreas próximas, são colocadas uma bola de boliche e uma de tênis. O objeto mais pesado cria uma depressão bem maior, capaz de fazer a bola de tênis se mover naquela direção, caindo no buraco provocado pela bola de boliche. Essa atração de um corpo menor por um maior é a gravidade, e, como mostrada nesse simples experimento, é causada pela distorção no tecido.

Ao formular essa teoria, Einstein criou, para ele mesmo, outras questões. Se a gravidade é uma distorção no espaço-tempo, o que acontece quando um objeto é movimentado intensamente? Ora, algo assim deveria provocar uma ondulação nesse tecido, respondeu o físico, como quando uma gota de água cai sobre uma lagoa. Esse efeito seriam as ondas gravitacionais, que viajariam pelo espaço (o espaço-tempo) à velocidade da luz. No entanto, corpos no espaço ficam muito longe um do outro, e por isso, acreditou o cientista alemão, não conseguiríamos sentir uma dessas ondas. Seria como esperar que a ondulação gerada por uma gota que caiu no meio do Lago Paranoá chegasse até a margem.

Nesse ponto, Einstein errou. Um século de estudos possibilitou a construção de um equipamento tão sensível que conseguiu captar uma onda gravitacional surgida a milhões de anos-luz de distância. Evidentemente, o fenômeno não foi causado pela queda de uma pequena gota, mas por algo infinitamente mais poderoso: o encontro de dois buracos negros, que produziu mais energia (em forma de onda) que toda a gerada pelas estrelas existentes no Universo observável (em forma de luz) no mesmo intervalo de tempo.

Laser

O Laboratório Ligo é formado, na verdade, por dois observatórios, um localizado em Livingston, em Louisiana, no sul dos Estados Unidos, e outro em Hanford, no estado de Washington, no noroeste do país, separados por quase 4 mil quilômetros. Quando sua construção foi anunciada, em 1990, parte da comunidade científica temeu que muito dinheiro seria gasto sem nenhum resultado. “Foi um grande risco”, reconheceu ontem France Cordova. Durante anos, o fracasso parecia se confirmar. As operações foram iniciadas em 2001, e, em 2010, os detectores, sem apresentar nenhum resultado positivo, foram desligados para melhorias. Após a reforma, contudo, o projeto foi retomado, em setembro do ano passado, data da observação anunciada ontem.

Para captar as ondas gravitacionais geradas por grandes movimentações no espaço, as instalações usam uma tecnologia conhecida como interferômetro laser, que mede o tempo que feixes de luz levam para percorrer longos túneis a vácuo. Se uma onda gravitacional atingir a Terra, o tempo de viagem do laser é alterado. Para confirmar que a máquina captou o fenômeno, as duas instalações devem reconhecer a mesma distorção simultaneamente (ver infografia).

Para a imensa equipe envolvida no projeto — são mais de mil os pesquisadores que colaboram com o Ligo, sendo alguns do Brasil —, não há dúvidas de que as ondas gravitacionais foram registradas. Ao transformar o sinal captado em um arquivo de áudio, os pesquisadores encontraram o padrão sonoro esperado do choque entre dois buracos negros, e a intensidade permitiu estimar que esse “acidente” cósmico aconteceu entre 600 milhões e 1,8 bilhão de anos atrás. Todo o estudo será detalhado em uma série de artigos publicados nas revistas Physical Review Letters e Astrophysical Journal.

“Senhoras e senhores, nós detectamos ondas gravitacionais. Conseguimos!”, vibrou David Reitze, diretor executivo do Ligo, durante a conferência organizada para o anúncio oficial, acompanhada por cientistas e jornalistas do mundo todo pela internet. “Com essa descoberta, nós humanos embarcamos em uma maravilhosa nova busca: a busca por explorar o lado distorcido do Universo — objetos e fenômenos que são feitos do espaço-tempo deformado. Buracos negros que se chocam e ondas gravitacionais são nossos primeiros belos exemplos”, completou Kip Thorne, professor de física teórica do Instituto de Tecnologia da Califórnia (CalTech) e um dos cientistas que propôs a construção do Ligo, também presente no evento.

Poucos anúncios causaram tanto entusiasmo na comunidade científica. “Essas maravilhosas observações são a confirmação de muitos trabalhos teóricos, incluindo a teoria da relatividade geral de Einstein, que prevê as ondas gravitacionais”, afirmou o renomado físico Stephen Hawking, da Universidade de Cambridge, lembrando que o próprio Einstein não acreditava em buracos negros. Outro engano do gênio.

Honraria a Einstein

Especialistas acreditam que a observação das ondas gravitacionais pode render aos cientistas envolvidos o Prêmio Nobel de Física, uma honraria dada em 1921 a Albert Einstein, o homem que propôs a existência delas. Naquele ano, a Academia Sueca Real de Ciências concedeu o prêmio ao alemão “por seus serviços à física teórica e especialmente pela descoberta da lei do efeito fotoelétrico”, anunciado por ele em um artigo de 1905.


"Essas maravilhosas observações são a confirmação de muitos trabalhos teóricos, incluindo a teoria da relatividade geral de Einstein, que prevê as ondas gravitacionais”

Stephen Hawking, físico da Universidade de Cambridge

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