quarta-feira, 17 de outubro de 2012

ENG E CHANG, OS GÊMEOS SIAMESES, NADA É POR ACASO


Mesmo sendo tratados como aberrações da natureza, mesmo sendo explorados por agenciadores perversos, os irmãos Bunker criaram uma história digna de ser conhecida e colocaram à mostra as contradições de toda uma moral baseada na aparência. Apesar da união inevitável, os dois mostraram que é possível ter vidas totalmente separadas e, em dados momentos, até sentir raiva daquele que está, literalmente, colado em você.
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Litografia dos Irmãos Bunker.
Recebidos como um mau sinal, os gêmeos siameses Eng e Chang nasceram em Meklong, no então chamado Sião, em 1811. Daí vem a maneira como passámos a chamar todos os gêmeos xilófagos: siameses. Mas esse nome não se fixou por acaso: foi necessário que Eng e Chang conseguissem fixar o significante no imaginário popular a ponto de fazê-lo o fundador de uma nova categoria. E conseguiram isso ao longo de suas histórias - diferentes, mas sempre juntas.
De Vassalos à Proprietários
Descobertos ainda jovens em sua vila natal, foram comprados a sua mãe. Não é de se admirar que ela fosse convencida a vender os filhos por uma promessa de futuro melhor no ocidente, já que, pela deformidade física aparente, eram tratados com desprezo e afastamento – se eram um mau sinal, então deveriam ser evitados. Os gêmeos eram uma espécie de tabu dentro do sistema de significações na própria vila.
A vida deles no ocidente não foi muito melhor no início: faziam shows em circos e eram obrigados a ouvir e responder a diversas perguntas dos curiosos da plateia que, na maioria das vezes, não tinham o menor pudor de fazer as piores e mais humilhantes indagações. Além disso, também divertiam a plateia com alguns números comuns, mas que assumiam um caráter inusitado dada a situação dos gêmeos, como os malabarismos.
Mas ainda havia outra coisa que os aborrecia, esta num plano econômico: seus agenciadores lhes pagavam dez dólares mensalmente, enquanto ganhavam mil dólares às custas da humilhação de ambos.
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Irmãos Bunker com roupa de show.
Esta situação fez com que, primeiramente, se tenham auto-agenciado e, depois de 10 anos realizando shows pelo mundo, se aposentassem em uma fazenda na Carolina do Norte, onde se naturalizaram americanos e adotaram o sobrenome Bunker. Foi lá que casaram com as irmãs Sarah e Adelaide Yates e tiveram 21 filhos. Também foi lá que tiveram propriedades, prosperaram e perderam parte de seus bens, também juntos, apesar de deixarem sempre tudo separado na vida financeira.
Brigavam muito no fim de suas vidas, tanto que, por diversas vezes, tentaram a cirurgia para separação de seus corpos, o que era negado por especialistas como sendo uma sentença de morte para ambos. Morreram em 1874, aos 63 anos, sendo a causa da morte de Chang uma pneumonia e de Eng a recusa em ser separado de seu irmão após a morte deste: acabou morrendo três horas depois de Chang (outra versão, ainda, diz que Chang morreu de susto ao ver o irmão morto).
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Irmãos Bunker em idade avançada.
Um Olhar Atual Sobre os Siameses
Houve médicos que tentaram, para ganhar fama, realizar a cirurgia nos irmãos enquanto ainda eram bebês, os utilizando como cobaia de novos métodos cirúrgicos, isso já demonstra o grau de inumanidade que eles carregavam por seu “defeito” físico. E também demonstra que para ser plenamente humano não basta a biologia, mas é preciso também reconhecimento social.
Atualmente, os casos de irmãos siameses são, sempre que possível, resolvidos por meio de uma cirurgia de separação, o que talvez pudesse ocorrer com a tecnologia atual para os irmãos Bunker, que só tinham o fígado ligado, mas com funcionamento independente para cada um. Entretanto, se tentássemos olhar com uma visão um pouco mais distanciada, perceberíamos que só há essa emergência em cirurgias de separação de gêmeos siameses porque eles ainda não são considerados humanos plenos e somente com a separação dos corpos e com a formação da unidade humana socialmente reconhecida eles poderiam ser, finalmente, normais.
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Família Bunker em 1965.
O curioso é que essa tentativa de “voltar à unidade humana” não reconhece os possíveis danos irreversíveis que a cirurgia de separação pode causar, como no caso mais recente dos irmãos Filipinos Carl e Clarence, que perderam grande parte das funções básicas de linguagem e de locomoção.
A questão por trás da vida dos irmãos Bunker fica então mais atirada ainda: será que é possível medir a quantidade de sofrimento que eles passaram para tentar ter relacionamentos normais com, por exemplo, suas esposas, os pais de suas esposas (que não os aceitavam, de início), com seus filhos, com a comunidade onde viviam, etc. e etc.? Em uma última viagem pela Europa, já com idade avançada, conseguiram realizar alguns show e ganharam uma boa quantia de dinheiro. O que mostra que o lugar “especial” a que ambos pertenciam enquanto crianças ainda estava intacto - que eles ainda eram, no fim das contas, atrações de circo para a sociedade europeia.
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Túmulo dos Irmãos Bunker.


Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2012/10/eng_e_chang_os_gemeos_siameses.html#ixzz29aZhJnQQ

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