sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Em debate: Norma culta e ensino da língua; cizânia desnecessária.


Resolvi postar o texto abaixo para debatermos em sala de aula a "Norma culta e ensino da língua!", gostei e achei salutar o que foi pautado por Thaís Nicoleti de Camargo da Folha.com - Saber.


É conhecida a dica de etiqueta segundo a qual se deve evitar discutir política e religião em jantares sociais. O motivo é que as convicções pessoais de cada um dividem o grupo em vez de uni-lo, nada mais inadequado quando o objetivo é confraternizar.

Pelo rumo que está tomando na mídia o debate sobre o ensino da língua materna, esse será o próximo tema tabu a ser barrado nas reuniões entre amigos.

A inacreditável partidarização do debate vem provocando cizânia desnecessariamente, já que, ao fim e ao cabo, todos têm o mesmo objetivo: ensinar a língua portuguesa. O que parece difícil de entender, porém, é o próprio conceito de língua.

Aferrados à ideia de que a língua é a norma culta, os detratores da linguística parecem prestes a queimar em praça pública o livro de Heloísa Ramos, cujos trechos divulgados na imprensa ensejaram a acalorada discussão. Nada mais disparatado, até porque o livro não elegeu como modelo a ser ensinado em aula as realizações próprias de uma variante oral popular. O "pecado mortal" do livro é mostrar que determinadas construções linguísticas existem e são empregadas com notável regularidade por muitas pessoas. Não seria esse um bom modo de entrar numa discussão mais madura e realista (para não dizer científica) sobre a língua?

É muito provável que os leitores deste texto jamais tenham dito algo como "os livro" ou "nós pega o peixe", mas é igualmente provável que ignorem a pronúncia da letra "r" final dos infinitivos, lendo "eu vou comprá", "não vou saí hoje" ou "ele não qué perdê tempo", embora escrevam corretamente as formas "comprar", "sair", "quer" e "perder".Também não é improvável que essas mesmas pessoas, escolarizadas e detentoras da variante culta da língua, iniciem frases com o pronome átono ("Me disseram que você estaria aqui"), usem o pronome "te" quando o tratamento é "você" ("Você não me viu, mas eu te vi"), empreguem os pronomes pessoais do caso reto de terceira pessoa (ele, ela, eles, elas) em função de objeto direto ("Encontrei ela na festa", "O pai trouxe eles aqui ontem") ou que usem o verbo "ter" com o sentido de "haver" ("Tinha muita gente na festa"). São "desobediências" ao padrão culto praticadas pelos próprios detentores da norma culta, mas nenhuma dessas realizações provoca a mesma indignação que o "nós pega os livro". Por que será?

Usar essas construções em situação de informalidade não significa não saber usar a norma culta nas situações em que ela é necessária. Queiramos ou não, não há como banir a oralidade ou as transformações da língua em seu curso natural. Quem hoje conjugar o verbo "impedir" de forma regular ("eu impido") será tachado de "ignorante", mas essa já foi a forma "correta" desse verbo. Sim, a norma culta muda - e o carro-chefe da mudança é a língua oral.

A literatura contemporânea tem dado guarida a várias manifestações da oralidade, que só estão na literatura porque estão na vida real. Na década de 20 do século passado, os modernistas já incluíam em seu projeto estético a redução da distância entre a língua oral e a escrita. Vale lembrar o poema de Oswald de Andrade intitulado "Pronominais": "Dê-me um cigarro / Diz a gramática/ Do professor e do aluno/ E do mulato sabido/ Mas o bom negro e o bom branco/ Da Nação Brasileira/ Dizem todos os dias/ Deixa disso, camarada/ Me dá um cigarro".

Nada disso quer dizer, porém, que a norma culta vá deixar de ser o modelo a perseguir. O discurso científico e o respeito à diversidade em nada ameaçam a integridade da língua na sua variante culta. O professor continuará ensinando a norma culta - até pelo simples fato de que a língua oral não precisa de professor!

Cabe ao professor expor o estudante aos mais variados tipos de texto necessários à comunicação e ao conhecimento de nossas raízes. Se a escola for bem-sucedida em sua empreitada, o aluno passará a conhecer a norma culta e a usá-la adequadamente nas situações em que isso for necessário.

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