Quando regressou de Auschwitz, Otto Frank soube que fora o único sobrevivente da família e amigos com quem vivera escondido durante dois anos. Segundo o próprio, terá encontrado o diário da filha (na antiga casa) e decidiu publicá-lo pelo seu valor de documento histórico. Mas há quem defenda que o livro que ocupa lugar na estante de quase todos nós pode não ter sido escrito pela mão de Anne Frank.
Em 1947, surgia nas livrarias a primeira edição de um diário que teria sido escrito por uma adolescente judia, Anne Frank, enquanto viveu escondida num anexo de um prédio em Amesterdão, na Segunda Guerra Mundial. Publicado em holandês, sob o título de Het Achterhuis (O anexo), pouco demorou a ser um autêntico êxito de vendas. Sucedeu-se a tradução para inglês, várias edições esgotadas e a adaptação teatral e cinematográfica.
Porém, nos anos 50 houve quem começasse a fazer perguntas, a ter dúvidas e a pôr em causa que fosse realmente Anne Frank a autora do diário. Seria possível nunca ninguém a ter visto escrever? Otto afirmava que a filha o fez às escondidas de todos. E como, com apenas 13 anos, fechada e com acesso limitado à informação, era capaz de tamanhas reflexões filosóficas e descrições sobre a guerra? Claro que isto seria apenas o inicio das “verdades e contradições” do Diário de Anne Frank.
“Mergulhados” num esconderijo
Quando se mudaram para Amesterdão, Otto Frank, criou a sua própria empresa. A “Opekta” vendia especiarias e pectina, usados no fabrico de doces. Em 1940, o nazismo já dominava grande parte da Europa e os ataques e perseguições a judeus não paravam de se repetir. O patriarca tentou então obter vistos para que todos pudessem emigrar rumo ao continente americano. Mas o único que conseguiu (para si mesmo) foi cancelado pouco depois, quando a Alemanha declarou guerra aos Estados Unidos.
A única solução foi passar o negócio aos seus empregados não-judeus e refugiar-se com a família num anexo, nas traseiras do edifício da empresa. Desde Julho de 1942 e durante dois anos, viveram “mergulhados” e constantemente aterrorizados com a possibilidade de serem descobertos. Foi neste período de isolamento que a filha mais nova escreveu um diário.
As confissões de Anne
Anne Frank contava a Kitty, amiga imaginária, o dia-a-dia da sua nova vida. O que acontecia no anexo, as tarefas que partilhava com os outros moradores, as alegrias e zangas que tinha e a esperança de poder sair novamente em liberdade finda a guerra. Segundo Otto, ninguém tinha conhecimento dos seus escritos. A adolescente terá guardado sempre a “sete chaves” o seu segredo - tornado depois público pelo pai.
Em Agosto de 1944, alguém os denunciou. Todos os habitantes do esconderijo foram presos e enviados para campos de concentração na Holanda, e depois Auschwitz. Em Janeiro de 1945, Otto foi salvo pelo exército soviético. Anne morreu em Março, em Bergen-Belsen.
Quando regressou a Amesterdão, Otto fica a saber que fora a único sobrevivente. Ao voltar a casa, descobre entre velhas revistas e jornais um livro de capa dura. Esta é a versão oficial da descoberta do Diário de Anne Frank. Porém, o nome de Miep Gies também está associado a ela. Segundo outra versão, terá sido a holandesa, uma das protectoras da família, a encontrá-lo, e quando oficialmente foi confirmada a morte de Anne tê-lo-á entregue a Otto. Incentivado a trazer a público um verdadeiro testemunho daqueles que sofreram os horrores do Holocausto, decide publicar as confissões da filha.
Ainda nos anos 40, cumpre-se um desejo da menina “Quero continuar a viver depois da minha morte” (escrevia em Abril de 1944). E essa talvez seja a única verdade inquestionável, já que o seu nome é uma das principais referências sobre a II Guerra Mundial.
As teorias sobre o diário
Quanto ao texto que temos na estante de nossas casas ter sido aquilo que Anne realmente escreveu, há muito que divide opiniões. As suspeitas começaram nos anos 50 e o caso acabou mesmo no tribunal. Meyer Levin moveu um processo contra Otto Frank, reclamando os direitos de autor do diário e a falta de pagamento pelo trabalho. O escritor judeu ganhou o caso, tendo o pai de Anne sido condenado a pagar 50.000 dólares.
© Wikipedia, "O Diário de Anne Frank", 1ª Ed.
Na mesma época, especialistas do American Council Letter, do próprio tribunal e grafologistas, analisaram os textos e afirmaram que estes não tinham sido obra da adolescente. Alegavam letra diferente, além de várias passagens estarem escritas com um tipo de caneta esferográfica inventada anos depois. Confrontado com os factos, Otto declarou que não revelou os originais, porque Anne tecia duras criticas à mãe e revelava pormenores demasiado “íntimos” na sua relação com Peter.
O certo é que a história só sairia no “Washington the Spotlight” e no “Le Monde” em 1981. “Uma das maiores fraudes históricas” e “Uma infindável e lucrativa jogada de marketing” são as palavras que o investigador e especialista Robert Faurisson utiliza para classificar o diário.
No reverso da medalha, outras vozes contestam estas provas e alegam que as investigações provaram a autenticidade do livro. Otto Frank deixou indicações de que “os cortes” só poderiam ser revelados após a sua morte. Quando isso aconteceu, em 1980, o Instituto Holandês de Documentação para a Guerra iniciou um processo para provar que Faurisson estava enganado. E conseguiu.
© Wikipedia, "O Diário de uma Jovem Rapariga".
Pouco depois foi publicado o diário na íntegra, juntamente com os estudos realizados. Miep Gies negou durante toda a vida que o livro fosse uma fraude. Durante esses dois anos de cativeiro, argumentou-se, os estudos que fez e a situação por que passava levaram Anne a reflectir mais seriamente sobre tudo, o que justificaria o alcance dos seus textos.
Verdade ou mentira, autêntico ou forjado, o testemunho de uma jovem a quem a vida foi roubada cedo demais, por razões absurdas, vai mais longe que os factos. Anne Frank é apenas um símbolo de milhares de outros adolescentes cheios de sonhos, de dúvidas e questões, que tentaram escapar como podiam a um destino trágico.
Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2011/08/diario_de_anne_frank_as_polemicas_em_torno_de_um_classico.html#ixzz2jxcvpaiV
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