Quem matou Herzog? Era 25 de outubro de 1975. Uma semana antes de o primeiro exemplar da Casa Vogue chegar às bancas, a imagem do jornalista Vladimir Herzog “suicidado” pela ditadura entrava para o lado triste da história do Brasil. Seu nome? Foi eternizado por Cildo Meireles. Enquanto o mundo do décor celebrava o bom gosto, os artistas brasileiros ainda lutavam pela liberdade de expressão, discutiam a identidade e cultura nacional e questionavam a própria função da arte.
Capaz Capaz, de Leonilson, 1983
Eram tempos de obras conceituais com pesquisas ligadas à fotomontagem, xerox, postal, Super-8 e performances. Naquele mesmo ano, Anna Bella Geiger faria a colagem História do Brasil: Little Boys&Girls e, em 1977, O pão nosso de cada dia, enquanto Anna Maria Maiolino fazia o vídeo In-Out, Antropofagia.
História do Brasil: Little Boys & Girls, de Anna Bella Geiger, 1975
Em 1978, Maiolino participava do happening Mitos Vadios, num terreno baldio da rua Augusta, ao lado de Artur Barrio, cujo trabalho tinha forte apelo político (usava carnes para criticar os assassinatos da época), além de contestar as categorias tradicionais da arte e sua relação como mercado. Barrio morava em Paris quando apresentou Livro de Carne, em 1977, mas parecia estar em sintonia com Paulo Bruscky, que, no ano seguinte, andava pelas ruas de Recife questionando o papel da arte. Nelson Leirner, sempre crítico e irônico, responderia em São Paulo: também em 1978, com as mostras Uma Linha Dura...Não Dura e Uma linha não dura...Dura, na galeria de Luisa Strina, que quase fechou por ameaça dos militares.
Cachorro azul, de Luiz Zerbini, 1984
Nesse período, aparecia em cena o nosso Beuys pernambucano: Tunga. Ele já morava no Rio e usava, em suas instalações, lâmpadas, fios elétricos e materiais isolantes, como feltro e borracha. Vale destacar, no entanto, a performance Xifópagas Capilares – reapresentada neste ano na Frieze Masters, em Londres, como um reconhecimento de seu valor histórico.
O que é arte? Para que serve?, de Paulo Bruscky, 1978
Tunga era vizinho de Rubens Gerchman, que faria, em 1975, uma de suas obras mais revolucionárias: a Escola de Arte Visuais do Parque Lage, transformada em um centro de experimentações ativo e inspirador até hoje. Palacete, cavalariças, piscina e jardins tornaram-se palco do maior movimento da década posterior: o retorno da pintura.
Tunga era vizinho de Rubens Gerchman, que faria, em 1975, uma de suas obras mais revolucionárias: a Escola de Arte Visuais do Parque Lage, transformada em um centro de experimentações ativo e inspirador até hoje. Palacete, cavalariças, piscina e jardins tornaram-se palco do maior movimento da década posterior: o retorno da pintura.
A Bela Máquina, de Carlito Carvalhosa, 1985
A exposição Como vai você, Geração 80?, em 1984, revelaria nomes como Beatriz Milhazes, Cristina Canale, Daniel Senise, Leda Catunda, Luiz Zerbini e Leonilson. A democracia venceu e o mercado estava eufórico. Os artistas? Viraram celebridades. A turma do pincel era tratada como estrela do rock nacional.
Uma Linha Dura...Não Dura, de Nelson Leirner, 1978
No mesmo ano em que o figurativismo exuberante voltava a entrar em ação no Rio, os Casa Sete – Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Paulo Monteiro, Nuno Ramos e Rodrigo Andrade – apresentavam, em São Paulo, telas influenciadas pelo expressionismo abstrato americano.
De uma forma ou de outra, tudo deveria ser plástico.
Xifópagas Capilares, de Tunga, 1984
Mas os holofotes não estavam somente no óleo sobre tela. As fotografias de Miguel Rio Branco ganharam status artístico e Walter Zanini introduziu espaço dedicado às “artes tecnológicas”
na 16ª Bienal de São Paulo, em 1981. O caráter experimental seguiria na década seguinte: o Chelpa Ferro, grupo formado por Barrão, Zerbini, Sergio Mekler e André Costa, começou a fazer barulho (literalmente) em 1994.
Amaú, de Miguel Rio Branco, 1983
Os anos 1990 foram marcados pela profissionalização e internacionalização da arte no Brasil. Os museus organizaram exposições de nomes como Louise Bourgeois, Anselm Kiefer, Henry Moore e Joan Miró, e as galerias começaram a trabalhar os mercados europeu e americano.
Livro de Carne, de Artur Barrio, 1977
Em 1992, Luisa Strina já participava da Art Basel, na Suíça, e Marcantonio Vilaça abria sua galeria, onde organizou mostras com americanos promissores com a colaboração de
Márcia Fortes. O mundo descobria Hélio Oiticica, Lygia Clark, Cildo, Tunga e Jac Leirner. Nos anos que se seguiram, não faltou participação nacional em bienais e Documentas: Barrio, Maiolino, Ernesto Neto, Rivane Neuenschwander e Renata Lucas, só para citar alguns. E se antes era preciso se consagrar no Brasil para, só depois, conquistar outros países, os artistas do século 21 crescem aqui e lá ao mesmo tempo. É o caso de Marcius Galan, que teve individual na White Cube londrina em 2013.
Leviathan Thot, de Ernesto Neto, 2006
O planeta diminuiu e a geração 2000 foi a primeira que sentiu na pele o impacto da internet: usou imagens encontradas on-line como fonte de inspiração e desenvolveu, dizem alguns críticos, uma “linguagem universal”, sem formas rígidas. Nas duas últimas décadas há, também, a criação e consolidação de museus e espaços expositivos, o que ajudou a popularizar – no melhor sentido da palavra – a arte no país.
Vista da exposição de Anna Maria Maiolino na Documenta 13, em Kassel, 2012
É a era das exposições-fenômeno, com filas quilométricas e selfie na frente de obras. A retrospectiva de Vik Muniz no MAMRio somou, por exemplo, mais de 50 mil visitantes. A arte está na moda e hoje parece haver mais “jovens galerias” do que “jovens artistas”.
Azulejaria Verde em Carne Viva, de Adriana Varejão, 2000
Mas nem tudo está perdido: os experimentos no Parque Lage continuam fazendo história. Basta lembrar de Márcia X despejando tinta azul-cobalto em funis de vidro durante a mostra Posição 2004, curada por Anna Bella Geiger e Fernando Cocchiarale. Ganhamos o mundo e as mídias
sociais, mas a necessidade de olhar para nós mesmos nunca passará. Em 1998, o curador Paulo Herkenhoff retomou o conceito de antropofagia na 24ª Bienal de São Paulo – uma das mais marcantes dos últimos 40 anos – e Adriana Varejão ainda emociona ao expor as entranhas da história do Brasil.
Integrantes do Chelpa Ferro, em 1994
Agradecimentos: Angélica de Moraes, André Millan, Eduardo Leme, Luciana Brito, Luisa Strina, Marcello Dantas, Márcia Fortes, Márcio Botner, Nara Roesler, Raquel Arnaud, Ricardo Trevisan e Silvia Cintras
Alviceleste, de Márcia X, 2004
A exposição Como vai você, Geração 80?, em 1984, revelaria nomes como Beatriz Milhazes, Cristina Canale, Daniel Senise, Leda Catunda, Luiz Zerbini e Leonilson. A democracia venceu e o mercado estava eufórico. Os artistas? Viraram celebridades. A turma do pincel era tratada como estrela do rock nacional.
Uma Linha Dura...Não Dura, de Nelson Leirner, 1978
No mesmo ano em que o figurativismo exuberante voltava a entrar em ação no Rio, os Casa Sete – Carlito Carvalhosa, Fábio Miguez, Paulo Monteiro, Nuno Ramos e Rodrigo Andrade – apresentavam, em São Paulo, telas influenciadas pelo expressionismo abstrato americano.
De uma forma ou de outra, tudo deveria ser plástico.
Xifópagas Capilares, de Tunga, 1984
Mas os holofotes não estavam somente no óleo sobre tela. As fotografias de Miguel Rio Branco ganharam status artístico e Walter Zanini introduziu espaço dedicado às “artes tecnológicas”
na 16ª Bienal de São Paulo, em 1981. O caráter experimental seguiria na década seguinte: o Chelpa Ferro, grupo formado por Barrão, Zerbini, Sergio Mekler e André Costa, começou a fazer barulho (literalmente) em 1994.
Amaú, de Miguel Rio Branco, 1983
Os anos 1990 foram marcados pela profissionalização e internacionalização da arte no Brasil. Os museus organizaram exposições de nomes como Louise Bourgeois, Anselm Kiefer, Henry Moore e Joan Miró, e as galerias começaram a trabalhar os mercados europeu e americano.
Livro de Carne, de Artur Barrio, 1977
Em 1992, Luisa Strina já participava da Art Basel, na Suíça, e Marcantonio Vilaça abria sua galeria, onde organizou mostras com americanos promissores com a colaboração de
Márcia Fortes. O mundo descobria Hélio Oiticica, Lygia Clark, Cildo, Tunga e Jac Leirner. Nos anos que se seguiram, não faltou participação nacional em bienais e Documentas: Barrio, Maiolino, Ernesto Neto, Rivane Neuenschwander e Renata Lucas, só para citar alguns. E se antes era preciso se consagrar no Brasil para, só depois, conquistar outros países, os artistas do século 21 crescem aqui e lá ao mesmo tempo. É o caso de Marcius Galan, que teve individual na White Cube londrina em 2013.
Leviathan Thot, de Ernesto Neto, 2006
O planeta diminuiu e a geração 2000 foi a primeira que sentiu na pele o impacto da internet: usou imagens encontradas on-line como fonte de inspiração e desenvolveu, dizem alguns críticos, uma “linguagem universal”, sem formas rígidas. Nas duas últimas décadas há, também, a criação e consolidação de museus e espaços expositivos, o que ajudou a popularizar – no melhor sentido da palavra – a arte no país.
Vista da exposição de Anna Maria Maiolino na Documenta 13, em Kassel, 2012
É a era das exposições-fenômeno, com filas quilométricas e selfie na frente de obras. A retrospectiva de Vik Muniz no MAMRio somou, por exemplo, mais de 50 mil visitantes. A arte está na moda e hoje parece haver mais “jovens galerias” do que “jovens artistas”.
Azulejaria Verde em Carne Viva, de Adriana Varejão, 2000
Mas nem tudo está perdido: os experimentos no Parque Lage continuam fazendo história. Basta lembrar de Márcia X despejando tinta azul-cobalto em funis de vidro durante a mostra Posição 2004, curada por Anna Bella Geiger e Fernando Cocchiarale. Ganhamos o mundo e as mídias
sociais, mas a necessidade de olhar para nós mesmos nunca passará. Em 1998, o curador Paulo Herkenhoff retomou o conceito de antropofagia na 24ª Bienal de São Paulo – uma das mais marcantes dos últimos 40 anos – e Adriana Varejão ainda emociona ao expor as entranhas da história do Brasil.
Integrantes do Chelpa Ferro, em 1994
Agradecimentos: Angélica de Moraes, André Millan, Eduardo Leme, Luciana Brito, Luisa Strina, Marcello Dantas, Márcia Fortes, Márcio Botner, Nara Roesler, Raquel Arnaud, Ricardo Trevisan e Silvia Cintras
Alviceleste, de Márcia X, 2004
O Beijo do Elo Perdido, de Daniel Senise, 1991, que esteve na 24ª Bienal de São Paulo
Três Seções, de Marcius Galan, 2013
Mona Lisa feita de geleia e manteiga de amendoim por Vik Muniz, 1997.
Três Seções, de Marcius Galan, 2013
Mona Lisa feita de geleia e manteiga de amendoim por Vik Muniz, 1997.
Fonte: Casa Vogue
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