Hundertwasserhouse - conjunto habitacional com 50 apartamentos construídos em Viena na Áustria em meados de 1985
Artista plástico, artista gráfico, filósofo, arquiteto e ativista (em prol da integração do homem com a natureza), o austríaco Friedensreich Hundertwasser deixou o mundo há quinze anos, mas o legado de sua ideologia ainda vive através de suas pinturas, cartazes, belas construções e textos.
Foto de Hundertwasser autografada, sem data, em preto e branco. Essa é a única representação do artista que não terá cores aqui.
Há mais de quinze anos quando meus olhos tocaram as páginas de um livro dedicado à obra arquitetônica de Hundertwasser pouco se sabia no Brasil sobre ele. Quase nada estava em português, contudo hoje, felizmente, já é possível tocar a essência de sua ideologia em nossa língua. A beleza de suas construções fala por si só, contudo para quem se encanta com elas, assim como por sua pintura ou qualquer tipo de representação simbólica criada pelo artista é impossível não se perguntar de onde nasceu toda essa criatividade, cheia de tanta consciência e de beleza tão díspar. Vou falar um pouquinho do que descobri em minhas andanças, contudo para estudos mais aprofundados eu indico que pesquisem aqui.
Área da fonte da construção Hundertwasser House - Conjunto Habitacional - Viena
Tendo como nome de batismo Friedrich Stowasser, Hundertwasser mudou seu nome por diversas vezes. As mudanças começaram em 1949 e terminaram apenas em meados de 1990. Friedensreich Hundertwasser Regentag Dunkelbunt foi o nome que adotou até o fim da sua vida, onde Hundertwasser significa “cem águas”, Friedensreich “reino da paz”, Regentag “dia de chuva” e Dunkelbunt “cores vivas”. Seu nome funcionava como um cartão de visitas. “Há muitas razões pelas quais um homem quer mudar seu nome. Quando ele tem muitos nomes, ele é muitas pessoas. Eu tenho muitos nomes e sou muitas pessoas".
Hundertwasserhouse - Conjunto Habitacional - detalhe da fonte - notem como o solo se ondula a ponto de se sobrepor a ela - projeto de 1985
Hundertwasser sempre acreditou que o crescimento orgânico da natureza deveria inspirar a vida do homem e que uma ornamentação saudável restauraria em nós o senso universal de harmonia. Assim, ele pretendia proteger o mundo natural e embelezar o que era criação do homem. A beleza tinha poderes mágicos e o belo um efeito curativo e ambos se encontravam na natureza.
Como filósofo desenvolveu uma série de pensamentos que serviram de base para o desenvolvimento de toda sua obra.
Uma de suas principais teorias é a das “Cinco Peles”. Resumidamente essas cinco peles seriam: a nossa epiderme, o nosso vestuário, a nossa casa, o meio social e o meio global.
HundertwasseHouse - Conjunto Habitacional - Viena - Áustria
Vou falar um pouquinho sobre cada uma delas, contudo apesar de distintas elas se interligam em vários momentos.
A primeira pele seria a natural. Cheia de intimidade, ela revestiria o corpo físico do ser humano e o seu Eu.
A pintura de Hundertwasser sempre falou diretamente a esse Eu. Para ele a pintura era um dos mais poderosos meios de expressão. Mais do que um conjunto de técnicas, suas pinceladas visavam resgatar no observador imagens interiores e pensamentos. Pintar só era válido quando capaz de despertar associações e essas associações podiam fazer referência ao presente, passado ou futuro, dizer respeito a objetos, memórias ou desejos ou ainda fazer alusão ao real, fatos ou valores. Suas pinturas tinham como intuito recordar um cheiro, uma melodia, um momento específico, pessoas ou paisagens. Elas foram pintadas para gerar humores, liberar energias e estimular à ação.
Uma de suas pinturas feitas com marcadores e tinta. Muitas cores, a presença de elementos arquitetônicos e espirais são sua marca como pintor. Notem que muito de sua arquitetura está presente em sua pintura, como se pudéssemos morar em seus quadros.
Hundertwasser sempre abominou a arte pela arte, toda sua expressão tinha fundamentos e visava levar o homem à reflexão e à prática. Espirais eram largamente usadas em suas pinturas assim como representações de elementos arquitetônicos como casas, janelas, arestas, cercas, portões e torres. Todos esses elementos serviam de ponto inicial para uma viagem interior, uma viagem equivalente a um filme subjetivo que seria diferente para cada pessoa.
Em seu modo de pensar todos deveriam criar, e isso englobava não só a pintura, mas também a arquitetura. “O habitante de uma casa ou apartamento deve ter a liberdade de inclinar-se para fora de sua janela e, tão longe quanto seus braços alcançarem, arranhar fora o reboco. Assim como tomar um longo pincel e pintar tudo ao redor de sua janela. Somente quando arquitetos, pedreiros e habitantes formarem uma unidade, ou um na mesma pessoa, nós poderemos falar de arquitetura”.
Hotel Grüne Zitadelle, com 42 quartos, finalizado em 2005, em Magdeburg, Alemanha
Hotel Grüne Zitadelle, com 42 quartos, finalizado em 2005, em Magdeburg, Alemanha
Hotel Grüne Zitadelle, com 42 quartos finalizado em 2005, em Magdeburg, Alemanha
Para ele a arquitetura racionalista, repleta de linhas retas e padronizada aprisionava o homem como coelho em uma gaiola, limitando-o.
Tanto em suas pinturas quanto em suas vestimentas e arquitetura, Hundertwasser prezava o colorido. Ele atribuía ao colorido um status sagrado. A segunda pele, a vestimenta, serviria sempre para expressar e nunca para esconder.
Hundertwasser gostava do colorido em suas obras e também nas roupas que vestia. Era ele mesmo que fazia suas vestimentas e calçados.
Partindo para o domínio da construção, do envoltório tido como terceira pele, Hundertwasser cercava-se de fundamentos. Muito do que a parecia arbitrário em suas construções era baseado em ideias desenvolvidas ao longo de anos. Se na sua pintura alguns elementos tinham origem no subconsciente, em seus projetos arquitetônicos fundamentos teóricos tornavam-se práticos. E esses fundamentos vieram de inúmeros manifestos que elaborou no decorrer da vida. “As estradas e telhados devem ter árvores plantadas. Deve ser possível respirar o ar da floresta na cidade outra vez”.
Residencial Plochingen construído em 1994 na Alemanhã
Residencial Plochingen construído em 1994 na Alemanhã
Hundertwasser pregava uma completa liberdade na construção, assim como a tolerância às ervas daninhas, bolor, marcas decorrentes do tempo e às interferências climáticas. Defendia os ornamentos, a reciclagem e a preservação do ciclo natural da vida. O homem não deveria ser banido da natureza, mas sim incorporado a ela.
Hotel Thermal Village Rogner-Bad Blumau - Áustria
Hotel Thermal Village Rogner-Bad Blumau, ficou pronto no ano de 1997 - Áustria
Hotel Thermal Village Rogner-Bad Blumau, ficou pronto no ano de 1997 - Áustria
Muitas características se repetiam em sua arquitetura. Era comum o uso de telhados verdes; de árvores por todos os espaços (dentro e fora das construções) e de janelas de diferentes tamanhos, de variadas proporções, espaçadas assimetricamente ao longo das fachadas. Essas janelas representavam a individualidade de cada morador.
Edifício Waldspirale em Darmstadt na Alemanha - 105 apartamentos distribuídos em 12 andares - Obra finalizada em 2000
Hotel Grüne Zitadelle, com 42 quartos finalizado em 2005, em Magdeburg, Alemanha
Para ele a arquitetura racionalista, repleta de linhas retas e padronizada aprisionava o homem como coelho em uma gaiola, limitando-o.
Tanto em suas pinturas quanto em suas vestimentas e arquitetura, Hundertwasser prezava o colorido. Ele atribuía ao colorido um status sagrado. A segunda pele, a vestimenta, serviria sempre para expressar e nunca para esconder.
Hundertwasser gostava do colorido em suas obras e também nas roupas que vestia. Era ele mesmo que fazia suas vestimentas e calçados.
Partindo para o domínio da construção, do envoltório tido como terceira pele, Hundertwasser cercava-se de fundamentos. Muito do que a parecia arbitrário em suas construções era baseado em ideias desenvolvidas ao longo de anos. Se na sua pintura alguns elementos tinham origem no subconsciente, em seus projetos arquitetônicos fundamentos teóricos tornavam-se práticos. E esses fundamentos vieram de inúmeros manifestos que elaborou no decorrer da vida. “As estradas e telhados devem ter árvores plantadas. Deve ser possível respirar o ar da floresta na cidade outra vez”.
Residencial Plochingen construído em 1994 na Alemanhã
Residencial Plochingen construído em 1994 na Alemanhã
Hundertwasser pregava uma completa liberdade na construção, assim como a tolerância às ervas daninhas, bolor, marcas decorrentes do tempo e às interferências climáticas. Defendia os ornamentos, a reciclagem e a preservação do ciclo natural da vida. O homem não deveria ser banido da natureza, mas sim incorporado a ela.
Hotel Thermal Village Rogner-Bad Blumau - Áustria
Hotel Thermal Village Rogner-Bad Blumau, ficou pronto no ano de 1997 - Áustria
Hotel Thermal Village Rogner-Bad Blumau, ficou pronto no ano de 1997 - Áustria
Muitas características se repetiam em sua arquitetura. Era comum o uso de telhados verdes; de árvores por todos os espaços (dentro e fora das construções) e de janelas de diferentes tamanhos, de variadas proporções, espaçadas assimetricamente ao longo das fachadas. Essas janelas representavam a individualidade de cada morador.
Edifício Waldspirale em Darmstadt na Alemanha - 105 apartamentos distribuídos em 12 andares - Obra finalizada em 2000
Edifício Waldspirale em Darmstadt na Alemanha - Vista do Playground - Obra finalizada em 2000
Suas colunas eram projetadas para serem decorativas e funcionais ao mesmo tempo, mesmo quando não estruturais elas serviam para a passagem da fiação. Todas eram revestidas com cerâmicas coloridas, tinham formatos diferentes e eram posicionadas assimetricamente. Elas eram pensadas como árvores. O chão muitas vezes se apresentava desnivelado e as paredes onduladas.
Em seus projetos as colunas eram vistas como árvores e tinham função estética e funcional
Cúpulas bulbosas quase sempre coroavam suas criações arquitetônicas. Elas eram sua assinatura. A beleza sempre foi um ponto fundamental no desenvolvimento de toda sua ideologia.
Torre de Observação finalizada na Alemanha após a morte de Hundertwasser em 2007
Pensando já na quarta pele, Hundertwasser sempre mostrou um real interesse por tudo ligado à identidade de uma nação como selos postais, bandeiras, placas de automóveis e moedas. Como artista debruçou-se sobre todos eles criando novas bandeiras, novos selos, placas personalizadas e moedas lindas, essas últimas sem valor monetário.
Em 1983, após ter morado 10 anos na Nova Zelândia, Hundertwasser desenhou uma segunda bandeira para esse país. Essa bandeira foi inspirada na população Maori que representa 15% da população da Nova Zelândia.
Hundertwasser escolheu como simbologia da bandeira o esporângio, planta típica da Nova Zelândia, adotada pelos Maori em suas tatuagens.
Pontuando a quinta pele e a ideia de preservação global, já em 1975 Hundertwasser desenvolveu latrinas de húmus para serem usadas em domicílio gerando adubos para as plantas da própria residência. Para ele o não reaproveitamento do dejeto humano quebraria um ciclo natural.
Em 1982 Hundertwasser viabilizou um sistema de purificação da água feito por plantas aquáticas, inspirado na técnica da Dra. Käthe Seidel. Esse novo elemento enriqueceria a integração do homem com a natureza em seu projeto de residência verde, algo muito condizente com o ciclo de vida da natureza, onde nada se perde.
Representação gráfica do sistema de purificação da água feito por plantas aquáticas
Os princípios para uma casa ecológica estavam dessa forma precisamente traçados. Um telhado de relva, fortificada pelo húmus da privada, com árvores, a fim de captar a água da chuva para reutilização doméstica e a filtragem das águas do esgoto feita por plantas aquáticas.
Suas construções ecológicas tiveram muita influência da permacultura, um sistema sustentável de assentamento humano, desenvolvido pelos australianos Bill Mollison e David Holmgrem em meados de 1970. O intuito da permacultura era suprir as necessidades humanas causando o menor impacto possível ao meio ambiente.
Banheiro - Kawakawa - Nova Zelândia. Esse banheiro é convencional no uso, contudo propicia a possibilidade de criar na obra através dos mosaicos.Em muitos casos o próprio Hundertwasser também trabalhava como executor.
Essa reflexão sobre o ciclo da vida levou Hundertwasser inevitavelmente ao conceito de cemitério ecológico. O homem ao morrer deveria ser incorporado pela natureza e fazer parte do ciclo natural da vida. “Nada morre, tudo se transforma. Uma pessoa deve ser enterrada somente a meio metro do chão, então uma árvore deve ser plantada sobre ela. Ela deve ser enterrada num caixão perecível, de modo que quando uma árvore for plantada ali, ela absorverá a substância humana e a incorporará. Quando você visitar essa sepultura, você não visitará um morto, você visitará um ser vivo que foi transformado numa árvore e você dirá “Esse é meu avô". E essa será a mais linda floresta que você já viu”.
Hundertwasser plantando árvores no Judiciary Square, Washington, em 18 de novembro de 1980
Hundertwasser lutou até o fim de sua vida pelo direito do homem de viver em espaços felizes, em completa harmonia com a natureza.
Amante da navegação, tendo vivido por anos a bordo de um barco reformado por ele e batizado de Regentag (ele amava os dias de chuva, pois imprimiam uma beleza mágica às cores), morreu em alto mar. Contudo como era de sua vontade, seu corpo foi enterrado nu embaixo de uma Tulipeira em sua propriedade na Nova Zelândia e hoje sua ideia de se incorporar à natureza tornou-se real. Ele nasce e renasce a cada estação através das folhas que crescem, amarelam e caem e das flores da Tulipeira que de botão ganham vida, para depois se lançarem ao chão enchendo o mundo de cor e felicidade.
Suas colunas eram projetadas para serem decorativas e funcionais ao mesmo tempo, mesmo quando não estruturais elas serviam para a passagem da fiação. Todas eram revestidas com cerâmicas coloridas, tinham formatos diferentes e eram posicionadas assimetricamente. Elas eram pensadas como árvores. O chão muitas vezes se apresentava desnivelado e as paredes onduladas.
Em seus projetos as colunas eram vistas como árvores e tinham função estética e funcional
Cúpulas bulbosas quase sempre coroavam suas criações arquitetônicas. Elas eram sua assinatura. A beleza sempre foi um ponto fundamental no desenvolvimento de toda sua ideologia.
Torre de Observação finalizada na Alemanha após a morte de Hundertwasser em 2007
Pensando já na quarta pele, Hundertwasser sempre mostrou um real interesse por tudo ligado à identidade de uma nação como selos postais, bandeiras, placas de automóveis e moedas. Como artista debruçou-se sobre todos eles criando novas bandeiras, novos selos, placas personalizadas e moedas lindas, essas últimas sem valor monetário.
Em 1983, após ter morado 10 anos na Nova Zelândia, Hundertwasser desenhou uma segunda bandeira para esse país. Essa bandeira foi inspirada na população Maori que representa 15% da população da Nova Zelândia.
Hundertwasser escolheu como simbologia da bandeira o esporângio, planta típica da Nova Zelândia, adotada pelos Maori em suas tatuagens.
Pontuando a quinta pele e a ideia de preservação global, já em 1975 Hundertwasser desenvolveu latrinas de húmus para serem usadas em domicílio gerando adubos para as plantas da própria residência. Para ele o não reaproveitamento do dejeto humano quebraria um ciclo natural.
Em 1982 Hundertwasser viabilizou um sistema de purificação da água feito por plantas aquáticas, inspirado na técnica da Dra. Käthe Seidel. Esse novo elemento enriqueceria a integração do homem com a natureza em seu projeto de residência verde, algo muito condizente com o ciclo de vida da natureza, onde nada se perde.
Representação gráfica do sistema de purificação da água feito por plantas aquáticas
Os princípios para uma casa ecológica estavam dessa forma precisamente traçados. Um telhado de relva, fortificada pelo húmus da privada, com árvores, a fim de captar a água da chuva para reutilização doméstica e a filtragem das águas do esgoto feita por plantas aquáticas.
Representação gráfica da casa ecológica ideal, com reaproveitamento do húmus e filtragem da água feita por plantas aquáticas.
Suas construções ecológicas tiveram muita influência da permacultura, um sistema sustentável de assentamento humano, desenvolvido pelos australianos Bill Mollison e David Holmgrem em meados de 1970. O intuito da permacultura era suprir as necessidades humanas causando o menor impacto possível ao meio ambiente.
Banheiro - Kawakawa - Nova Zelândia. Esse banheiro é convencional no uso, contudo propicia a possibilidade de criar na obra através dos mosaicos.Em muitos casos o próprio Hundertwasser também trabalhava como executor.
Essa reflexão sobre o ciclo da vida levou Hundertwasser inevitavelmente ao conceito de cemitério ecológico. O homem ao morrer deveria ser incorporado pela natureza e fazer parte do ciclo natural da vida. “Nada morre, tudo se transforma. Uma pessoa deve ser enterrada somente a meio metro do chão, então uma árvore deve ser plantada sobre ela. Ela deve ser enterrada num caixão perecível, de modo que quando uma árvore for plantada ali, ela absorverá a substância humana e a incorporará. Quando você visitar essa sepultura, você não visitará um morto, você visitará um ser vivo que foi transformado numa árvore e você dirá “Esse é meu avô". E essa será a mais linda floresta que você já viu”.
Hundertwasser plantando árvores no Judiciary Square, Washington, em 18 de novembro de 1980
Hundertwasser lutou até o fim de sua vida pelo direito do homem de viver em espaços felizes, em completa harmonia com a natureza.
Amante da navegação, tendo vivido por anos a bordo de um barco reformado por ele e batizado de Regentag (ele amava os dias de chuva, pois imprimiam uma beleza mágica às cores), morreu em alto mar. Contudo como era de sua vontade, seu corpo foi enterrado nu embaixo de uma Tulipeira em sua propriedade na Nova Zelândia e hoje sua ideia de se incorporar à natureza tornou-se real. Ele nasce e renasce a cada estação através das folhas que crescem, amarelam e caem e das flores da Tulipeira que de botão ganham vida, para depois se lançarem ao chão enchendo o mundo de cor e felicidade.
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