Uma pequena ode ao dueto mais belo do amor cortês
"Uma coisa é amar-se uma mulher. Outra, dar-lhe rosas/ vermelhas. Uma coisa é o amor, outra é a homenagem/ ao objeto desse amor que prescinde de rosas." Poema "As rosas vermelhas" de Lêdo Ivo
Assim escreve o poeta alagoano Lêdo Ivo sobre a relação entre amar e dar rosas, como se as águas do amar desaguassem no entregar rosas. Não sei como anda o faturamento das floriculturas nem como vão os versos dos namorados (leiam-se: noivos/maridos/amantes/amigos), mas esse artigo é uma homenagem ao dueto Flores & Poemas.
Enquanto Marcelo Jeneci canta para a amada "Não te darei flores não te darei elas murcham, elas morrem", o Ricardo Reis, heterônimo do Fernando Pessoa, não teme em dizer "Coroai-me de rosas,/ Coroai-me em verdade,/ De rosas —// Rosas que se apagam/ Em fronte a apagar-se/ Tão cedo!// Coroai-me de rosas/ E de folhas breves./ E basta." A efemeridade - ou liquidez - dos amores encontram metáfora magnífica na entrega de rosas, é o que Pessoa não tem medo de entregar.
As pétalas genial e despretensiosamente dispostas em cores que dizem muito em beleza e morrem em dois ou três dias, mas entregar rosas - e recebê-las - é um ato que termina em si mesmo, não prescinde obra resultante, apenas a felicidade capsular do momento e as lembranças para o futuro. Por isso, para Pessoa, não importa se as rosas "se apagam", o eu-lírico quer ser coroado "de rosas e de folhas breves. E basta."
Dar rosas equivale a dizer "que seja infinito enquanto dure", uma vez que o amor líquido pode caber em 50 anos, em 5 meses ou ainda em qualquer segundo de arrebatamento apassionato. Dar rosas - que depois murcharão - é um ato cortês de sinceridade.
Dar rosas é simbólico: a beleza do efêmero. Vinícius escreve que é "Preciso ter muitas rosas para receber/ O grande amor/ Quando for/ Sua hora de voltar", lembrando que as rosas tem múltiplas funções dentro da Babel do Amor, de um "eu te amo" a um "me perdoa", o mestre sabia das coisas, sabia também que "[Para viver um grande amor] É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista - muito mais, muito mais que na modista! - para aprazer ao grande amor" . Entretanto Vinícius entendia que se deve dar mais que rosas à Amada: "Eu quisera dar-te, ademais dos beijos e das rosas, tudo o que nunca foi dado por um homem à sua Amada, eu que tão pouco te posso ofertar."
Por fim, o gesto do amor cortês configurado em dar rosas é um ato simbólico e, símbolo por símbolo, Fernando Pessoa escreve:
"Dá-me lírios, lírios,
E rosas também.
Mas se não tens lírios
Nem rosas a dar-me,
Tem vontade ao menos
De me dar os lírios
E também as rosas.
Basta-me a vontade,
Que tens, se a tiveres,
De me dar os lírios
E as rosas também,
E terei os lírios —
Os melhores lírios —
E as melhores rosas
Sem receber nada.
A não ser a prenda
Da tua vontade
De me dares lírios
E rosas também."
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