Alguém já disse que escrever é arrumar inimigos. Ler é ver os outros arrumando inimigos sem necessariamente correr os riscos de tê-los. Aliás, no caso do livro Os Últimos Quartetos de Beethoven, de Luís Fernando Veríssimo pela Editora Objetiva, o único risco que se corre é de perder o fôlego durante a leitura. Recomendo.
“A verdade é que os últimos quartetos de Beethoven não foram os últimos. Foram os penúltimos. Os últimos são os que nós tocamos. Ou fingimos que tocamos. Você quer ouvir?”
Esse é o convite de Lívia, interna de uma clínica psiquiátrica, para Magro, um homem que fora apaixonado por ela na juventude. Aliás, ele e mais quatro amigos, todos apaixonados pela mesma linda mulher excêntrica que acabou a vida confinada numa clínica.
E essa é apenas uma das estórias de Os últimos quartetos de Beethoven e outros contos, novo livro do camisa dez da literatura brasileira contemporânea, Luís Fernando Veríssimo. No total são dez contos entrelaçados apenas pela leveza e sobriedade com que escreve o craque. E no entanto ao começar a leitura do primeiro, dificilmente paramos antes de terminar o último, pelo menos assim foi comigo, li num fôlego só, como quem toma uma garrafa d’água depois de uma boa pelada.
Tem de tudo, desde o drama de Lo, uma dama da aristocracia espanhola que vive maritalmente com o filho adotivo, um baianinho simpático e inteligente; até a fina ironia de O pôster, em que Veríssimo nos mostra o preconceito e o ‘quadradismo’ vindos de onde menos se espera. Ah, e não tem como esquecer a engraçadíssima e trágica estória das Memórias de um homem à beira de um enfarte, que buscando nas lembranças recentes onde havia colocado o remédio que lhe salvaria, só consegue lembrar das ruas de Copacabana, de filmes de O Gordo e o Magro e da linha média do Flamengo tricampeão dos anos quarenta.
O gol de placa do livro é a estória do ex-guerrilheiro torturado no presente pela presença de uma mancha incômoda, numa sala de um prédio que ele comprou. Mas era o prédio, mais especificamente a sala, e mais especificamente a mancha, que o possuía, e não o contrário. Convicto de que aquela sala fora o ambiente de sua tortura, ele segue numa investigação difícil e insistente.
Para ler escutando uma boa música. De preferência Beethoven, mas não os últimos quartetos, pois depois de saber que eles não foram os últimos, perdem um pouco a graça e apenas se consegue imaginar os verdadeiros últimos, os que tocavam Lívia e sua banda de loucos, com seus instrumentos imaginários!
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