terça-feira, 8 de julho de 2014

A Copa: o que estamos nos tornando dentro e fora do campo por Diogo Brunner.


É necessário separar o que pertence ao futebol e o que não pertence. É necessário olhar o outro. É necessário pensar muito sobre o que somos e o que nos tornamos. Sobre o que fazemos em grupo.



Esperar o fim da copa. É tudo que podemos fazer agora. Até lá não se dorme direito, come-se muito, bebe-se horrores. Os exageros são perdoados em nome dessa catarse coletiva. Essa realmente foi a “Copa das Copas”. Para o bem e para o mal.

Fora de campo a barbárie do nosso cotidiano apenas se acentuou com medidas totalmente desprovidas de constitucionalidade. A polícia batendo e prendendo como na ditadura. Ouvimos novamente – e isso é demasiadamente grave – se falar em presos políticos. Ouvimos novas mortes relacionadas às obras de mobilidade. A copa vai chegando ao fim. Os gringos começarão o retorno aos seus países. A sujeira vai se acumulando. Teremos que lidar com todo esse legado (palavra repetida à exaustão) restando poucos meses para as eleições. Domingo, dia 13/07, após a final no Maracanã, não importando o resultado, teremos necessariamente muitas coisas a discutir. Seja na euforia ou na depressão pós-catarse coletiva. Na vitória ou na tão temida derrota em solo nacional.



O Brasil foi campeão? Não? Culpa do colombiano malvado? E a Argentina, foi a grande campeã? O Eduardo Paes realmente cometeu suicídio? O estádio em Manaus vai virar presídio como sugeriram alguns? E os times de Brasília, do grandioso estádio Mané Garrincha, evoluíram alguma coisa? Quantos torcedores estão conseguindo levar ao estádio? E como ficaram as pessoas desalojadas de suas casas? Onde elas estão agora? O Hideki foi solto? E o Rafael? E os outros? O Alckmin, ao invés de reeleito, já foi preso pelas barbaridades cometidas pela PM ao seu comando? As perguntas serão muitas. Assim como muitas serão as que nunca terão uma resposta.



Dentro de campo, mais especificamente no gramado, tivemos Copa. Uma Copa maiúscula com todos os dribles filosóficos e existenciais que só o futebol proporciona. A velha história de torcer sempre pelo mais fraco, que acaba, cedo ou tarde, nos deixando com olhos tristes ao ver imagens de marmanjos derramando lágrimas de sangue e suor. Aquela bola na rede no último minuto. Aquele pênalti injusto. O voo acrobático para encobrir o goleiro. As costas quebradas. Os heróis e os vilões. É tudo futebol. E escrevo antes da grande final justamente porque o tal “final” não deveria importar tanto. É arte, é magia, é o impensável e o inacreditável. Dentro disso não há que se esperar coisas como justiça. Não se deve querer vencer a qualquer custo. Deve-se pensar em leveza.

Fora do campo, sim. Necessitamos de entendimento. Sobre nós e sobre os outros. Porque vaiar a presidente no jogo inaugural é grosseiro e desnecessário e contém um certo ódio de classe enrustido que continua fazendo muito mal a todos. Destilar xenofobia e racismo não faz parte do jogo. De nenhum jogo. Porque vaiar o hino chileno (num comportamento de manada), um país irmão, sul-americano, terra de Bolaño e Neruda, é totalmente inconcebível (justamente quando os times latino americanos fazem campanhas tão bonitas, como a do próprio Chile e da Colômbia). Só consigo imaginar o que o grande Glauber Rocha, instigador da união latino americana que era, pensaria disso tudo. Acho que ele não suportaria perceber que ainda não nos resolvemos fora do campo. Ainda não nos entendemos. Ainda nos digladiamos. Ainda não enxergamos o outro.

Dentro do campo as coisas vão bem. Mesmo aos trancos e barrancos, com um futebol muitas vezes feio, mas vá lá, eficiente, vamos fazendo um bom papel. Faltam só dois jogos e acredito que temos chances reais.

Mas aqui fora falta muito mais que isso.



© obvious: http://lounge.obviousmag.org/ao_sul_de_lugar_nenhum/2014/07/a-copa-o-que-estamos-nos-tornando-dentro-e-fora-do-campo.html#ixzz36qK2VwBv

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