sábado, 15 de fevereiro de 2014
EDGAR DEGAS - A PEQUENA BAILARINA
Se você – ou alguém que você conheça – já estudou ballet, com certeza conhece a pequena bailarina de Degas. Toda uma cultura infantil se construiu por meio da escultura da jovem bailarina. Hoje infantilizada, no passado vulgarizada, "La Petite Danseuse de Quatorze Ans", é um marco na história da arte na escultura moderna.
© Edgar Degas, "Quatro Dançarinas".
Edgar Degas (Paris, 19 de julho de 1834 — Paris, 27 de Setembro, 1917) possuía uma verdadeira fixação por bailarinas: “As pessoas me chamam de pintor das bailarinas”. Das suas 2000 obras, mais da metade de seus óleos, pastéis e esculturas retratam as jovens bailarinas do corpo de ballet da Ópera de Paris. Desde o ano de 1870 Degas pintou obsessivamente cenas de bailarinas enquanto elas estavam no palco durante uma apresentação, em seus ensaios e em seus momentos de descanso.
© Edgar Degas, "Dançarinas atando as sapatilhas", cerca de 1893-1898.
Foi durante uma de suas frequentes visitas à Ópera de Paris que Degas conheceu a jovem Marie van Goethem (Paris, 07 de junho de 1865 – ?), uma estudante de ballet. Pouco se sabe sobre a vida da jovem bailarina que aos treze anos ingressou no ballet da Ópera de Paris, filha de uma lavadeira e um alfaiate que viviam constantemente com problemas financeiros. Era na Ópera de Paris que se localizava a escola de dança, onde jovens dançarinas eram aceitas a partir dos dez anos de idade, e onde Marie e suas irmãs estudaram.
As bailarinas, em geral, eram filhas de operários e outros trabalhadores, que buscavam através da dança uma ascensão social e estabilidade financeira. De sua história sabemos que sua irmã mais velha foi presa por roubar um cliente no famoso bar parisiense Chat Noir. Após esse evento, Marie acumulou uma série de faltas em suas aulas de ballet, as quais resultaram em sua dispensa. É muito provável que, como sua irmã, Marie tenha sido obrigada por sua mãe a se prostituir. É fácil deduzir que seu fim foi trágico.
Mas a jovem Marie seria imortalizada na escultura “La Petite Danseuse de Quatorze Ans, c.1881”. Foi entre os anos de 1878 e 1881 que Marie posou para Degas para sua bailarina - e para mais uma série de trabalhos: “Dance Lesson, c.1879”, “Dancer with a fan, 1879” e ”Dancer resting, 1879-1880”.
© Edgar Degas, "Lição de Dança", cerca de 1879.
© Edgar Degas, "Dançarina a descansar", cerca de 1879-1880.
© Edgar Degas, "Dançarina com leque", 1879.
O ballet oferecia a Degas a possibilidade de jogar e brincar com a figura humana, oferecia a oportunidade de fazer qualquer coisa. Cada dançarina oferecia uma gama de possibilidades de experimentação do movimento: bailarinas em longas pausas, os complexos movimentos que exigiam muita flexibilidade; os pequenos movimentos sem relevância para dança, porém, a essência das bailarinas atraiam Degas. Até mesmo as cores e os tons fascinavam o artista.
Degas observava as jovens aspirantes em suas primeiras lições de ballet. Das cinco posições iniciais, o artista elegeu a quarta posição. Alguns consideram que essa posição representa a disciplina de uma bailarina, outros afirmam que ela se encontra em um momento de concentração na música para a dança.
A ideia de Degas não era criar o retrato de uma bela jovem, mas de uma adolescente implicada em uma das tarefas mais duras: tornar-se uma bailarina. Degas queria realizar uma obra que quebrasse os paradigmas da escultura até aquele momento. O artista nunca havia feito nada parecido, era sua grande ambição. Para isso, realizou uma série de estudos, os quais deram forma à sua pequena bailarina.
© Edgar Degas, Bailarinas do corpo de dança, cerca de 1896, fotografia feita ou orientada por Degas.
© Edgar Degas, Bailarinas do corpo de dança, cerca de 1896, fotografia feita ou orientada por Degas.
© Edgar Degas, Bailarina ajustando a alça, cerca de 1900, fotografia feita ou orientada por Degas.
Degas desenhou a pequena Marie, vestida e desnuda, o que pode nos chocar hoje, mas o artista estava seguindo a técnica dos grandes mestres, que rascunhavam seus modelos nus para compreender melhor seus movimentos e a estrutura de seu corpo. Dessa forma, o artista mostrava a dualidade entre o artista moderno com bases na pintura tradicional.
O material ideal- e mais usual - para a realização de uma escultura nessa época, seria feita de bronze ou mármore: materiais nobres que traziam toda a sensualidade e beleza da mulher com seus corpos curvilíneos, delicados e sem marcas corporais. O artista optou por realizar a escultura em cera - material pouco nobre, perecível e impossível de alcançar a perfeição de um mármore. Paris não estava preparada para o que Degas ia apresentar. Sua obra desconstruía o ideal acadêmico de beleza e feminilidade. A pequena bailarina é uma figura de seu tempo - não elegante e fria - mas cheia de vida, impetuosa.
© Edgar Degas, Dançarinas ensaiando, 1877, Colecção J. Paul Getty Museum.
© Edgar Degas, Dançarinas ensaiando, 1877, Colecção J. Paul Getty Museum.
© Edgar Degas, Estudo para a escultura da "Pequena Dançarina de 14 anos".
© Edgar Degas, Estudo para a escultura da "Pequena Dançarina de 14 anos".
© Edgar Degas, "Pequena Dançarina de 14 anos", cerca de 1878-1881, radiografia vista de frente, National Gallery of Art, Washington.
Para manter a estrutura de sua obra, Degas pensou de forma simples, mas mudou de ideia e aumentou a escultura de tamanho. O artista foi obrigado a fazer uma série de modificações estruturais que atrasaram em quase um ano a conclusão da escultura. Uma radiografia realizada pela National Gallery of Art, Washington, D.C., EUA revelou que os braços e as mãos da bailarina são estruturados em pinceis velhos encontrados no ateliê do artista.
A ideia mais interessante do artista foi vestir sua bailarina com o tutu de verdade, enquanto suas meias e sapatilhas são esculturas e ao corpete feito de uma cera amarela. A obra de Degas estava perfeitamente equilibrada entre o mundo real e artificial. Até mesmo seu tamanho reitera essa ideia de dualidade de mundos, por não possuir nem o tamanho de um ser humano, nem o tamanho tradicional de uma escultura. Degas, durante toda sua vida, viveu com sua pequena bailarina em seu estúdio. Seu marchand sugeriu diversas vezes realizar cópias em bronze e Degas teria respondido: “Deixar algo feito em bronze é uma grande responsabilidade. É um material que dura pela eternidade.”. Depois da morte do artista, seus herdeiros concordaram em transformar suas esculturas de cera em bronze. As reproduções em bronze – que chegam a preço milionários em casas de leilões - além de irem totalmente contra ao desejo de Degas - representam outras obras, por não possuírem as características originais ambicionadas pelo artista.
© Edgar Degas, "Pequena Dançarina de 14 anos" (foto de Frank Kovalchek, Wikicommons).
© Edgar Degas, "Pequena Dançarina de 14 anos" (foto de M. T. Abraham Center, Wikicommons).
Apresentada na “Sexta Exposição Impressionista” de 1881, em uma caixa de cristal, a obra recebeu críticas diversas e escandalizou a sociedade. O meio parisiense ficou chocada ao encontrar em um museu a figura de uma bailarina – principalmente pelo fato do ballet estar muitas vezes ligado ao tráfico de meninas, prostituição e escândalos de abuso sexual. Os pais burgueses diziam: “Que Deus nos livre de uma filha bailarina!”. Os próprios salões da Ópera de Paris eram pontos de encontros de homens ricos e poderosos que buscavam jovens amantes. Era lá que se encontravam a arte e a prostituição.
Somado a isso, um crítico do período escreveu: “Parece um macaco, um asteca, um feto. Se fosse menor, teríamos a tentação de coloca-la em um vidro de formol.”. Sugeriram que a pequena bailarina deveria estar em um museu de medicina ou de etnologia, nunca em um museu de arte. Degas rompia com todos os modelos estéticos e temáticos aos quais os parisienses haviam se acostumado. E por isso mesmo foi um marco na história da arte.
© Edgar Degas, "Pequena Dançarina de 14 anos" (foto de Joanbanjo, Wikicommons).
© Edgar Degas, "Pequena Dançarina de 14 anos" (foto de Artshooter, Wikicommons).
© Edgar Degas, "Pequena Dançarina de 14 anos" (Wikicommons, Ny Carlsberg, Glyptotek, Copenhaga, Daderot).
Fonte: Obvious
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