terça-feira, 25 de março de 2014

Não façais mal nem à terra, nem às plantas, Nem às águas...



Foto por Fernando Campanella






Não façais mal nem à terra, nem às plantas
Nem às águas...
(Apocalipse)


Acordei no meio da noite, e vi o dia.
Dia mais avesso que o miolo das trevas
quando os inocentes da terra choravam,
as flores enrustiam o perfume
e o vinho amargava o sabor.


Os cavalos vermelhos desordenavam
a paz da terra, debandavam as rolas,
disparavam loucas as emas.


Promessas de novas proles não se cumpriam
que os ninhos eram cinzas das palhas
e os ovos um a um derretiam.


As falanges do fogo consumiam a obra,
calcinavam as ervas, não distinguiam
as montanhas do domínio das águas –
onde era natural majestade, desintegravam,
onde fossem líquidas relíquias, secariam.


Nunca se vira por estas paragens
dor tão intensa e democrática, castigando
desde as ninfas, desfeitas de seus reinos,
até as baleias, de suas águas desmembradas.


Os inocentes da terra choravam
por impotentes e frágeis
diante de cruel, definitiva ceifa.


Antes fossem apenas delírios de profetas
o que o livro dos tempos anunciara.


Antes ficasse somente em imagem
o séquito de criminosos da terra
a desfilar com suas fardas em chamas
e suas bocas de vômito incandescente.


(O espírito do fogo consome a obra,
sua língua profana lambe e devasta,
seus dentes não deixarão grão sobre grão.)


Fernando Campanella, 1988

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