domingo, 2 de junho de 2013

AS CARTAS DE AMOR QUE LUDWIG NÃO ENVIOU



À Minha Amada Imortal,

Cartas de amor parecem ter caído de moda na pressa em que caminham nossas relações. É tão fácil utilizar de outros meios tecnológicos para dizer rapidinho que amamos ou gostamos de alguém, da companhia das pessoas que estão a nossa volta, que, assim, as cartas tornaram-se ultrapassadas, algo trabalhoso de ser feito, pois exigem muitas palavras, e além de tudo, coragem para entrega-las numa época em que ninguém mais entrega cartas.

Beethoven - Retrato feito por Joseph Karl Stieler em 1820

Ludwig van Beethoven, apenas Beethoven como é conhecido por todos, além de ser um dos gênios que lançou as bases da música ocidental, pelo brilhantismo com que conduziu sua obra, superando todas as intempéries que a vida lhe impôs, como a surdez aos 46 anos, nos presenteou ainda com a escrita de três cartas de amor para a sua chamada Amada Imortal que foram encontradas junto ao seu testamento.

Estas cartas nunca foram enviadas, nem se sabe quem era a sua Amada Imortal. Podemos afirmar, entretanto, que as cartas feitas por Beethoven expressam o que há de mais puro no amor, falam das saudades de se amar à distância, e dos desejos de se unir de maneira indistinguível à pessoa que se ama. Não economizando nas palavras, fazendo uma verdadeira poesia em prosa, Beethoven nos transporta para dentro de um amor sem reservas, um amor vivido na distância, mas que prevalece forte, sendo algo para além da vida, divino.

Capa do livro A gruta - Memórias da Amada Imortal de M. R. Menezes.

Manhã de 6 de julho de 1812

Meu anjo, meu tudo, meu ser. Apenas algumas palavras hoje, a lápis [o seu]. Até amanhã a minha morada estará definida. Que desperdício de tempo. Por que [sinto] esta tristeza profunda quando a necessidade fala? Pode o nosso amor resistir ao sacrifício, em não exigir a totalidade um do outro? Pode mudar o fato de que você não é toda minha nem sou todo seu? Oh, Deus! Olhe para a beleza da natureza e conforte o seu coração com o que deve ser. O amor exige tudo e com razão. Assim, eu estou em você e você em mim. Mas você se esquece facilmente que preciso viver para mim e para você. Se estivéssemos completamente unidos, você sentiria esta dor tão próxima quanto eu sinto. A minha viagem foi terrível; só cheguei ontem às 4 horas da manhã, uma vez que na falta de cavalos, o cocheiro escolheu um outro caminho, mas que caminho terrível. Na penúltima parada fui avisado para não viajar à noite, fiquei com medo da floresta, e isso só me deixou mais ansioso – e eu estava errado. O cocheiro precisou parar na estrada infeliz, uma estrada imprestável e barrenta. Se estivesse sem os apetrechos que levo comigo teria ficado preso na estrada. Esterhazy, percorrendo este caminho habitual, teve o mesmo destino com oito cavalos que eu tive com quatro. Senti algum prazer nisso, como sempre sinto quando supero com sucesso as dificuldades. Agora uma rápida mudança das coisas externas para as internas. Provavelmente nos veremos em breve, mas hoje não posso compartilhar contigo os pensamentos que tive durante estes poucos dias sobre a minha vida. Se os nossos corações estivessem sempre juntos, eu não teria nenhum deles. O meu coração está repleto de coisas que gostaria de dizer-te. Ah. Há momentos que sinto esse discurso não ser nada. Alegre-se. Você permanece [sendo] a minha verdade, o meu tesouro, o meu tudo como eu sou o teu. Os deuses devem nos mandar o restante, aquilo que deve ser para nós e será. Seu fiel Ludwig.


O enigma da destinatária das cartas rendeu o filme Minha Amada Imortal, 1994, dirigido por Bernard Rose, em que Beethoven, ao morrer, deixar tudo para a sua Amada Imortal sem dizer quem ela seria. O escritor brasileiro Marcos R. Menezes aborda o tema em seu livro A Gruta – Memórias da Amada Imortal, Pró-libera, 2008. No livro, é tratada a curiosidade sobre quem seria a Amada Imortal citada nas cartas, a dama na capa do livro é a Luise Lichtenberg, a foto foi encontrada numa gaveta secreta da escrivaninha de Beethoven, e hoje está sob os cuidados nos arquivos da Beethoven-Haus, em Bonn, Alemanha, Luise vem sendo considerada como a possível Amada Imortal de Ludwig.

Gary Oldman interpretou Beethoven em Minha Amada Imortal

Segunda, noite de 6 de julho de 1812

Você está sofrendo, minha querida criatura. Só agora percebi que as cartas precisam ser enviadas nas segundas ou quintas de manhã bem cedo. Os únicos dias em que o correio vai daqui para K. Você está sofrendo. Ah, não importa onde eu estou você está lá. Eu arrumarei isso entre mim e você para que possa viver contigo. Que vida! Assim! Sem você, perseguido pela bondade humana, o que pouco quero merecer é o que mereço. A humildade do homem diante do homem me machuca. E quando me considero em relação ao universo, o que eu sou e o que é Ele, a quem chamamos de maior, ainda assim, nisto reside a divindade do homem. Choro ao pensar que provavelmente não receberá a minha primeira carta antes de sábado. Por mais que você me ame, eu te amo mais. Mas nunca se oculte de mim. Boa noite. Devo ir dormir. Oh, Deus! Tão perto! Tão longe! Não é o nosso verdadeiro amor uma construção celestial, mesmo assim é firme como as colunas do céu?

Beethoven

Se nos falta tempo para escrevermos uma carta, que diremos então de falar ao nosso amor sobre a vida, a infinidade do universo, e a agonia de ficar por alguns dias incomunicáveis? Se essa Amada Imortal de fato existiu, várias outras cartas Ludwig enviou para ela que nunca saberemos o conteúdo, mas podemos imaginar que são assim: carregadas de um amor quase palpável, inebriante.


Bom dia, em 7 de julho de 1812

Embora ainda esteja na cama, os meus pensamentos vão até você, minha Amada Imortal, agora felizes, depois tristes, esperando para saber se o destino nos ouvirá ou não. Eu só posso viver completo contigo, ou não viver. Sim, estou decidido a vaguear assim por muito tempo longe de você até que possa voar para os seus braços e dizer que estou em casa, e poder enviar a minha alma envolta em você ao reino dos espíritos. Sim, isto deve ser tão infeliz. Você será mais contida quando souber da minha fidelidade a você. Outra jamais poderá ter o meu coração, nunca, nunca, Oh, Deus! Por que um precisa estar separado do outro quando se ama. E, no entanto, a minha vida em Viena é agora uma vida miserável. O teu amor me faz ao mesmo tempo o mais feliz e infeliz dos homens. Na minha idade eu preciso de estabilidade, de uma vida tranquila. Pode ser assim na nossa relação? Meu anjo, acabo de ser informado que o carteiro sai todos os dias. Por isso devo terminar logo para que você possa receber a carta logo. Fique tranquila, somente através da consideração tranquila de nossa existência podemos atingir o objetivo de vivermos juntos. Fique tranquila, me ame, hoje, ontem, desejos sofridos por você, você, você, minha vida, meu tudo, adeus. Oh, continue a me amar, jamais duvide do coração fiel de seu amado.
Sempre teu,
Sempre minha,
Sempre nosso.

Beethoven

Fontes de referências:



http://cynthiakremer.multiply.com/journal/item/4
http://www.beethoven-haus-bonn.de/hallo-beethoven/extern/ug-orginaltext.pdf
http://www.all-about-beethoven.com/immortalbeloved.html

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