"Dizíamos antes que a linguagem figurada não é exclusiva da poesia: ela é também comum na prosa e nas nossas conversas do dia-a-dia, conforme vimos pelos exemplos que mostramos nos posts dessa semana.
A diferença está talvez no fato de que na poesia as figuras e imagens são os elementos com os quais o poeta organiza o conjunto de sentidos de seu texto. O modo poético de dizer - expressando uma apreensão e compreensão intuitiva do mundo e das experiências humanas - se caracteriza justamente por ser sugestivo (significa por analogia ou por implicação) e não propriamente expositivo, demonstrativo (por raciocínio lógico).
Em outras palavras: o modo poético de apreender o mundo e as experiências humanas e dar-lhes sentido passa menos pela exposição racional, pela argumentação, pelo raciocínio lógico-analítico e mais pela sensibilidade intuitiva.
Por isso talvez é que a expressão poética se aproveite tanto da linguagem figurada, em especial das metáforas e metonímias: o poeta capta analogias possíveis (mas inesperadas e, por isso mesmo, surpreendentes) ou faz referências por implicação (metonímias), utilizando-se do menor para falar do maior.
O modo poético de dizer está, assim, centrado fundamentalmente no "eu" do/a poeta, numa relação muito subjetiva dele/dela consigo mesmo(a) e com o mundo. É desse patamar que fala o/a poeta, expressando antes sensações, impressões e emoções em textos mais sintéticos e condensados do que transmitindo informações ou desenvolvendo exposições e argumentações lógicas.
Podemos observar mais de perto a força das imagens na construção dos textos poéticos lendo os seguintes poemas:
Apojadura
Se este amor
já foi leite de peito
generoso
morno
incondicional,
por que hoje se azeda de mágoa desamparo dor?
FROTA, Etel. Artigo oitavo. Curitiba: E. Frota, 2002, p. 28.
Note que o poema se articula a partir da aproximação analógica do amor e do leite (este amor = leite). E contrasta os dois momentos deste amor (o momento positivo e o negativo) a partir da analogia com o leite (leite de peito e leite que azeda).
Com essa aproximação analógica, a poeta dá expressão à sua perplexidade frente à transformação do amor: por que este amor mudou tanto; por que hoje azeda (de mágoa, desamparo, dor), se já foi leite de peito (generoso, morno, incondicional)?
Compare o poema (1) com o (2) e observe as semelhanças do gesto poético:
Esvoaça... Esvoaça...
Dedico a meu pai, bom e viajoso.
E como a vela que se apaga,
E a fumaça sobe e se atenua.
E o amor fraco que se apaga,
Não adiantam poemas para a Lua.
Sofre o homem, o amor acaba
E a doce influência esvoaça
Como o fio adelgaçado
De fina e translúcida fumaça.
Esvoaça, esvoaça...
Atenua o amor,
Atenua a fumaça.
Para que tanta dor?
E o amor que vai sumindo,
Adelgaça, esvoaça, esvoaça...
maio/63
CÉSAR, Ana Cristina. Inéditos e dispersos. 4. ed. São Paulo: Instituto Moreira Salles e Ática, 1999, p. 24.
A base articuladora do poema é novamente uma aproximação analógica. Desta vez entre "a vela que se apaga" e sua fumaça que "sobe e se atenua" e "o amor fraco que se apaga", que "esvoaça como o fio adelgaçado de fina e translúcida fumaça".
Há um certo tom de desalento diante de uma situação para a qual não há remédio ("Não adiantam poemas para a Lua"). Mas há também a perplexidade diante do sofrimento trazido pelo amor que acaba ("Para que tanta dor?").
Leia, agora, este poema de Cecília Meireles:
Canção
Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.
0 vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.
(1929-1937) MEIRELES, Cecília. Obra poética. 2. ed. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1967, p. 110-111.
Aqui o poema é todo ele uma grande figura. A poeta fala alegoricamente do que fez com seu sonho, isto é, ela aproveita elementos de uma temática marítima para embutir nessa figuração o destino que deu ao seu sonho e para falar das consequências futuras do seu desaparecimento.
A expressão alegórica diz por meio da imagem. Há, portanto, dois planos de significação simultaneamente: o concreto da imagem construída no texto e tudo aquilo que a imagem sugere ou evoca. No caso do poema de Cecília Meireles, há o concreto das imagens marítimas que, por sua vez, deixam entrever (sugestivamente) o modo como ela lidou com seu sonho.
Fonte:http://www.analisedetextos.com.br/2013/03/analise-comparativa-de-poemas.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+analisedetextos+%28An%C3%A1lise+de+textos%29
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