Antes do amanhecer
Richard Linklater desmembra o tempo do amor em seus três filmes: Antes do amanhecer, de 1994; Antes do pôr do sol, de 2004 e Antes da meia-noite, de 2013.
A sequência dos filmes expõe questões conhecidas e experimentadas pela maioria dos que já passaram dos trinta anos: incertezas, impulsos, anseios, arrependimentos. A novidade e a rotina.
O amor é cheio de faces e muitas vezes parece esgotado, mas bem dizia Nelson Rodrigues: “ Todo amor é eterno. Se não é eterno, não era amor.”
O eterno não cabe em si, descabe-se em todas as suas formas, por isso mesmo variável. Amor não acaba, amor apenas tem andamento, roupas, formas, rugas e pele lisa. O amor fica e transforma-se, morre e renasce complementado de um novo amor.
Na trilogia de Richard Linklater conjuga-se o amor em alguns de seus tempos, modos, pessoas e números.
O grande enigma do amor talvez viva na sua flexibilidade frente as nossas idealizações. Amor não é comercial de margarina. Amor é todo dia mesmo quando se ausenta por dias, e continua sendo amor mesmo quando já não é amor em gestos. O amor vive nos gestos, mas mais do que isso, sobrevive aos gestos.
Antes do pôr do sol
Às vezes ama-se em silêncio e em críticas. Amar é baguette e café, é almoço mais ou menos ou festa de Babette. O amor cabe e descabe em si. Amar é ter raiva também, sabendo-se estar despido de medidas perfeitas. O amor possível só existe dentro do que cabe em nós, em nossa vida real. Amor com cenário tem validade como tendência de moda.
Amar alguém é desnudar-se e manter-se vestido suficientemente para que haja a compreensão de que amar não é apropriar-se. É conseguir olhar o outro distante do olhar da procura dos que nos falta. É afastar-se de preencher desejos ocultos e construir desejos juntos. O outro é o outro com possibilidade do pronome nós sem gigantismos, sem tentáculos. Ser continuamente metade é abrir portas para o amor virar bengala. Ser inteiro é abrir portas para ser dois.
Antes da meia-noite
No amor não existe roteiro nem música ao fundo no momento exato. Também não existe certezas, apesar da certeza. Quando se ama não cabe códigos de desempenho, de facebook ou de Instagram. No facebook há uma tendência a felicidade e no Instagram uma tendência a lindeza, tudo devidamente ornamentado com coisas bonitas, comidas maravilhosas e objetos imperdíveis.
Nem sempre se ama feliz, nem sempre se ama lindo, nem sempre se tem fome. Muitas vezes se perde o apetite durante o amor.
Amar é conjugação infinita e pode parecer muito complicado, apenas porque esquecemos que pode ser simples.
Fonte: Obvious
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