“… Al mejor cazador se le escapa un elefante si lo que está buscando es un tigre.”
Pablo Capanna
O recém (re) aberto Museo Emilio Caraffa, em Cordoba, brinda, aos olhos do expectador, um extraordinário panorama da atualidade das artes visuais na vizinha Argentina. Vale à pena visitar a cidade para conhecê-lo (e não só por isso, pelo contrário, pois há muito que ver e aprender por lá).
Destaco, aqui, através dos registros de minha própria lente (amadora e curiosa), o trabalho marcante de quatro artistas contemporâneos que, explorando distintas linguagens e meios, da tradição pictórica à transgressão midiática, compõem, ao menos aos olhos deste desavisado percorredor de museus, um instigante percurso em meio a uma insinuante experiência visual.
Sol Halabi
Sobre a obra exposta da artista Sol Halabi (nascida em Cordoba, em 1977) no MEC, …Y outra vez primavera, o pesquisador Mariano Serrichio escreve o seguinte:
As inúmeras referências à magia nos títulos dos quadros, os detalhes simbólicos que compõem as cenas, as palavras de Sol Halabi sobre seu trabalho, não deixam dúvidas de que uma percepção que excede a vida comum e corrente é o que anima sua energia pictórica, atraída pelos sonhos, as visões, as ondas do invisível no visível.
Precisamente! Pois a primeira impressão que me toca é em relação à presença da figura feminina. Uma sensualidade instalada no espaço onírico. Uma paleta de cores fortes, que estabelece uma espécie de grito, no contraste com a sala de paredes brancas do museu.
Explorando a matéria dos sonhos, entretanto, a artista é tributária da diferentes tradições: de imediato, o desenho como meio para a precisão narrativa da pintura; de outro modo, a dimensão surreal que sugere a inscrição de um mundo em que se vive a parte das realidades cotidianas. Uma irrealidade necessária; uma expressão em que o simbolismo explícito é também a matéria da obra de arte.
Nina Molina
Nina Molina (Buenos Aires, 1946) expõe, entre outras visagens, a instalação fotográfica intitulada Sala 5, onde o próprio espaço expositivo torna-se tema das imagens que compõem o ambiente. Desta forma, insere o expectador em um inesperado mise em abyme. Ou, como coloca mais precisamente o curador da mostra, Gabriel Gutnisky:
Ao nível da recepção, verifica-se, então, uma situação, que se diria paradoxal, porque a ordem tradicional da mostra se inverte: estamos observando, como obras, o registro fotográfico das paredes, pisos e tetos que lhe servem de suporte. Aqui, o gesto indicativo de Nina Molina põe em jogo a imediação espacial e a anterioridade temporal, o aqui e o anteriormente, o que agora estou percorrendo e o que foi fotografado em outro momento.
Impossível, diante o jogo proposto, e com uma câmera pendurada no pescoço, não fazer parte desse quebra-cabeça espaço-tempo e, com um clique, insinuar-se, imiscuir-se e, de certa forma, expandir, a obra de Molina.
Marcelo Hepp
Marcelo Hepp nada tem de principiante; Marcelo Hepp está sempre no princípio; Marcelo Hepp é um mestre das formas dinâmicas no espaço. Nascido em Cordoba em 1945, detém uma notável e sólida obra escultórica que se espalha, para além dos museus e galerias, pelos espaços públicos da sua cidade.
No MEC, entretanto, com a mostra Espacio Intangible, expõe uma visão espacial intensamente contemporânea (tento fugir da expressão fácil vanguarda, mas escapa-me melhor conceito). Quanto a isso, e como que legitimando as impressões deste comentarista (este sim!) de primeira viagem, assinala a pesquisadora de artes Julia Oliva Cúneo:
(…) Trata-se, nesta ocasião, de um "outro Hepp”, o da escultura e da instalação suscetível do recinto intimista do museu, que, longe do ruído visual da cidade, explora sua potencialidade interpelante do outro, num passo que se detém no jogo subjugante das luzes e sombras da sala, dos brilhos, transparências e opacidades das obras.
Em uma correspondência que, ao meu modo imediato de olhar e ver, remete às fotografias sob luz estroboscópica de Harold Edgerton, por exemplo, Hepp investiga o movimento como processo quântico da forma, valendo-se da tecnologia para moldar o intervalo intangível entre um ponto de partida e outro ponto de chegada no espaço, coisa que o olho humano busca, sem sucesso, capturar do acontecimento visual.
Oscar Brandán
Outro maestro argentino das artes visuais, cordobês nascido em 1934, Oscar Brandán leva este observador a evocar, imediatamente, certa atmosfera de dissipação do espaço vivido, e que encontra, penso, a melhor definição na expressãoimpressionista. Rechaçando, é claro, o caráter pejorativo que o rótulo implicava em sua gênese, e tomando em primeiro plano a condição moderna que se instaura no campo artístico, desde então.
Oscar Brandán é, pois, moderno. Claro que isso é também pura impressão, e talvez das mais rasas, pois que (mal) focada nesse efeito de névoa que se sobrepõe ao traço em seu trabalho.
De fato, a imagem da obra de Brandán que se conecta mais diretamente a minhaimaginação leva-me a Degas, que mais orbitava em torno do grupo mais coeso dos impressionistas originais do que propriamente fazia parte dele. Degas, ao contrario de seus bons amigos, valorizava a lida do ateliê, a exaustão do desenho preparatório, a visualidade da fotografia que, então, começava a se impor como modo de ver a realidade.
Mas, enfim, outra vez, as palavras de Julia Cúneo me salvam de uma grande heresia:
A estrutura de suas obras dão conta fiel de seu processo criativo; Oscar arma, com personagens de fotografias, composições libertas de qualquer correspondência. Reinterpretando e hierarquizando elementos, pinta criando uma história própria, em uma montagem de realidades de improvável coexistência (…).
E mais adiante, completa:
(…) Restitui, prontamente, ao desenho, seu protagonismo; à linha, sua sensibilidade; e à cor, suas possibilidades de neutralização e mistério fantasmagórico, para desenvolver (…) uma estética do devir.
Talvez eu não esteja tão equivocado quanto ao que vejo nas arrebatadoras telas de Brandán!
Quanto à Arquitetura…
Em suma, vitalidade! Tanto quanto pluralidade. Este brevíssimo passeio pelas obras de Halabi, Molina, Hepp e Brandán apenas arranha a superfície da mais visível entre as densas camadas de sentido que fazem, da mostra reunida no MEC, uma oportunidade privilegiada para conhecer os percursos estéticos trilhados pelos quatro artistas.
Mas a arquitetura do Museu, por si mesma, seria motivo para uma demorada visita. A magnífica inserção urbana, a composição evolutiva (neoclássico + moderno + contemporâneo) que incorpora as partes a um todo surpreendentemente harmônico (*), e o surpreendente feito arquitetural de amplificação do espaço interior, fazem, desse edifício, uma obra de exceção na arquitetura latino-americana contemporânea.
E cabe, então, como epílogo para esta breve visita, um manifesto que é, sobretudo, desabafo quanto a quase absoluta indiferença em relação à arquitetura (por extensão, aos arquitetos) na cultura brasileira; e ao total abandono do espaço público, em especial, nessa cidade algures em que vivo desde que nasci.
Dá-me uma gana de exílio! Ganas de mudar-me já para uma das várias cidades que me encantam no país ao lado, onde, tantas vezes, fui tão bem recebido: Buenos Aires, La Plata, Mar Del Plata, Rosário, Santa Fé, Cordoba... mencionadas numa cronologia de descobertas. Cada qual com sua gente, seus valores, sua arquitetura, sua urbanidade…
E, se um dia eu criar a coragem de cruzar a fronteira, para permanecer, definitivamente, no outro lado da linha, a razão terá sido, sim, mais do que tudo,política! Por ter desistido do combate! Por querer exercer − e verdadeiramenteviver −o meu direito à polis!
( * ) “El proyecto de lo que hoy denominamos Museo Caraffa fue encargado al arquitecto húngaro Johannes Kronfuss, quien en 1915 concluye el proyecto basado en un enfoque neoclásico que debía, en una primera etapa, albergar al Museo y en otra posterior a la Escuela de Artes Aplicadas de la Provincia, del que se llegó a construir finalmente en 1916 solo una cuarta parte. En el año 1962 se ejecutó una ampliación del museo en forma de un prisma regular resuelto interiormente con plataformas a medios niveles que ocupó el espacio que Kronfuss había imaginado como patio central de su museo. A su vez, en 1938 se construyó el edificio del I.P.E.F., diseñado por el arquitecto Bottaro. En el año 2006 se decidió la ampliación y remodelación del Caraffa, encomendándose a GGMPU el proyecto del museo propiamente dicho y de un nuevo edificio conector (Sector A) que lo vincularía con el incorporado I.P.E.F. cuyo diseño se encargó a los arquitectos MZARCH (Sector B).”
"Museo Provincial de Bellas Artes Emilio Caraffa / GGMPU Arquitectos + Lucio Morini" 15 Fev 2010.Plataforma Arquitectura. Acesso em 17 Nov 2013. http://www.plataformaarquitectura.cl/?p=36938
Fotografias: Leandro Andrade, setembro de 2013.
Fonte: Obvious
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